quarta-feira, 23 de setembro de 2015

HISTÓRIA DOS VIOTTI NO BRASIL

I -  O MISTERIOSO GENOVÊS

Por volta de 1828, chegou a Baependi, no Sul de Minas, um italiano menor de idade, natural de Gênova, chamado Francisco Viotti. 
Era baixo, de rosto comprido, olhos azuis e lhe começava a nascer o bigode (um documento, encontrado no Arquivo Nacional, assim o descreveu no dia 24 de julho de 1828, em que deixou o Rio de Janeiro partindo para Rezende). 
Dedicava-se a marcenaria. 
Ao que parece, ninguém lhe perguntou por que havia vindo de tão longe, numa época em que eram raríssimos os italianos no Brasil. 
Ninguém jamais soube, em Baependi, o motivo da vinda. 
Apenas informou que saíra do Rio de Janeiro, escolhendo um clima de montanha, para escapar à febre amarela, que atacava de preferência os estrangeiros. 
O Brasil não oferecia condições favoráveis aos imigrantes que precisassem trabalhar como artífices, operários ou lavradores. Essas profissões eram mal remuneradas, devido à concorrência dos escravos. 
Francisco Viotti escapou à miséria a que tendiam os imigrantes porque (como escreveu meio século depois o grande vigário de Baependi, Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira), "tudo que saia de suas mãos trazia o selo da perfeição em seu gênero". Como informa o historiador José Alberto Pelúcio em "Templos e Crentes", Francisco Viotti foi um dos artistas que adornaram a Matriz de Baependi, onde há belíssimas obras em madeira. Olavo Bilac, em artigo na imprensa, ressaltou a originalidade desses ornatos, inspirados quase todos na flora brasileira. 
Conta o jornal "O Baependiano" (número de 4 de maio de 1879) que o jovem estrangeiro "professava uma arte modesta", mas de tal sorte procedia então que lhe foi "oferecida a mão de uma donzela de virtude e beleza peregrinas." 
A 7 de janeiro de 1832, antes de completar 21 anos, Francisco se casou com Isabel Caetana Rodrigues da Silveira, pertencente às conhecidas famílias Rodrigues Afonso, de Campanha, e Nogueira Cobra, de Baependi. 
Por parte do pai, Isabel era prima dos Valladão e tia dos Mello e Souza. 
Pelo lado materno, prima do Marquês de Baependi, um dos autores da Constituição do Império, Manuel Jacinto Nogueira da Gama. 
Seu pai descendia de Guilherme Van der Haagen (da Silveira), de Bruges, um dos primeiros habitantes da ilha do Faial, nos Açores. 
Sua mãe, do Capitão-Mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó e sua mulher Maria do Leme Prado, povoadores de Baependi. 
Uma irmã de Isabel, Prisca, se casou com o Dr. Aleixo de Carvalho, Juiz de Direito, muito atacado na obra do Cônego José Antonio Marinho sobre a Revolução de 1842. 
O marceneiro, a julgar pelo casamento que fez, devia ter boa aparência e boas maneiras. 
Algum tempo depois, Francisco se tornou químico e farmacêutico. Aprendeu Medicina a poder de "insano estudo" (informou seu cliente o professor e parlamentar Amaro Carlos Nogueira) orientado, a princípio, pelo cirurgião Bento Pinto e por um médico italiano, Dr. Bianchi, estabelecido já em avançada idade em Baependi, quando ali "reinava rude empirismo em Medicina e cujo passado foi um mistério que ele guardou na sepultura." 
Francisco deve ter prestado exames previstos em legislação de 1782, de D. Maria I, que se referia a Fisicatura e ao Proto-Medicato, e obtido autorização legal para clinicar, porque o "Livro Tombo", da Matriz de Baependi, a ele se refere como "o Licenciado Medico Francisco Viotti." ------ "A perícia do Sr. Viotti em Medicina demonstrou-se em muitas curas importantes, particularmente nas moléstias do fígado, para as quais tinha uma preparação que logra elevado crédito" ("O Baependiano", 4- V -1879). ------- "Procurou melhorar a posição de nosso primeiro ramo de exportação - continua o mesmo jornal - introduzindo nesta cidade a indústria do fumo crespo, que já se enraizou entre nós." 
Construiu uma casa - a maior de Baependi - onde depois funcionou o Fórum. Nessa residência manteve uma farmácia e uma fábrica de licores. Seu "Licor de Pêssegos" obteve prêmio em exposições realizadas em Paris, Viena e Filadélfia. Nesta ultima, a comissão internacional de julgadores, presidida por G. D. Secchi de Casali, assim se pronunciou: "Very fine peach cordial with delicious peach flavor". 
