Um conto de minha sobrinha Thaís Aparecida Válio da Rocha.
“O BOSQUE BOM RETIRO”
“EU, O GAMBÁ”
Era uma noite como todas as outras.
Estava escuro e eu só enxergava aqueles pontinhos
brilhantes no céu.
De repente, até as estrelas se apagaram e o vento
forte, muito forte mesmo, foi o anúncio de uma chuva, uma chuva que eu nunca vi
igual.
Começou com pequenas gotas na grama e acabou em
grandes lajotas de gelo pelo chão.
Não tinha para onde ir.
O pequeno arbusto que eu chamava de casa havia se
despedaçado, e ali naquele bosque, ninguém me cederia um cantinho para dormir.
Encolhido ao lado de um tronco caído, uma luz
ofuscou meus olhos e nesse instante tudo se iluminou.
Uma nuvem desceu do céu e nela um bicho de asas,
que eu nunca tinha visto, perguntou:
- Tem algum gambá por aqui?
Sem saber bem o que estava acontecendo, respondi:
- Eu!... O gambá...
“O BICHO DE ASAS”
Ainda assustado com o que tinha acontecido, escutei
tudo o que o Anjo falava, quietinho:
- Caro gambá, eu sou um enviado dos céus para, a
partir de agora ao seu lado caminhar. Mas me desculpe, deixe-me me apresentar.
Eu sou o seu amigo, Anjo.
Depois que terminou sua apresentação, perguntei:
- Mas seu Anjo, eu sou um gambá! Você não se
importa de ficar ao meu lado?
E ele respondeu:
- Por que me importaria?
(...)
- Pois é, enquanto todos aqui do “Bosque Bom
Retiro” são amigos, eu sou o único que não possuo nenhum. Dizem que é pelo meu
mau cheiro, mas eles mal me conhecem... Se me conhecessem, iriam saber que
apenas quanto estou com medo é que fico assim, meio fedido, como fiquei ao ver
você. Ah, esqueci de me desculpar pelo mau cheiro, me desculpe!
- Que besteira! Fique tranquilo, eu não sinto
cheiro algum. E a partir de agora você tem um amigo!
Nesse momento, eu conheci um abraço.
Foi o melhor presente que já ganhei.
Se pudesse, dividiria com todos esse presente.
Não sei de onde ele veio, mas sei que não importa
de onde ele tenha vindo e nem o que ele já tenha feito.
O importante é o que a gente é ou pode fazer agora.
E ele me fez feliz naquela hora!
“LUZ E SOMBRA”
Toda luz projeta uma sombra.
Comecei então a contar ao meu amigo Anjo um pouco
sobre o “Bosque Bom Retiro”.
E, com a luz da lua sobre nós, partimos sob a sua
nuvem em busca de um lugar para conversarmos.
Então avistei um dos lugares mais bonitos dali, o
“Campo dos Girassóis” que, por sorte, já estava todo seco depois da chuva.
Ali o Anjo estacionou sua nuvem:
- Que belo lugar! –disse ele.
- É aqui que venho quando estou um pouco triste.
Eles, os girassóis, não se incomodam com a minha presença e aqui me perco das
horas, contemplando suas belezas...
O Anjo, quebrando o silêncio daquele momento tão
único para mim (pois afinal sempre me encontrava sozinho naquele lugar), olhou
fundo nos meus olhos e falou:
- Gambá, você é um cara de sorte!
- Por que?
- Este é um dos lugares mais bonitos que já conheci
e sendo uma terra improdutiva seria quase improvável de existir, se não fosse
você!
Sem saber direito o que ele estava dizendo,
novamente perguntei:
- Por que?
E naquela tranquilidade que hoje em dia é difícil
encontrar, ele me explicou:
- Estas flores só existem porque você existe. Elas
são o reflexo da alma boa que reside em você. Elas jamais viveriam se não fosse
a sua companhia. Este solo é um solo infértil e, em seus momentos tristes, elas
reconfortavam você e você as alimentava com suas lágrimas. Toda luz projeta uma
sombra e você pode não acreditar, mas é simplesmente por você que elas ainda
estão de pé. Realmente, você é um cara de sorte!
No fim dessas palavras, eu comecei a enxergar que,
afinal, eu não era assim tão sozinho...
“CONHECENDO MEUS VIZINHOS”
Passamos a noite sobre uma cama de flores e sob a
manta do céu.
O dia apareceu e nós fomos em busca de algo para
comer.
No Bosque era possível encontrar toda espécie de
árvore e então fomos até a goiabeira e começamos a saciar nossa fome:
- Gambá, minha barriga vai explodir!
- A minha também, Anjo!
