domingo, 6 de maio de 2012

MEU AVÔ E A EMPRESA "SUL PAULISTA"


"Está por pouco a terminação do contrato de força e luz existente entre a Câmara Municipal e a Empresa de Eletricidade Sul Paulista.
Parece-nos que o de Itapetininga tem alguma dianteira, pois a inauguração da luz naquela cidade antecipou de alguns meses a nossa.
Noutros lugares, vemos movimentos de todo gênero, inclusive greves, e tanto as prefeituras como o povo tratam de resguardarem os seus direitos contra as muitas artimanhas com que as empresas desse gênero embrulharam os inexpertos encarregados de zelar pelo bem público.
As cláusulas dos célebres contratos, redigidos por mãos de mestres, na aparência repletas de liberalidade, não merecem outros qualificativos senão os de arapucas em que foram caçados, muito jeitosamente, os incautos administradores da fazenda pública.
Por essas cláusulas, geralmente, as empresas a nada ficaram obrigadas, senão ao esfolante fornecimento de força e luz, quando tudo lhes corre sem novidade!
Porque, quando o tempo, o câmbio, ou qualquer outro obstáculo não lhes faculta a produção do fluido maravilhoso, sempre os motivos de "força maior", ou "casos fortuitos", vem proporcionar-lhes o meio legal incluído nas cláusulas, de eximirem-se a toda e qualquer responsabilidade.
Para o mísero contribuinte, todos os arrochos. 
O preço de força ou luz sempre a crescer, ora porque o dólar subiu, ora porque o material empregado valorizou-se nas fábricas.
O caso de "força maior" priva o paciente de luz pelo menos três ou quatro dias.
Isso não importa.
A conta mensal vem sempre sem o desconto, que seria de justiça.
Para as empresas, todas as regalias.
Isenção de impostos municipais.
Liberdade de passagem e estragos pelas propriedades alheias.
Liberdade de relaxamento para conservarem os seus materiais em estado lastimável: fios mal esticados, postes mantidos pelos alinhamentos das ruas como dentes de serra, instalações mal feitas ou mal conservadas, perigando a vida dos inquilinos e dos transeuntes.
E quem poderá reclamar, erguendo a voz, para chamar as nababescas empresas ao cumprimento, senão do dever a que não são obrigadas pelos contratos, ao menos a serem mais condescendentes para com o público?
Ninguém!
Ninguém, porque aquele que ousasse fazê-lo, cairia imediatamente no desagrado dos cresos, seria considerado como impatriota e importuno, quando não lhe fosse dado o ensejo de ir  para o xadrez como violador  das impunidades e inexpugnabilidades dos grandes beneficiadores do bem estar público!
Para tanto, esses felizardos sempre contaram com o apoio dos políticos em evidência, bem como das autoridades que, não sabemos o motivo, dispensavam grandes atenções nos interesses machucados dos seus amigos.
Dizem as más línguas que havia uma certa comunhão de vistas entre tais personagens.
Não me atrevo, entretanto, a afirmá-lo categoricamente, nem mesmo a dar crédito absoluto a tais intrigas.
Mesmo porque aqueles tempos já lá se foram e Deus queira que não voltem mais.
Pelo que se vê dos acontecimentos que rebentaram na Zona da Noroeste e Alta Sorocabana, é de acreditar-se que o povo, apoiado pelas autoridades administrativas, levará a cabo a defesa dos seus interesses.
É que o povo agora já conhece a força que tem e sabe que a união de vistas e esforços não deixam de, conjugados soberanamente, produzir os resultados desejados, quer queiram, quer não, os potenciados empresários e os seus protetores de casaca.
Haja vista as greves, cujos efeitos não tardarão a dar com os contratos, ainda longe de terminarem, em completa remodelação, de acordo com as exigências da época e em perfeita harmonia de interesses assegurados para ambas as partes.
Entre nós, o caso já é um pouco diferente, porque o contrato está a findar-se.
Havendo boa vontade e sobretudo honradez da parte dos responsáveis pelo bem público, é de supor que se não vá cair noutra laçada, noutra arapuca, onde a "força maior" e os "casos fortuitos" predominem, para desgraça dos contribuintes e amadores do esplêndido e maravilhoso fluido.
Faça-se um contrato baseado na experiência dos tempos passados, mas um contrato sério em que as partes sejam consideradas iguais e carecedoras de direito e de justiça.
Em Itapetininga, sede da empresa, há muito que se fala em concorrência pública, e esta vai ficando para a última hora, para a hora em que, não aparecendo outro concorrente, se darão margens ao atual a promover exigências descabidas.
Já um diário da Capital fez algumas referências ao contrato de Itapetininga e disse que na Repartição dos Municípios havia qualquer coisa de protelatório ou quase de protecionismo a bem da empresa.
Talvez sejam intrigas políticas.
Entretanto, é bom que o povo, único interessado, se precavenha em tempo, ajustando aos olhos e aos ouvidos, o aparelhamento necessário a bem descobrir  o que se for tramando nos bastidores.
Sim, porque gato escaldado deve ter medo até de água fria.
Naqueles tempos, as empresas obtiveram, segundo a voz pública, muitas concessões a poder de "bolinhas" e outras regalias aos seus amigos da alta esfera política.
Hoje, se bem que não se compreenda semelhante absurdo, ainda assim resta ao público certas desconfianças.
Sempre é bom, pois, fazer à moda de Floriano: "confiar, desconfiando sempre".
Enfim, como nada temos que ver com Itapetininga, vamos tratar somente do que é nosso ou do que nos diz respeito.
São Miguel depende apenas de uma derivação da linha de alta voltagem que passa pelo centro da cidade (!).
A usina construída neste município o foi para servir Itapetininga e só eventualmente nos serve a nós.
Aí está, pois, o porque do nosso caso ser bem diferente.
Mas por isso mesmo é que precisa ser tratado com antecedência bastante longa e de modo a evitar embaraços que poderão criar, mais tarde, casos complicados e desagradáveis.
Estude-se, por exemplo, o caso do imposto que vai ser cobrado da empresa, a título de imposto industrial.
Veja-se se ele é viável em face das nossas leis.
Estude-se o modo pelo qual a empresa quer aumentar as suas forças, para que não haja, mais tarde, reclamações sobre falta desse elemento essencial que, como é notório, já tantos prejuízos deu ao desenvolvimento industrial de Itapetininga, pela sua absoluta escassez no período contratual expirante!
Estude-se tudo.
E, se não há competência técnica para isso, procure-se onde ela existir com a certeza de obter-se êxito insuspeito e à prova de fraudes.

Dr. Ferdinando Cipó."

Dr. Ferdinando Cipó é um dos pseudônimos do Major Luiz Válio, meu avô, que, além desse, usava J. SEVERO, LV e outros.
Transcrito do jornal "O Progresso" de 13 de dezembro de 1.931.

Nenhum comentário:

Postar um comentário