O episódio do banheiro de mulheres deve ter sido realmente perturbador para Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook.
Pois é a esse evento que a executiva dedica as primeiras páginas do seu novo livro, Lean in: Women, Work and the Will to Lead, lançado nos Estados Unidos na semana passada e que chega ao mercado brasileiro em abril, pela editora Companhia das Letras.
O acontecimento se deu em uma sala de conferência em Nova York, em um daqueles escritórios cinematográficos com uma vista de 360 graus de Manhattan.
Sandberg tinha sido nomeada diretora de operações do Facebook dois anos antes, e, naquele momento, ela e sua equipe estavam fazendo uma apresentação a uma empresa de private equity, em uma mesa de conferência rodeada por homens.
Quando a apresentação foi interrompida para um intervalo de duas horas, Sandberg perguntou onde era o banheiro das mulheres.
O sócio sênior da empresa se virou e a fitou com olhar vazio. Desafiado pela pergunta, ele disse que não sabia onde ficava o banheiro. Fazia um ano que a companhia mudara de escritório. "Fui a única mulher que propôs um negócio aqui em um ano inteiro?", perguntou Sandberg.
"Creio que sim", replicou o cliente, acrescentando: "Ou talvez a única que precisou usar o banheiro."
Sandberg, de 43 anos, é mãe de dois filhos e uma das mulheres mais ricas do mundo.
Formada em Harvard, a executiva foi economista do Banco Mundial, chefe de gabinete do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e vice-presidente do Google.
No entanto, ela encara a cena do banheiro como uma evidência do fato de que o mundo ainda não chegou onde ela gostaria que chegasse, mesmo 50 anos depois da ícone feminista americana Betty Friedan ter feito seu famoso pleito pelo direito da mulher ao trabalho.
"Já é hora de enfrentarmos o fato de que nossa revolução empacou", escreve Sandberg, observando que ainda existem inúmeras barreiras e telhados de vidro.
Sandberg é o tipo de mulher que gosta de contar às pessoas que, quando estava amamentando sua filha, costumava usar uma bomba elétrica para tirar leite durante conferências telefônicas do Facebook.
Se alguém perguntava sobre o ruído estranho na linha, ela dizia que um caminhão dos bombeiros estava passando na rua.
Mais tarde, decidiu largar o trabalho às 17h30 todos os dias para poder jantar com seus filhos. No início, deixava o escritório furtivamente. Mas depois passou a admitir publicamente o motivo de sair mais cedo, e com isso fez um grande favor a muitas mulheres.
Embora seja mais fácil uma pessoa no topo largar o expediente mais cedo para terminar o trabalho de casa, Sandberg virou referência ao demonstrar que isso era factível, mesmo para quem ocupa um dos postos mais altos da companhia.
O livro é a mais nova etapa da campanha da executiva para discutir o papel das mulheres no mercado de trabalho. Nele, Sandberg cita dezenas de estatísticas e estudos que documentam os apuros das mulheres em números.
Ela escreve, por exemplo, que mães que ficam em casa por um ano por causa de um filho sofrem uma queda média de 20% no seu salário.
Mulheres profissionais gastam duas vezes mais tempo do que seus parceiros fazendo trabalhos domésticos e três vezes mais tempo tomando conta de filhos.
As mulheres em cargos administrativos mostram menos flexibilidade para mudar para outras empresas ou para novas áreas de responsabilidade do que os homens, o que prejudica suas carreiras.
Garotinhos americanos podem se imaginar como presidentes da república, mas as menininhas não.
Nada disso é novo, mas o que é original é a resposta de Sandberg à pergunta de por quê, em 2013, ela continua sendo uma das poucas mulheres poderosas na economia americana, uma exceção à regra, em 10º lugar na lista das "100 Mulheres Mais Poderosas do Mundo" da revista Forbes, com uma renda anual próxima de US$ 31 milhões.
Tem a ver com as próprias mulheres, diz ela.
"Nós nos retraímos em coisas grandes e pequenas, por falta de autoconfiança, por não levantarmos nossas mãos, e por recuarmos quando deveríamos avançar."
E continua:
"Nós internalizamos as mensagens negativas que recebemos durante todas nossas vidas - as mensagens que dizem que é errado sermos francas, agressivas, mais poderosas que os homens. Nós baixamos as próprias expectativas do que podemos alcançar. Continuamos fazendo a maior parte do serviço doméstico e do atendimento aos filhos. Comprometemos nossos próprios objetivos de carreira para abrir espaço para parceiros e filhos que podem nem sequer existir ainda."
Jornais americanos condenaram prontamente as críticas de Sandberg como uma maneira elitista e ingênua de olhar as coisas.
Não é apropriado, escreve Jodi Kantor no New York Times, para Sandberg, dona de dois grandes pacotes de ações do Google e do Facebook, além de uma casa de 836 m² com um exército para ajudar nos afazeres domésticos, simplesmente insistir para mulheres menos afortunadas darem mais duro.
A escritora Joanne Bamberger acredita que Sandberg invoca sentimentos de culpa nas mulheres americanas por não agirem com maior ambição. Ela vê as ideias de Sandberg como um passo atrás para mães trabalhadoras, não como progresso.
Sandberg reconhece questões externas, como a discriminação, como travas ao avanço das mulheres no mercado de trabalho. Mas a polêmica está no que ela considera "barreiras internas", estereótipos adquiridos e específicos de gênero, que precisam ser superadas e contra as quais ela também lutou.
Sandberg descreve, por exemplo, como mulheres continuam se subestimando, não se sentam na conferência e gritam "presente", enquanto os rapazes, não acossados por dúvidas, clamam por novas tarefas, projetos e postos.
Adverte as mulheres que querem filhos para que não se coloquem preventivamente no banco de reserva só porque terão de conciliar os filhos com uma carreira.
As mulheres estão constantemente lutando contra uma resistência, escreve a executiva:
"Imagine uma carreira como uma maratona, em que tanto homens quanto mulheres chegam ao ponto de partida igualmente preparados e treinados. O revólver dispara. Os homens e mulheres correm lado a lado. Os maratonistas homens são incentivados: 'Seja forte! Avante!'" As corredoras mulheres ouvem coisas diferentes: "Você sabe que não tem de fazer isso!", a multidão grita. O episódio termina com a pergunta: "Por que as mulheres estão correndo quando seus filhos precisam delas em casa?"
O livro é apenas o início de campanha. O próximo passo, segundo Sandberg, consistirá na criação de pequenos clubes em que mulheres que buscam postos de liderança possam se reunir uma vez por mês para se informar e aprender segredos de uma administração eficiente.
Sandberg quer criar uma comunidade global com o objetivo de encorajar mulheres a ser ambiciosas e "avançar".
Ela sonha em criar um movimento social.
A vontade por trás disso é tanto feminista como politicamente correta.
"Precisamos de mais mulheres no poder", diz ela.
"Somente quando a liderança demandar políticas diferentes alguma coisa mudará."
A tradução é de Celso Paciornik para o
Estadão/Economia.
SÓ UMA COISA, SANDBERG:
ME PROVE QUE É MESMO UMA CARREIRA QUE AS MULHERES PERSEGUEM NA VIDA.
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