Estando satisfeitos, repousamos na sombra da árvore
de goiabas até sermos interrompidos por uma vozinha que dizia:
- O fedorento encontrou um amigo. Há!Ha!Ha!...Ele
deve feder também. Há!Ha!Ha!...
Ao abrir os olhos dessa realidade que eu não queria
acordar, avistei o porco, um dos moradores do Bosque.
Ele se auto-intitulava de “parceiro da justiça” e,
no entanto, com um alto- falante nas mãos e a um quilômetro de distância,
anunciou:
- Bichos estranhos, se retirem da sombra da
goiabeira. Ela é digna apenas a mim e aos meus companheiros do Bosque.
Nesse instante, uma lágrima escorreu pelo rosto do
Anjo e então as palavras mais suaves começaram a rolar:
- Porco, poderia retribuir com palavras e gestos
preconceituosos, mas assim iria fugir dos meus princípios e o maior deles é o
Amor. Amigo porco, não seja assim. Esse Bosque é tão grande e bonito e não
cobra nada para que possamos dele usufruir. E você, assim como nós, está aqui
para conviver com respeito e não com preconceito.
Somos iguais, mesmo sendo diferentes. Não aja como o dono da Verdade, pois não
existem verdades absolutas. Venha, caminhemos juntos para sermos todos nós uma
única família.
Nunca conheci alguém com tanta paciência, tanto para
ouvir ofensas quanto para retribuí-las com palavras bonitas.
E nunca pensei que o porco, com aquele complexo de
superioridade, fosse ouvir tudo aquilo calado.
Então, depois daquelas palavras o porco resolveu se
aproximar e disse:
- Me desculpem! Realmente, não sou melhor que
vocês. Me perdoe, gambá, por tanto tempo com palavras duras ter machucado
você.
Não acreditava no que estava ouvindo, mas o Anjo
falou por mim:
- Vamos, porco, vamos com a gente caminhar!
E, gambá,
não se esqueça que perdoar é devolver ao outro o
direito de ser feliz.
Subimos sobre a nuvem e o porco, como um bom amigo,
nos acompanhou, me dizendo:
- Gambá, você não cheira mal e eu me deixando
enganar pela fofoca e pelas aparências. Vocês são muito legais! Obrigado por
não agirem do mesmo modo que eu agi!
Então, eu recebi mais alguns abraços e comecei a
entender que aqueles que julgam ter bons amigos por mera aparência, às vezes
são mais solitários do que pensamos.
No fundo de cada alma existem tesouros escondidos
que só o Amor permite descobrir.
“MAIS VIZINHOS”
Partimos dali para o “Quiosque das Rosas”, um lugar
muito bonito.
O “Bosque Bom Retiro”, se se resumisse apenas a
esse lugar, já faria jus ao nome.
Sentamo-nos à espera do por do sol, até que um minuto
antes do crepúsculo, pudemos perceber algumas pedras sendo atiradas sobre nós.
- Vai, porco! Tá ficando louco? Tá com o nariz
trancado?
Foi o que o cão disse, acompanhado de alguns
risinhos do gato, seu companheiro.
Os dois eram amigos inseparáveis.
O cão tinha de tudo: a maior casa, a melhor comida,
mas não estava nem aí por ter tudo em suas mãos. Maltratava os outros que não
tinham.
O gato, um aventureiro, apareceu não sei de onde, e
virou a sombra do cão, aproveitando de tudo o que ele não valorizava. Então,
seguia todos os seus passos, mesmo se a caminhada fosse por vales escuros.
Após a piada dita pelo cão, o porco se aproximou
deles, balançando a cabeça, e disse:
- Eu não estou louco, mas se sentir feliz por estar
em boa companhia, contemplando o belo, é loucura, então sou louco, mas muito
feliz.
E o Anjo aproveitou para completar:
- Na nossa nuvem, sempre cabe mais um! Nesse caso,
dois!
O cão, coberto por um grande orgulho, calou-se,
enquanto o gato, fascinado em poder voar, veio se esfregar na nuvem.
O cão, com medo de ficar sozinho, veio logo em
seguida e, ao terminarmos de assistir o sol se por, o cão resolveu nos convidar
a passar a noite em sua casa.
- Como o porco, eu faço das palavras dele as
minhas, e peço mil desculpas, e os convido a entrarem em casa!
E o gato concluiu:
- E lá tem espaço, muito espaço!
E um abraço coletivo aconteceu.
“A FEIA LAGARTA”
Depois de uma boa noite de sono, resolvemos fazer
um piquenique no quintal da casa do cão.
O quintal era um espetáculo da natureza, com lago e
grandiosas árvores.