Tendo chegado à cidade como simples artífice, teve a honra de ver suas filhas, em 1868, colocadas, em primeiro lugar, na comissão encarregada de recepcionar a Princesa Isabel e o Conde d'Eu. 
O Dr. Joaquim José de Carvalho, fundador da Academia Paulista de Letras, em "Memória Apresentada a Douta Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo", relatou conferência médica que teve em Pouso Alto, Minas Gerais, em 1872, com colegas da região, a que esteve presente Francisco Viotti. 
Escreveu o Dr. J. J. de Carvalho: --------- "O farmacêutico Viotti, de Baependi, era um prático inteligente e honesto, que fazia de medicin de campagne com habilidade notória. Nós todos médicos o prezávamos muito" (Dr. Duilio Crispim Farina - "0 Dr. Joaquim José de Carvalho e a Medicina" - "Revista Paulista de Medicina" - n° 101 (6) - Suplemento Cultural n° 22 - novembro-dezembro de 1983). 
Ao contrário de seus descendentes, que se tem distinguido, em geral, como narradores "bem falantes", Francisco Viotti era calado e circunspecto. Não conversava com os filhos. Dizia à mulher: ---- A Senhora diga ao Fulano que faça ou não faça isto ou aquilo! Jamais se detinha numa casa de bebidas a palestrar com amigos. Rejeitava todos os pretendentes as suas filhas que fossem "frequentadores de botequim." 
Homem respeitadíssimo, que era tratado cerimoniosamente, ao que parece, até pela própria esposa, ninguém se atreveu, que se saiba, a perguntar - lhe quem afinal ele era, qual a sua origem. Por ocasião de seu falecimento, ocorrido a 1° de maio de 1879, dois discursos demonstraram o alto nível cultural da cidade. Falou, na Igreja Matriz, ao ser encomendado o corpo, Mons. Marcos Nogueira: " ... deve estar agora ressurgido, imortal e impassível, com direito a esse paraíso, figurado na parábola tocante do Divino Pai de Família, porque viveu de modo a cumprirem-se nele as Promessas de Jesus Cristo . ... homem trabalhador, que sempre estimei com veneração ... Para que, Senhores, alargar-me na apreciação deste predicado do estimável finado, se ele é provérbio entre nós baependianos? ... O que possuímos de melhor para o culto divino em nossa cidade, a ele devemos, como fruto de suas economias ou de sua iniciativa . ... a religião imortalizou entre nós o nome de Francisco Viotti . ... Quando ... na noite de Sexta Feira Santa, nos anos por vir, o Senhor Morto percorrer as ruas desta religiosa cidade, os filhos agradecidos desta terra hão de ver a sombra de Francisco Viotti ao lado do esquife do Senhor.. . ... A sua morte foi uma morte edificante. ... Confessei-o, sacramentei-o, ungi-o e lhe concedi todas as indulgências a que tinha direito. Francisco Viotti, ovelha, amigo, que sempre foi, com filial respeito, meu companheiro de anos no serviço sagrado dos altares, Deus é justo e misericordioso; um dia louvaremos o Senhor nos sagrados e eternos tabernáculos. Eu me lembrarei de tua alma e não te esqueças da minha na comunhão dos santos, na Igreja, onde a esta hora estiveres." À beira do túmulo, disse o judeu alsaciano Augusto Marx, comerciante em Baependi: "De têmpera demasiadamente rija para adquirir por outros meios que não os de suas mãos adestradas e da sua inteligência dúctil o custoso pão da subsistência quotidiana, e não tendo procurado no seu consórcio abençoado senão a felicidade do lar pelo amor desinteressado e o comum trabalho, nunca vira Francisco Viotti sentar-se nos umbrais de sua casa a fortuna protetora dos hábeis e dos audazes, e nas mesmas fases sempre ascendentes da sua vida laboriosa, quando dilatara por longos e severos estudos o então circunscrito círculo de seus misteres, e que pela sua nova posição lhe teria sido fácil angariar maior soma de haveres, jamais passara em sua mente inflexível o fruir da sua rendosa profissão retribuição excedente do estrito necessário para a independência de seu modesto viver. ... posto que à sua singular aptidão para as artes industriais deva nossa cidade de Baependi o ter granjeado um renome célebre no continente e no mundo, ... e se nos diversos certames do trabalho ... universal soube o seu múltiplo engenho conquistar para sua segunda pátria distinções e palmas repetidas, ... homenagens ... ao talento fecundo e ao trabalhador obstinado, ... não foram ... as ostentações da riqueza ... que engrinaldaram a fronte do venerando ancião ... ... dotado dum espírito mergulhador e sagaz ... , peregrino gosto artístico ... aparecia a cabeceira dos enfermos, arrostando com as intempéries, as escabrosidades dos caminhos, o mau agasalho dos pobres albergues, qual mensageiro salvador um homem de precoce maturidade, dupla entidade de médico provecto e amigo extremado, levando a vida e a saúde a uns, consolo a todos, satisfeito com a espórtula que aceitava dos ricos e que mais de uma vez ia passar as mãos dos pobres entrevados. Esposas salvas da viuvez, mães restituídas à família, filhos remidos da orfandade, entoaram hinos de graças ao homem de bem ... e vindo a engrandecer com o correr dos dias a soma dos beneficiados, poucos foram e poucos hoje são os dentre nos que não tem a agradecer a Francisco Viotti algum rasgo de dedicação ou de desinteresse . ... Descansa em paz, grande homem de bem ... podes inclinar tranquilo no imutável travesseiro a tua cabeça venerável: em volta de tua campa faz-te guarda atenta o amor de teus concidadãos ... Francisco Viotti, o abrasado levita da Caridade e da Honra." ("O Baependiano",4-V-1879). 

