domingo, 1 de abril de 2012

SÃO MIGUEL ARCANJO ANIVERSARIA HOJE - V


UMA HISTÓRIA REAL – A EMANCIPAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO
(Relatada pelo Major Luiz Válio, sob o pseudônimo J. SEVERO, conforme pesquisas em periódicos da época). 


A história da fundação de nossa cidade é tão bela e cheia de lances heroicos que, em confronto, ultrapassa tudo quanto se tem escrito a respeito da fundação de São Paulo de Piratininga. 

Por isso, depois de conhecidos os tópicos do decreto 20.348, o clamor de todos os são-miguelenses era, e com muita razão, o que serve de epígrafe:- “Não queremos retroceder”. 

Obtida a nossa independência do “jugo” itapetiningano em 01 de abril de 1889, pela lei 86 da mesma data, o novo município caracterizou-se pela altivez com que, por muitos anos, soube manter-se, numa atitude digna, promovendo a sua prosperidade a golpes de audácia, tal como fez no período anterior, quando teve de enfrentar a luta formidável movida pela edilidade da terra de Venâncio Aires contra as suas aspirações liberticidas. 

Por espaço de quase dois anos o povo desta terra lançou mão de recursos de todo gênero, legais e até absurdos para obter o seu ideal. 

Entre eles figuram alguns dignos de serem agora lembrados e são os seguintes: 

Os são-miguelenses precisavam de uma informação da Câmara de Itapetininga sobre o número de prédios existentes no perímetro urbano da freguesia e o número aproximado dos habitantes do distrito. 

Para esse fim, mandou-se um emissário à sede, levando a petição e o questionário a ser preenchido. 

Apresentados os “papéis” à Câmara em plena sessão, esta, depois de uma discussão em que mais se tratou de ridicularizar o “povoado” do que de atender ao pedido dos seus habitantes, negou a informação e indeferiu o requerimento. 

Ali mesmo, tendo tudo presenciado, o nosso emissário, de posse dos papéis menosprezados, num ímpeto que bem traduziu o ideal de rebeldia de um “povo oprimido”,picou-os em dezenas de pedaços, atirando-os “por sobre as cabeças estupefatas dos nobres edis”.Assim procedendo, o nosso emissário “riscou o recinto da Câmara com as rosetas de suas enormes chinelas e saiu praguejando injúrias e maldições”. 

Indignado com tal procedimento, o povo da freguesia procurou obter a proteção de Campos Sales, deputado republicano, endereçando-lhe uma fogosa representação. 

Campos Sales prometeu patrocinar a causa e pediu que se fizesse um abaixo-assinado monstro, a fim de ser por ele apresentado à Assembléia provincial. 

O abaixo-assinado remetido a Campos Sales foi subscrito por todos os habitantes de São Miguel Arcanjo, tanto pelos homens, mulheres e crianças, como pelos mortos e os que ainda estavam por nascer. 

Com este documento, Campos Sales, no penúltimo dia de encerramento do Congresso, em dezembro de 1888, prevalecendo-se da acumulação de serviços, passou o blefe nos itapetininganos, obtendo a elevação de nossa freguesia a município independente. 

Não se pode imaginar a grande satisfação que se apoderou do povo, com a sua independência realizada e em via de estabelecer o domínio municipal quase absoluto, para poder aplicar com parcimônia proveitosa, os vastos rendimentos fiscais na grandeza de sua própria terra, tão necessitada de melhoramentos de ética administrativa e de estética prática para a formação da grande metrópole ideada para um futuro embora remoto. 

O nosso céu, como que colaborando com a alegria imensa provocada pelo feliz acontecimento, parecia radiantemente belo naquele dia de festas da vitória. Os semblantes, tanto dos homens, como das mulheres e crianças, de carrancudos que eram pelas constantes investidas falhas transformaram-se em semblantes joviais, onde se notava a exteriorização completa dos mais íntimos sentimentos de felicidade. 

Entretanto, nos horizontes do porvir, notava-se ainda uma tênue mancha, precursora de tempestade próxima. 

É que não estava tudo feito e, para se chegar ao fim da obra gloriosa, teríamos de transpor duríssimos penhascos pontiagudos e de difícil acesso. 

Itapetininga informou ao governo que São Miguel não possuía sequer um edifício ou sala particular onde pudesse ser instalada a Câmara, isto é, o seu Governo Municipal. 

Já tínhamos algumas casas regularmente construídas e outras que se encontravam em estado adiantado de construção, com comodidades amplas, como, por exemplo, a casa de Evaristo Arantes de Noronha, pai de Thomaz Mário, Agobardo e senhora Maria Marieta, membros da importantíssima família Noronha, oriunda de Minas Gerais e de nobre hierarquia portuguesa, bem conhecida na história. 

Mas para que se instalasse o Governo Municipal em uma casa particular, por melhor que fosse, seria preciso que a índole do povo são-miguelense fosse de outra têmpera e que esse povo não zelasse bastante do seu brio. 

Não! 

- A Câmara teria de funcionar em prédio próprio, diziam os próceres da situação, custe o que custar! - 

Não havia, entretanto, onde lançar mão à busca de recursos para o fim desejado, porque as rendas municipais ainda seriam arrecadadas por Itapetininga enquanto aqui não houvesse governo constituído. 

Como último recurso, aventou-se a ideia de promover uma subscrição popular, obtendo-se assim, o capital necessário para a construção do edifício. 

O Governo Provincial havia, há tempos, adquirido, pela importância de cento e poucos mil réis, o prédio que servia então de cadeia pública. 

