"Já tinha soado a última badalada da meia noite no sino quebrado da cadeia.
Tudo silêncio.
A escuridão era completa e as lâmpadas elétricas, envolvidas em denso nevoeiro, projetavam ao redor dos postes uma luz tênue, mas improfícua.
O Alcindão vagava essa hora em busca de seu leito, mas o fazia com o estômago a pedir reforços.
O jantar não foi dos mais lautos.
- Diabo de coisa esquisita, monologava ele, parece me fez a pele da barriga pregada sobre as costas. O que será?
Ao passar pelo Club, estaca um momento.
Resolve entrar.
O botequim estava aberto e o Salvador cochilava encostado ao canto do balcão.
- Boa noite, Vadô, que diabo disto é aquilo! Você parece estar na ressaca?...
- Qual ressaca, caro notívago. Estou aqui a fazer uns parafusos. Não há meios, porém, de acertar com as roscas.
O Alcindo nada ouviu desta resposta, porque as suas atenções visavam firmes uns apetitosos pedaços de linguiça que serpenteavam no varal do costume.
- O diabo é que, pensava ele, o letreiro do Vadô não dá certo: "DE HOJE EM DIANTE SÓ VENDO LINGUIÇA DE 500 REIS PARA CIMA, A DINHEIRO"... Só tenho no bolso 400 reis!
Ao cabo de alguns minutos de silêncio, o Alcindo descobre a saída e, satisfeito, brada alto:
- Traga-me cá, Vadosinho, um pedaço daquilo, um pão e alguns goles de qualquer aperitivo.
O Vadô serviu-o de tudo com prontidão e capricho.
Satisfeito o estômago, o Alcindo pensou:
- Agora me parece que estou passando bem.. Vamos às contas.
- Amigo Vadô, quanto te devo?
- Tudo monta a 1$300, caro Alcindo.
- Pois eu só tenho no bolso 400 reis e como isto é insuficiente, devo que pagarei.
- Mas... Isso não pode, porque o "letreiro" ali está à vista de todos.
- É verdade, mas eu não estava transgredindo o "letreiro". Veja bem: a linguiça é de 500 reis para cima e eu só tenho 400 reis. Loooogo... não dá para pagar. Fica, portanto, fiado. Quanto ao pão e o aperitivo, fiado pode ficar, porque o "letreiro" não fala nisso. Não acha que estou procedendo bem?
- Sim. Não há dúvida... A cantiga é de mestre, mas para mim não entoa...
E saiu, com o Alcindo por diante, fechando a porta do botequim.
O Alcindo, examinando a barriga, achou que a respectiva pele despregara-se das costas".
Escrito por "Tampico", in "O Pirralho", de 30 de setembro de 1.923, extinto jornalzinho que aqui se editava, cujo exemplar me foi doado por Paulo Manoel Silva Filho.
Não se tem informações sobre quem seria esse "Tampico".
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