"O seu Pedro vinha da casa dos fundos, por entre duas cercas, até chegar ao portão. Depois, segurando uma pasta debaixo do braço, abria a tramela. E lá ia ele, rua abaixo, ligeiramente corcunda, cumprir suas tarefas do dia. Eu, muito criança, acompanhava sua cabecinha branca até ela desaparecer na curva. Diziam que dava aulas de música. Isso era bom, era bonito. Depois fiquei sabendo que ele era maestro e até compositor. Fazia parte da paisagem da minha rua, da minha meninice.
Não sei se é conversa fiada, mas corria uma história interessante sobre ele. Diziam que tinha sido ele o compositor da música do quarto centenário de São Paulo. Dizem que deixou a partitura lá, para ser avaliada, e depois ela apareceu com outra autoria. Vai saber...São histórias.
Com partitura ou não, o seu Pedro Salgado era uma figura agradável, doce, sem malícia, sem arrogância. Cumpria todos os dias o seu ritual. Poderia ter sido uma pessoa importante, conhecida. Importante eu sei que ele era, mas ninguém contou para o resto da cidade. Se fosse hoje em dia, eu botava o maestro no Youtube e você ia ver o que é sucesso!
Para nós, lá da Rua Dona Rosina, em Perus, ele era o homem mais sabido, mais imprescindível, e olha que nós nem sabíamos direito tudo que ele fazia.
A minha amiga Irene, que morava do outro lado da rua, me contou que ele ensaiava a bandinha ali mesmo, na frente da casinha que alugava de seu pai. E eles usavam umas vestes coloridas, bonitas, que a encantavam.
Morreu pobre e quase ninguém foi a seu enterro, em 1973, no Cemitério Dom Bosco, em Perus.
Mas eu tenho certeza de que agora ele está lá em cima, regendo uma bandinha de anjos, com sua batuta e seu cabelinho branco, brilhando, brilhando.
Que saudades da minha rua, que saudades do maestro Pedro Salgado!"
Flávio Cruz, no seu blog Crônicas Americanas.
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