Um aumento lateral, acrescentado naquele, rigorosamente feito de acordo com todas as leis da estética, parecia resolver o grave problema e, se isto foi pensado, não demorou também a ser posto em prática com fervoroso entusiasmo. 

A circunscrição correu o pessoal da Vila e este, acudindo ao pedido, não se fez rogar para contribuir com o seu apoio pecuniário. Em poucos dias a subscrição alcançava a importante soma de 600$000, julgada bastante, segundo o orçamento de hábil empreiteiro para a construção do edifício. 

Em poucos meses as obras ficaram prontas. 

O edifício citado foi construído na Rua do Comércio, nele funcionando a Câmara Municipal do triênio que se findou em 1913. 



O EMISSÁRIO PEDRO LEME 

Em 12 de abril de 1.928, na “Tribuna Popular”, o mais famoso órgão de imprensa de toda a região, editado em Itapetininga, Theophilo de Souza Carvalho lembrava-se de Pedro Leme Brisolla como uma das figuras a quem a história da elevação de São Miguel à Vila se acha intimamente ligada. 

Foi ele o emissário, o agente, o veículo de toda aquela negociação que se operou em torno do caso. 

Indivíduo enérgico, excessivamente bairrista, Pedro Leme chegou ao extremo de devotamento pela causa que abraçou com os seus conterrâneos, e só se deu por satisfeito quando os jornais lhe trouxeram a grata e importante notícia da promulgação da lei no. 86, de 01 de abril de 1.889, criando a Vila de São Miguel Arcanjo e sua respectiva Câmara Municipal. 

Reportando um pouco àquela época, de acordo com o historiador Luiz Válio, o J. Severo, que deixou seus escritos impressos no ‘O Progresso’, chega-se naquele nefasto dia de sessão na Câmara Municipal de Itapetininga; os vereadores todos reunidos para os trabalhos normais. 

Foi então que assomou à porta o vulto de um indivíduo sobraçando um rolo de papéis envolto num lenço de alcobaça. 

Era Pedro Leme que, arrastando as esporas pela sala, abeirou-se da mesa e pediu permissão ao presidente para apresentar um requerimento que trazia do povo de São Miguel Arcanjo, antigo Bairro da Fazenda Velha de Itapetininga. Informações essas que deveriam ser enviadas para São Paulo. Eram alguns dados que faltavam para o prosseguimento do processo de emancipação política, um sonho já acalentado durante algum tempo pelos moradores do local. 

O secretário leu o documento. 

Alguns senhores riram, fazendo nascer a ira em Pedro Leme, cuja face tornou-se assustadora. 

Calmamente, o presidente julgou a petição objeto de deliberação, fez consulta à mesa sobre se deveria confirmar as informações já remetidas para a Capital ou elaborar outras mais a contento dos “libertários da Fazenda Velha”. 

A mesa foi unânime em confirmar os dados anteriores, declarando que achava extemporânea, ineficaz e absurda a ideia de elevação de São Miguel a Vila. 

Para a Capital haviam sido enviadas informações dizendo que a referida Fazenda Velha não passava de um excelente criadouro de porcos e cabritos, animais estes que vagavam pelas ruas com a mais ampla liberdade, sendo esse fato, por si só, um depoente contra todas as aspirações de um povo civilizado. 

Especificado o despacho, o presidente da Câmara lançou o jamegão sob um terrível “INDEFERIDO” e o requerimento foi entregue ao secretário que, sorrindo, o passou às mãos de Pedro Leme...que nem estava mais ali, pois havia se metamorfoseado em outra pessoa, ou melhor, num animal parecido com um tigre, o qual, passeando pela sala, arfava, suando feito suíno, deixando ouvir-se ali apenas o eco de seus passos e o tinir das rosetas da sua “chilena” que descrevia uma linha pontuda sobre o assoalho de belíssimas taboas de peroba. 

O presidente, assustado, tocou a campainha seguidas vezes a fim de tirar Pedro Leme daquele transe. Finalmente, o homem estendeu os braços, recebendo com mãos trêmulas o malfadado papel que continha um despacho que não era um simples despacho, mas...uma bomba de dinamite! 

Ainda tonto, o emissário daquele povo espezinhado em suas intenções, deu algumas voltas com os papéis que lhe queimavam as mãos e o corpo todo e, num ímpeto que bem traduzia o ideal de rebeldia de um povo oprimido, dirigiu-se para os senhores edis, desandou-lhes tremenda descompostura e picou em dezenas e dezenas de pedacinhos aqueles papéis, atirando-os por sobre as cabeças estupefatas dos nobres edis. 

Em seguida, Pedro Leme saiu dali praguejando injúrias e maldições como um trovão. 

Por um momento, um sopro de morte preencheu a sala e enrijeceu os senhores ali presentes. 

“Uma barbaridade!”- exclamou o presidente. 



OBS: Pedro Leme Brisola era, no ano de 1.866, ao lado de Arthur Monteiro, Luiz Castanho, Major Monteiro, Maximiano, Edmundo Trench, Gabriel Dias e Paulininho Aires, um grande intelectual e artista amador na cidade de Itapetininga. Foi ele quem ainda emprestou sua residência para a reunião de fundação do Gabinete de Leitura ‘José de Alencar’, também de Itapetininga, e nesse dia escolhido para ser orador (na diretoria provisória) e segundo orador na primeira diretoria definitiva. 

Este gabinete de leitura deu origem ao famoso Clube Recreativo ‘Venâncio Ayres’ no ano de 1.888.


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