sábado, 21 de novembro de 2015

UM ARTIGO DE MAURÍCIO HERMANN DE SOUZA

Nada mudou, caro Oracy Nogueira! ― A marca do preconceito em Itapetininga.

Discutida na sociologia pelo professor Oracy Nogueira, a aparência física preta dos indivíduos descriminados se traduz no preconceito de marca. 
Mas onde está a mancha deste fenômeno precariamente discutido e mais latente nas cidades do interior? 
Como base Itapetininga, berço onde nasceu o estudo inovador de Nogueira e local que ainda há “pretitude”, o indivíduo descendente de africanos sofre o que autor também chama de preconceito de origem. 
Neste cenário algumas situações me chamaram a atenção.
Vale salientar: ambos os preconceitos ocorrem. 
Bastou um momento e um olhar mais atento ao campo e perceber a desigual participação afrobrasileira contemporânea em áreas econômicas com mais visibilidade no seio da sociedade itapetiningana. 
Esta atmosfera ratifica uma realidade negada, principalmente por uma elite e uma classe média que acredita ser complacente às questões étnicas, mas apenas, na maioria dos casos, harmonizam por interesse.
Recentemente, uma senhora de classe média me disse: “Eu não tenho preconceito. Por exemplo, minha empregada é “negrinha” e ela trabalha comigo há 26 anos”. 
Pois, mesmo tendo a certeza da neo-escravidão, ainda sustentada por um pseudo lastro afetivo fui à casa da preta conhecer sua realidade. 
Ela me confessou a “boa” relação com a patroa que inclusive a deixa levar o que sobrou de domingo e ainda lhe cede roupas que não lhe servem mais.
Na casa da preta, em uma rua sem asfalto de dois cômodos ― ela convive com dois dos seus três filhos e duas netas em quatro cômodos: dois quartos, sala/cozinha e banheiro. Uma de suas filhas, a mais velha ― mãe solteira ― trabalha como babá da filha da patroa durante o dia e à noite estuda no segundo ano do colegial. Somados os salários brutos das duas, a quantia chega R$ 1.150. Um pouco mais de um salário mínimo da mãe e R$ 300 e tantos contos da filha formam este valor. A filha mais nova entre a infância e adolescência já assume um papel de cuidar de uma casa e dos sobrinhos e nas horas vagas faz a lição da escola.
Do lado da patroa, segundo a mesma, Graças a Deus, seus pais e ao seu esforço ela estudou letras na PUC-SP, fez pedagogia e hoje é supervisora de ensino. 
Ao longo de sua vida conseguiu junto com seu marido, branco, descendente de italiano e diretor de uma indústria construir um patrimônio de três casas e um sítio. 
Seus três filhos sempre estudaram nos principais colégios da cidade, fizeram inglês e ballet e a sinhá moderna se orgulha deles terem ido para universidades públicas.
Ainda no meu trabalho de observação, fiz outro campo. 
Na primeira constatação percebi que não há um número grande de pretos nas escolas particulares. 
Então, resolvi ampliar meu horizonte. 
Na política, nenhum assessor, secretário ou vereador. 
No comércio da cidade, nenhum gerente comercial. 
Nas faculdades, os afro-brasileiros são raros, sejam professores ou alunos. 
Médicos não há. 
Não fui às indústrias, mas por meio de informações de amigos, eles confirmam que na direção não há pretos ― apenas encarregados, mas espero que essa constatação esteja errada.
Longe dessa realidade, pretos estão na periferia, em serviços terceirizados, forçados na contracultura do que se vendem como vencer a vida. 
Na cidade, segue um ostracismo latente, se não pior, igual a 1954, ano que Nogueira escreveu sobre o preconceito de marca e de origem. 
As marcas da segregação socioeconômica e racial são fortes para os pretos. 
Sem oportunidade é mais fácil ver o ciclo da exclusão se manter.
Abordado por Oracy, branco forasteiro, a influência de parentescos entre a classe alta da cidade na seleção econômica do trabalho persiste. 
Nesta hierarquia, os brancos da classe média seguem como preferidos, para os melhores salários. 
Amiúde, aparece este ou aquele pardo. 
Mas voltando a história da empregada negra, sua filha dentro da ignorância adquirida segue os passos da mãe e ela jovem que ainda segue como esperança, começa a perder esta classificação e projeta nos filhos algo distinto da construção de sua progenitora. 
Agora ela quer ir além de colocar comida no prato para o seu filho, mas ainda não sabe como e nem sequer que faz parte da Casa Grande.
Texto publicado em 25 de setembro de 2015 na página do face intitulada Itapetininga Política

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