sexta-feira, 28 de novembro de 2014

"UMA FLOR DE PESSOA"...

Faz 20 anos.
Foi no dia 29 de setembro de 1994 que o estudante Gustavo Pissardo, - "uma flor de pessoa" no parecer da tia Maria Helena que também quase foi morta por ele -, matou os pais e a irmã mais nova, em São José dos Campos, enquanto assistiam televisão; depois, viajou até Campinas e lá matou os avós paternos.
Ato contínuo, seguiu com a namorada para a praia, em Caraguatatuba.
E ainda foi ao enterro, quatro dias depois...
Crimes confessados alguns dias depois pelo próprio assassino cujos tiros, segundo a polícia, eram típicos de um atirador profissional, o qual, para despistar, forjara ser um latrocínio, revirando a casa toda e levando um televisor e um vídeo- cassete.
E ele contou como aconteceu, nos mínimos detalhes: começou quando ele voltava para casa vindo da Clínica Policlin, onde fora medicado por uma crise de enxaqueca. Simplesmente foi até o lugar onde o pai guardava uma arma e seguiu para o quarto do casal, alvejando a irmã duas vezes e a mãe, ambas na cabeça. O pai ouviu os tiros, para lá se dirigiu e, ao fazer menção de fugir dali, foi atingido na nuca. 
Trancou a casa e fugiu; iria para a casa de uma tia, mas resolveu ir à casa dos avós, em Campinas. Lá, contou tudo ao avô, mas este não acreditou na história, mas disse que denunciaria o caso à polícia, o que desconcertou ainda mais o rapaz que acabou atirando à queima-roupa no avô, seguindo depois para a cozinha, onde a avó preparava ovo frito para ele, dando cabo da vida dela.
Avaliado por treze psiquiatras, estes atestaram que o estudante que queria ser advogado, portava "problemas neurológicos" e era "potencialmente perigoso".
Ah, as teorias freudianas!
Ao matar os pais, diz Freud, o filho "elimina as figuras enérgicas que lhe causavam medo" e ao acabar com a vida da irmã, "elimina uma parte dele mesmo".
Se Freud explica, por que então às vezes se alega que quando um homem mata elementos da própria família é porque não está em seu juízo perfeito?
Se Freud explica, por que então o sujeito forja um cenário e inventa ou mente sobre o que praticou?
O caso foi a julgamento, em São José dos Campos.
Por unanimidade, os sete jurados consideraram o rapaz responsável por seus atos.
A pena?
Sessenta e três anos e quatro meses de prisão.
Mas agora veja o que é o sangue...
Depois do julgamento, em abril de 1997, o irmão mais novo de Gustavo Pissardo, Adriano Pissardo, foi entrevistado pela Folha de São Paulo. Ele acreditava e ainda acredita que 
a possibilidade de um novo julgamento possa salvar a vida do irmão; espera também que ele receba tratamento e ainda se recupere.
Interessa à sociedade um ser que não pertence mais ao gênero humano?
A entrevista:

Folha - O que o sr. achou do resultado do julgamento?
Adriano Pissardo - Foi uma vitória em cima do promotor, que queria 150 anos. Ele vai entrar com recurso, não sei se por vaidade, egoísmo ou para que a imprensa fique mais em cima dele. O nosso advogado (José Carlos de Oliveira) também vai entrar com recurso porque eles, o promotor e o júri, não deram bola para o laudo médico da Casa de Custódia. O que eles fizeram foi dizer que o laudo médico não valeu para nada.
A gente não quer que o Gustavo saia, ele precisa de tratamento. A vida acabou para ele. Ele é a sexta vítima e eu sou a sétima.
Folha - Gustavo tem consciência de que precisa de tratamento?
Pissardo - Tem.
Folha - Ele já falou no motivo?
Pissardo - Ele descreveu tudo o que aconteceu com detalhes. Mas a causa, ele nunca conseguiu falar. Eu sempre comento com as pessoas que me questionam sobre isso e sobre o fato de ele ter o meu apoio. As pessoas perguntam: "Você dá assistência ao seu irmão que acabou com a sua família?'' Eu estou com ele porque eu o conheço. Nós somos irmãos. Eu sempre estive com ele. Sei quem ele é. Não é marginal, bandido ou safado.
Folha - O sr. acredita que ele tem algum distúrbio mental?
Pissardo - Claro. Ele tem problemas. Por essa razão eu não quero que ele caia em um presídio comum. Aí sim, será um problema muito sério. Talvez eu perca o meu irmão. Talvez ele vire um marginal, tendo que matar para sobreviver. Ou talvez o matem.
Folha - O sr. quer a absolvição?
Pissardo - Não. Eu sempre afirmo que não quero que meu irmão seja absolvido, ele é réu confesso.
Folha - Ele usava alguma droga?
Pissardo - Não. O Gustavo nunca colocou um cigarro na boca.
Folha - Como ele era em casa?
Pissardo - Ele era esforçado. Trabalhava e estudava. Em todos os colégios pelos quais ele passou era considerado um ótimo aluno, bem melhor que eu. Tinha a vida dele certinha. Não dependia do meu pai para nada. Todo mês de janeiro, íamos para a praia. Todas as férias a gente já se programava para ficar sempre juntos.
Folha - A família já havia percebido algum indício de que Gustavo tivesse algum distúrbio mental?
Pissardo - Ele tinha desmaios quando era criança. Mas isso acabou com um tratamento.
Folha - O Gustavo toma algum tipo de medicamento?
Pissardo - Não. O pessoal da Casa de Custódia ajuda muito. Todos conversam muito com ele, tentam ajudá-lo a resgatar sua memória, forçando ele a ficar sempre lúcido, para que um dia ele possa responder o motivo disso tudo.
Folha - O sr. já ouviu comentários de ter sido beneficiado com o caso em razão de ter ficado com a herança de seu pai?
Pissardo - Isso não tem nexo nenhum. O que um metalúrgico pode deixar que justificasse Gustavo fazer tudo aquilo?
Folha - O sr. acha que a conclusão foi dada sem que o júri tenha tomado conhecimento do laudo?
Pissardo - Acho que sim. O José Carlos (advogado de defesa) leu as partes mais conclusivas do laudo, mas ninguém deu atenção.
Folha - Gustavo tentou suicídio?
Pissardo - No começo, quando ele confessou. Ele pensou em se matar. Eu conversei muito com ele e disse: "Você sujou, mas vamos limpar isso de cabeça erguida''.

Gustavo Pissardo já cumpriu 19 anos de pena e está no regime semiaberto. Foto: Arquivo/Valeparaibano

O rapaz cumpre pena no regime semiaberto em Sorocaba, trabalhando numa oficina mecânica dentro da prisão. 

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