segunda-feira, 20 de abril de 2015

Na Revista Época, a incrível sociedade do líder do PMDB na Câmara com um defunto.

Como um morto se tornou o sócio generoso de Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara, e seu pai, Jorge Picciani, presidente da Assembleia fluminense
HUDSON CORREA E RAPHAEL GOMIDE

O PAI, O FILHO E O FANTASMA
O deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ) e o filho Leonardo Picciani (PMDB-RJ) (foto abaixo), deputado federal. Eles lucraram ao negociar com um morto (Foto: Bianca Pimenta/Ag. O Globo)

(Foto: Marcelo Theobald/Extra/Ag. O 
Globo)

No final da manhã de 28 de setembro de 2012, os donos da Tamoio Mineração se reuniram na sede da empresa em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Avaliada em R$ 70 milhões, a pedreira fornece brita para empreiteiras que fazem obras públicas de infraestrutura. Segundo a ata da reunião, o acionista Joaquim Vivas Caravellascompareceu à Assembleia Extraordinária. Vendeu as 100 ações que tinha aos outros dois sócios e assinou um documento selando o negócio. Caravellas, porém, estava morto havia um ano e cinco meses. Morrera em 21 de abril de 2011, aos 87 anos. O negócio feito pelo defunto beneficiou um poderoso clã político do PMDB, em ascensão no cenário nacional.
O patriarca é o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani
Um de seus filhos, Leonardo Picciani, é o líder do partido na Câmara dos Deputados. Outros dois filhos são sócios numa empresa da família, a Agrobilara: Rafael, deputado estadual e secretário municipal de Transportes do Rio, e Felipe, que fica à frente dos negócios da família. 
Os acionistas que compraram as ações do defunto foram a Agrobilara, empresa dos Piccianis, e Carlos Cesar da Costa Pereira, o Carlinhos, empresário do ramo de tubos de concreto.
A assinatura de Felipe Picciani aparece no documento de aquisição das ações abaixo da firma do falecido. 
Carlinhos, o outro comprador, disse a ÉPOCA ser amigo de infância de Felipe e que, por isso, o convidou para o negócio. Também estava presente o economista Jorge Luiz Ribeiro, amigo de Jorge Picciani. A Agrobilara e o empresário Carlinhos revenderam a Ribeiro, imediatamente, 8% das ações da pedreira. Ribeiro nega ter “sociedade específica com Picciani”. 
“Sou sócio junto, faço parte da mesma empresa”, diz.
Os Piccianis confirmam a operação, mas culpam o contador da família Caravellas por uma confusão. “O contador dos vendedores foi quem preparou os documentos da transferência. Se alguém cometeu um equívoco, por ele (contador) deve ser sanado”, afirma Jorge Picciani, em nota. O contador não respondeu aos pedidos de contato de ÉPOCA. Reinaldo, filho de Caravellas, não soube explicar como a assinatura do pai aparece em documentos firmados após sua morte. O outro sócio na pedreira, Carlinhos, tampouco tem uma resposta.
Uma das grandes forças políticas do Rio de Janeiro, Jorge Picciani preside o PMDB fluminense desde 2011. Atua de forma discreta, mas vigorosa, nos bastidores. Nenhuma costura política ou eleitoral envolvendo o PMDB no Rio vinga sem a anuência do deputado, eleito presidente da Assembleia Legislativa pela quinta vez. O governador Luiz Fernando Pezão evita confrontá-lo. Picciani costuma ajudar prefeitos, vereadores e deputados em campanha, em troca de retribuição eleitoral. À frente do PMDB fluminense, geriu doações de R$ 55 milhões na corrida estadual de 2014, decidindo quais candidatos receberiam os recursos, e foi o líder do movimento “Aezão” – no qual prefeitos e deputados do Rio apoiavam a candidatura de Aécio Neves a presidente sem abandonar Pezão, que concorria ao governo do Rio em aliança com o PT.
Depois de comprar ações de um homem morto, Picciani culpa o contador.
Na vida privada, a família Picciani se dedica à pecuária desde 1984, quando comprou a primeira fazenda. Hoje são quatro propriedades em Rio das Flores, no Rio, e outras em Uberaba, Minas Gerais, e São Félix do Araguaia, Mato Grosso. É um dos maiores criadores de gado nelore do Brasil. Adversários políticos o chamam de “rei do gado”. 
Se a atuação dos Piccianis na pecuária era conhecida, os negócios em mineração são novidade. Depois de entrar na sociedade na pedreira Tamoio, em setembro de 2011, os irmãos Leonardo e Rafael multiplicaram o patrimônio por cinco.
Até a sua morte, Caravellas era dono de pelo menos três quartos da Tamoio. Ele começou a assombrar a Junta Comercial em 29 de junho de 2011, dois meses depois de morrer. Naquele dia, por volta das 13h30, alguém usando seu nome e assinando por ele apareceu na Junta para registrar os balanços financeiros de 2008 a 2010. A pedreira precisava colocar os papéis em dia, porque havia compradores interessados. Em setembro, a empresa dos Piccianis comprou 49,99% das ações da pedreira. O clã político tornava-se sócio do morto.
A assinatura no documento de venda, atribuída ao morto, não guarda nenhuma semelhança com outra firmada por Caravellas em um documento de 2000. Na original, o nome é ilegível e a escrita é contínua. Na assinatura post mortem, podem-se ler seus três nomes: Joaquim Vivas Caravellas. A assinatura suspeita é também a única no documento sem reconhecimento de firma. Para advogados especialistas em Direito Civil, consultados por ÉPOCA, um documento assinado em nome de uma pessoa morta é “inexistente”. O documento não tem efeito. Assim, a venda da pedreira à empresa dos Piccianis e a Carlinhos é um enredo de ficção – o que não o torna menos lucrativo.

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