II - A LENTA DESCOBERTA DAS RAÍZES 
Francisco Viotti jamais fez qualquer referência à própria família. 
Em 1871, seu filho Polycarpo Rodrigues Viotti, estudante de Medicina, foi com médicos brasileiros a Buenos Aires, contratados para combater a febre amarela. Ao chegarem, o Governo os impediu de desembarcar, porque oriundos de "porto sujo". O incidente repercutiu na imprensa, onde seu nome foi publicado. Tempos depois, uma carta, procedente do Uruguai, lhe chegou às mãos, endereçada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Assinada por Carlota Viotti de Dulcino, lhe perguntava se era filho de Francisco Viotti, de quem se dizia irmã, o qual, segundo estava informada, se dirigira para a Província de Minas. 
Ficou-se sabendo, em Baependi, que dois irmãos de Francisco residiam em Montevidéu, Carlota e Santiago. 
Já havia sido inventada a fotografia. Trocaram-se retratos, alguns dos quais se encontram em poder do autor deste texto. Em 1939, o Padre Helio Abranches Viotti S. J., bisneto de Francisco, estudando em Montevidéu, localizou descendentes de Carlota, de nome Laguilhouat e Sibillotte. 
Autor, em 1970, esteve em visita a Julio Sibillotte e Alicia Maria Sibillotte Moriceau (casada com Artigas Mones Molins). Graças a esses contatos, ficou-se sabendo que Francisco viera para o Brasil com um irmão. Este, do Rio de Janeiro se dirigira a Buenos Aires, onde traduziu o nome para Santiago Viotti. Possuiu uma hospedaria, assaltada em tempo de Rosas. Refugiou-se em Montevidéu, onde se dedicou ao comércio de joias. Sendo solteiro, passou a residir com a irmã Carlota. Esta se casou duas vezes, a primeira com Angelo Dulcino, "Practico de Puerto" em Montevidéu e a segunda com ... Cella. Teve sete filhos do primeiro e dois do segundo casamento. Uma filha, nascida em Gibraltar, Maria Viotti Dulcino de Cavassa, residiu em Buenos Aires e teve vinte e quatro filhos (uma, de nome Matilde, foi casada com um Dr. Rafael Valle). 
O Autor posteriormente descobriu, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, no livro de "Registro de Estrangeiros" (onde eram inscritos os que vinham por conta própria) os nomes de Francisco e de seu irmão. 
Chegaram ao Rio de Janeiro no dia 11 de outubro de 1826, no bergantim "La Virgine de Misericordia", em companhia de outros vinte e quatro imigrantes, procedentes de Gênova. 
É provável que quase todos se tenham dirigido depois para as repúblicas do Prata, destino normal dos imigrantes italianos, porque seus nomes, em geral, não são conhecidos no Brasil. Cada um indicava sua origem, idade e habilitação profissional. Os dois Viotti estavam com 15 e 12 anos e nada sabiam fazer. 
No local destinado à profissão está escrito: Veio tentar fortuna. Um se chamava Giácomo Francesco Vincenzo Viotti, natural de Gênova, com 15 anos. Assinou apenas Francesco Viotti. O outro se chamava Giacomo Nicolao Vincenzo Viotti, natural de Gênova, com 12 anos. 
Se fosse filho de um artesão, Francisco já teria idade para ser aprendiz e indicaria, naturalmente, a profissão paterna. Aprendeu marcenaria no Brasil. 
Em algumas idas a Europa, onde fez pesquisas históricas, o Padre Viotti aproveitou a oportunidade para procurar, em Gênova, o registro de batismo de Francisco Viotti e seus irmãos. Encontrou, em Latim, na Paróquia de Santa Madalena, os assentamentos de Giacomo Francesco, Giacomo Nicolao, Teresa Maria Carlota e Giuliano. 
