segunda-feira, 17 de março de 2014

"DE DOSE EM DOSE"

16/03/2014 às 17:45 \ Opinião
Publicado na edição impressa de VEJA
J. R. GUZZO

O tribunal mais alto do país resolve que um crime foi cometido e, passado algum tempo, decide que esse mesmo crime não é mais crime ─ coisa incompreensível, no entendimento comum, quando se leva em conta que o tal tribunal existe justamente para dar sentenças que não podem mais ser mudadas. Mas no Brasil não é assim que funciona, e por via dessa mágica três estrelas do mensalão, re­cém-con­de­na­das pelo Supremo Tribunal Federal por crime de quadrilha, não cometeram crime de quadrilha. 
Nesse meio-tempo, o governo Dilma Rousseff substituiu dois ministros que acabavam de se aposentar por dois nomes exatamente a seu gosto, ficou com maioria de 6 a 5 no plenário e o que valia passou a não valer mais. Desanimado? Talvez não seja o caso; não compensa comprar por 100 um aborrecimento que não vale nem 10. 
No fundo, esse último show encenado no picadeiro do STF não quer dizer lá grande coisa. 
Problema, mesmo, é a lata de formicida Tatu que o governo parece interessado em nos servir, em doses bem calculadas, no futuro aí à frente.
Dirceu & cia. foram absolvidos do crime de quadrilha? Sim, foram ─ mas e daí? Continuam condenados por corrupção ativa: não é um certificado de boa conduta. Sim, o PT festeja ─ mas festeja o quê? Não mudou nada no que real­men­te tem importância: três dos maiores heróis da Era Lula estão liquidados para a vida política brasileira, pelo menos no grau de grandeza que julgavam merecer. Seu futuro morreu. Que diferença faz, então, saber se vão cumprir X ou Y meses a mais de sua pena, ou onde estão dormindo? Se fosse mantida a condenação, não iriam ficar muito mais tempo no xadrez, levando em conta que todos os criminosos brasileiros, por mais selvagens que sejam, têm direito a cumprir só um sexto da pena ─ mesmo gente como o casal de São Paulo que matou a própria filha de 5 anos, jogada do alto do seu prédio. De mais a mais, daqui a pouco todos eles começarão a ficar velhos, o que é castigo suficiente para qualquer ser humano. A velhice, como é bem sabido, não inspira muita pena, nem simpatia ─ e, uma vez que se entra nela, não é possível voltar.
O verdadeiro perigo armado contra o Brasil se chama Supremo Tribunal Federal, e o perverso sistema pelo qual os seus membros são nomeados. Para simplificar: o STF deixou de ser uma corte de justiça. Hoje é um amontoado de onze cidadãos dividido em grupinhos, cabalas e intrigas, com um partido pró-governo e outro que se junta ou separa ao sabor das circunstâncias. Há gangues inimigas ─ onde, justamente, deveria haver esforço comum para a prestação de justiça. Suas Excelências têm, é certo, a soma daqueles pequenos talentos que servem de combustível para subir na vida, mas é só o que têm. O senso moral desapareceu na atuação dos juízes. Como pode funcionar um tribunal supremo onde o fator que determina as decisões não é a lei, mas o ódio individual entre ministros e a obediência a doutrinas políticas? A situação já estaria suficientemente ruim se ficasse assim como está. Mas pode ficar pior ainda, dependendo do sucesso que tiverem no futuro próximo as forças que têm o sonho de rebaixar o STF à condição de repartição pública, ocupada por despachantes encarregados de executar ordens do governo.
Durante toda a vigência do Ato Institucional Nº 5, a ditadura militar garantiu o controle sobre o STF através das “aposentadorias compulsórias” dos ministros que não obedeciam a suas ordens. Para que o trabalho de fechar o Supremo, se ele podia ser controlado pela força armada? Hoje é possível obter o mesmo resultado, sem a necessidade de usar a tropa ─ basta, com um pouco de paciência, ir colocando nas próximas vagas ministros como Ricardo Lewandowski ou Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki ou José Dias Toffoli. Mas os novos juízes não teriam de comprovar alto saber jurídico? Que piada. Toffoli, advogado do PT, foi nomeado ministro do STF depois de levar bomba em dois concursos para juiz de direito ─ provavelmente, um caso único no sistema judiciário mundial. Os demais, com ligeiras diferenças que não alteram o produto, são nulidades. Quando se aceita, como hoje, a ideia de que não é preciso ter princípios nem valores morais na atividade de governar, tudo começa a valer ─ e o resultado desse vale-tudo são aberrações como a “democracia da Venezuela”, que tanto encanta Lula, Dilma e o PT.
Destruir o Supremo é destruir a pátria. 
País sem Supremo é país sem lei, e país sem lei não é mais nada ─ apenas um ajuntamento de gente submetida à vontade do mais forte.

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