sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O VESTIDO NEGRO DE RENATA



Conheci Renata cerca de onze anos atrás, quando ela esmolava na porta de uma Igreja.
Dois filhos do lado.
Igual cadela jogada para fora de casa num dia de chuva.
Marido largara Renata. Também, homem gosta mesmo é de receber, não de recompensar. Tosse comprida. Anemia profunda.Despejo.Prostração.
Sem ter mais onde colocar a bunda, sem espelho, sem colchão, sem futuro, sem marido. Só Renata. Renata da porta da Igreja. Renata do banco da praça. Renata vira-latas. Cachorra Renata.
Até o vigário da paróquia fugia dela. As doações dos fiéis estavam parcas, minguadas. E a gente da cidade era muito faladeira. Poderia ser expulso. Seria suicídio. O que faria depois? Onde encontrar tanta mordomia? Ter que pagar aluguel, viver de salário, como gente comum...Ah, não!
Houve um tempo em que Renata entrou com processo contra o marido que, diziam, estava com um bom cargo na Prefeitura local. Ação de alimentos. Como no Código. Advogado do Estado. Fraco, metido a bacana, nem a incentivara a seguir adiante. Pura pornografia. A Assistência Social tomou-lhe os filhos. Soube mais tarde que haviam morrido. Nalguma Febem, com certeza. De que? Não disseram.
Coitada! E nem se chamava Maria.
Ninguém oferecia trabalho. Também, quem poderia? Só se fosse alguém que lhe desse um banho de loja, depois de um banho com sabão de cinza e bastante água sanitária.
Mas não é que aquele português, o Manoel Formiga resolveu apostar na Renata? Empregou-a em sua casa. Tinha um quartinho nos fundos onde ela poderia morar dormir.
E Renata tornou-se gente outra vez. Comia no prato. Bebia no copo. Dormia em colchão desses de mola. Aprendeu a dançar. Sorria para o portuga. Ele cada vez mais gostando do que via. Resolveu pedir Renata em casamento. Aceitou no ato, a coitada. E foi um lindo casamento. Regado a vinho do Porto e a música regional.
E resolveram ir embora para muito longe do passado. De ambos...
Ontem, lendo o ‘Notícias Populares’, deparei-me com a notícia em letras garrafais:  ESTUPRADA E MORTA POR DOIS MARGINAIS NA PORTA DA IGREJA’.
Era Renata. A mesma Renata. E o crime fora cometido por seus próprios filhos. Que só ficaram sabendo que era a mãe, na prisão.
Que porcaria de vida!
Que troça do destino!
E tem gente que ainda não acredita em destino.
E tanta Renata existe por aí que merece castigo maior por tantas malandragens, por tantas arbitrariedades, por tamanhas involuções na vida das pessoas, logo aquela Renata é que foi a escolhida para ter um final de novela assim.
Será que em outra encarnação ela foi algoz, executando a pena de morte como se fizesse justiça com as próprias mãos?
Que fatalidade!
Pura mamãezada!



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