O porco estendeu a toalha sobre a grama, o gato
trouxe a cesta, o cão a sobremesa, eu fiz o suco, e o Anjo agradeceu:
- Obrigado por mais um dia de vida. Obrigado por
uma boa noite de descanso. Obrigado por esta refeição e por todos aqueles que
estão envolvidos para que isso tudo chegasse as nossas mãos. Agradecemos a tudo
e a todos! Plantemos o Bem, reguemos com amor, e colheremos um Bem maior ainda!
Assim fizemos nosso piquenique e digerimos o
alimento deitados na sombra da jabuticabeira.
Sentindo aquela brisa nos tocar, escutamos uma voz
pequenina que vinha da copa da árvore, que dizia:
- Eu sei, eu sou das mais belas, a mais bela de
todas; eu sei, vocês aí me admiram aqui. Bom dia para mim!
Olhamos todos para cima e vimos uma linda
borboleta.
A borboleta, quando pequena, uma pequena lagarta,
como os outros, nunca falava comigo, mas era a única que não falava sobre mim
e, por isso, admirava sua humildade.
Até que um dia ela se fez casulo e, por ali ficou
um bom tempo. Passado esse tempo, daquele casulo surgiu uma bela borboleta.
O problema é que a metamorfose da lagarta tinha
levado embora toda a sua humildade.
Aquela lagarta que era um dos seres mais humildes
se transformou numa borboleta arrogante e seu orgulho e vaidade excessivos a
fizeram viver sozinha, acompanhada somente de sua beleza.
Tinha dias que ficava durante horas a se contemplar
no reflexo do “Lago dos Narcisos”; às vezes, chegava a cair nas águas e quase
afogar-se. No entanto, com demasiado narcisismo, no outro dia voltava ao lago
para se admirar.
(...)
Mas depois de suas palavras de bom dia, disse mais
algumas coisas:
- Quem sabe se vocês ficarem a me admirar os seus
defeitos vão embora. Podem me olhar! Fiquem à vontade!Eu sei, eu sei que sou a
melhor!
Nisso, o Anjo se levantou e, olhando fixamente nos
olhos da borboleta, ofertou sua amizade:
- Espero de coração que um dia você não acabe
morrendo na solidão. Espero que um dia descubra que a amizade é o presente mais
belo que alguém pode ter. É uma dádiva, e eu, humildemente, lhe ofereço a
minha.
Num breve espaço de tempo, um silêncio tomou conta
e, então, uma lágrima escorreu dos olhos da borboleta.
Suas asas tocaram as asas do Anjo e pediu desculpas
a todos.
Assim, passamos o dia e até o fim da tarde todos
juntos, sem mágoas de ninguém, pois como o Anjo havia dito antes, “perdoar é
devolver ao outro o direito de ser feliz”.
E realmente, naquele momento, éramos intensamente
felizes...
“O ADEUS”
Depois de ter unido todo o povo do “Bosque Bom
Retiro”, o Anjo teve que bater suas asas e pousar em outro lugar onde a sua
amizade estava sendo chamada.
Antes de decolar, olhou nos olhos de cada um de nós
e começou a falar:
- Meus amigos, espero que, quando aqui voltar,
vocês continuem assim, de mãos dadas, para que assim vocês possam ajudar
aqueles que necessitam de Amor. Agora vou seguir meu caminho, levando todos
vocês aqui no meu coração. Sempre quando conhecemos alguém, precisamos partir.
Mas nunca partimos sozinhos; deixamos sempre um pouco de nós e, nesse caso, levo
um pouquinho de vocês. E a partir disso, vamos nos completando.
Depois dessas palavras, deu um abraço em cada um e,
quando me abraçou, disse baixinho ao meu ouvido:
- Te amo, meu amigo gambá! E logo, logo, eu
voltarei!
E, num piscar de olhos, meu amigo desapareceu no
infinito azul do céu.
Depois da despedida, ficamos um pouco tristes, mas
não desanimamos.
Passamos a procurar outros bichos que também
estavam na situação em que nos encontrávamos antes do Anjo aparecer.
Uma grande corrente do Bem se formou.
Cada dia se tornou mais especial, pois a cada novo
dia uma nova amizade se juntava, desfaziam-se as diferenças e toda barreira do
preconceito era quebrada.
À medida que nossa comunidade ia crescendo, nosso
Bosque ficava mais bonito, pois cada um plantava uma sementinha boa para
garantir um amanhã mais feliz.
Assim é que nós formamos uma família muito grande e
aprendemos que nenhum caminho é longo demais quando um amigo nos acompanha.
Parabéns, Thaís!
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