(Ensaio de um poema)
Estive no Andraus, no Joelma e na Boate Kiss
Edifícios que atingiram o inferno
Muito mais de mil graus
Fogo!
Fog!
F!
!?
???
Frigideira de aço e concreto
Música e labareda em toda a parte
Não havia nem saída e nem janela
Apenas chamas engolindo vidas
Que mal começavam a vida... na vida!
O próprio diabo estava solto
Após tantos anos de incubação
A fumaça engoliu as chamas
O calor esquentou mendigos
Que morreriam de frio à quilômetros dali.
Segurei nas mãos de pessoas desesperadas
Outras atônitas transtornadas em preces
Nas salas do diretores? Do gerente?
Sabe-se lá
Plaquinhas de importantes se derreteram
Desgraça é analfabeta
Foram-se os palcos
Os papéis de alvará
A responsabilidade... Tudo se foi.
As vidas agonizantes presas
Na Corina espessa de fumaça
Como prisioneiros de um poder satânico
--a ganância do ser humano.
Quem estava na frente correu para trás
Quem entrava à trás correu para frente
E encontraram-se. Trombaram-se
E a garganta voltou às origens.
Apenas gemia, balbuciava
As palavras não saiam. Estavam dilaceradas!
Porque tudo aquilo provocava mudez
Gente caindo
Mulheres desmaiando
Queimando.
Gente voltando ao pó
Banheiros lotados, oxigênio de menos
Pessoas abraçadas em fraternidade
Pela primeira e última vez.
Torneira sem água!
“Eu tive tanta água
Mas, o tempo de estiagem bebera”
Pelo salão de festa iguais a fornos
Quem podia mais chorava menos...
Como robôs desta geração
Passaram buscar o teto
Helicópteros eram como anjos do céu
Ai muita gente acreditou em Gabriel, Rafael e Miguel
Correria desenfreada
Uns saem do antro, outros são pisados
Degraus humanos para a salvação de outros.
Eu estive no Andraus. No Joelma e na boate Kiss
Eu estive no planejamento,
Na planta,
Nos cálculos,
Nos lucros,
Berrei aos ouvidos sobre segurança
E ninguém me ouviu.
Estive na inauguração
E voltei falar à cada um:
-sobrecarga elétrica
-divisórias de madeira
-cortinas e tapetes
-material inflamável!
E os extintores?
E as saídas de emergência?
Não... Não é possível
O cérebro humano não funciona
Diante da imprudência;
Mas eu falei, falei, falei...
Eu estive lá estendendo a mão.
Estive na mangueira trêmula
No jovem que morreu
No soldado da brigada
E naquele que superou se a si mesmo
Na busca de corpos tostados, queimados
Desfeitos!
Estive em cada grito. Em cada queda.
Estive na gente sádica
Que foi ver o fogaréu de tochas humanas
Estive na comunidade que orou e chorou
Estive nos meios de comunicação
Nos microfones, nos fios. Estive em cada foto.
Estive na lágrima dos pais, dos irmãos e dos amigos.
Estive no barulho
Na bagunça festiva
Na bagunça de horrores
Na “fila da procura”
Quis ver a relação dos nomes
--Os responsáveis não estavam nela.
Eu estive no Andraus, no Joelma e na boate Kiss
E poucos me viram
E enquanto não me enxergarem
Serei obrigado a sofrer só e ver o desespero
No continuo desfile de desgraça.
Estive naquele desesperado que saiu esbravejando:
--Onde está você Deus? Onde está você?
Entre corpos, fogo e desgraça
Eu sussurrei no ouvido de cada um:
--Estou bem perto...
--Eu estou em você, meu pobre sofredor.
Santa Maria, rogai por eles!
(Ensaio sobre um tema de Neymar de Barros-poeta católico dos anos 70)
Fim da conversa no bate-papo com Orlando, hoje.