Os quatro eram filhos de Vincenzo Viotti e Maria Benedetta Imperiale, netos de Giacomo Viotti e de Francesco Imperiale. Quase todos os padrinhos eram membros das duas famílias mais ilustres da história de Gênova, os Spínola e os Dória. 
Carlota, cujo nome latino era Theresia Maria Carolina, nascida com risco de vida, fora batizada pela parteira, em casa, sendo padrinhos Dom Giuliano Spínola e Dona Teresa, esposa de Dom Andrea Dória. 
Existe em Gênova uma família de nome Imperiale, que do Século XII ao Século XX produziu, entre muitas pessoas célebres, três Cardeais: Lorenzo Imperiale, Governador de Roma no tempo de Luiz XIV, Giuseppe Renato Imperiale (1651-1737) que "no conclave de 1730 não teve a tiara por oposição da Espanha", e Cosimo Imperiale, seu sobrinho. Quatro Doges: Gian Vincenzo Imperiale (1577-1648) que governou Gênova de 1612 a 1619, construiu "magníficas obras públicas", foi almirante e "literato insigne"; Francesco Maria Imperiale (1628-1712) que estava no Governo em 1684; outro Francesco Maria Imperiale, que governou de 1711 a 1713 e Ambrozio Imperiale, que governou de 1719 a 1721. 
Pertenciam ao Partido Ghibellino, em que tiveram preeminência as famílias Spínola e Dória. 
No Século XX distinguiu-se Cesare Imperiale, político e autor de importantes obras sobre a história de Gênova. 
O nome Viotti é raro na Itália. 
Distinguiu-se, no século XVI, o Dr. Bartolomeo Viotti, autor de duas obras importantes sobre Medicina: "Sui metodo de medicare" e "De balneorum naturalium viribus libri quator", sobre hidroterapia (Turim, 1533). 
No século XVIII obteve grande projeção, em toda a Europa, o músico Giovanni Battista Viotti, maior violinista de seu tempo e o principal compositor do Piemonte, que foi diretor da Ópera de Paris. Nasceu em Fontaneto em 1755 e faleceu em Londres em 1824. Era dotado também de talento literário, distinguindo-se ainda pela vivacidade de sua conversação. Informou ao Autor em 1994 o Sr. Roland Viotti, então Vice-Consul da Suíça em São Paulo: A família Viotti tem origem germânica. Descende da tribo Welzer e se chamava Vioth. Fixou-se no extremo norte do Piemonte, em Rima de San Giuseppe, lugarejo encravado na Suíça, italianizando então o nome. Aí permaneceu do século XI ao século XVI. Em 1752 um ramo foi para a Suíça, fixando-se no Valais, aldeia ancestral, inclusive o informante. 
O cemitério de Rima de San Giuseppe está cheio de Viottis. Informações do Dr. Giuseppe Viotti, atualmente Professor de Medicina em Gênova: Os Viotti constituíam uma das oito famílias associadas que exerceram o domínio em Rossiglione Inferiore entre os séculos XIV e XVIII. Domenico Viotti (1852-1893), de Rossiglione, foi Provedor do Hospital Galliera, de Genova, de 1882 a 1893. Sabino Viotti, também de Rossiglione, foi Secretario desse Hospital durante 50 anos. Rossiglione fica na província montanhosa de Gênova. 
Numa pesquisa sumária, o Instituto Genealógico Italiano, de Florença, informou que os Viotti eram uma das famílias que, no XIV século, formaram a comuna de Rossiglione Inferiore, no território de Gênova. Que Vincenzo Viotti (pai do imigrante) se casou em segundas núpcias, a 5 de março de 1810, com a "Nobil Donna" Maria Benedetta Imperiale, o que demonstra "o alto nível social atingido em Genova pela família Viotti." 
Francisco Viotti nasceu em Gênova a 17 de fevereiro de 1811. Um único objeto resta, trazido por ele da Itália: Uma estampa com moldura de madeira e recoberta de um vidro irregular, com os seguintes dizeres: "N. Sra. Della Providenza, la di cui divota imagine si venera nella Basílica di S. Siro in Genova." Pertencente hoje ao Autor, há mais de um século e meio vem sendo venerada em casas da família. * 30- VIII-1998 Dario Abranches Viotti * 
O grande historiador de Baependi, José Alberto Pelucio, num de seus escritos que não chegaram a ser publicados (e que, depois de trinta anos de esforços, junto a três gerações da distinta família Pelucio - e uma oração a Nhá Chica feita por D. Francisca Nicoliello Viotti - consegui ler) informa: "Esse quadro ... veio da Europa com Francisco Viotti, que do mesmo não se separava, trazendo-o à cabeceira de seu leito, em seu dormitório."
do site da Família Viotti.
 

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