domingo, 18 de setembro de 2016

ENDOSSANDO "VINDO DOS PAMPAS"

Operação Greenfield: A Nomenklatura assalta os trabalhadores ✰ Artigo de Sérgio Alves de Oliveira

Está cada vez mais difícil guardar na memória o nome de tantos escândalos que acontecem na política e na Administração Pública. A Polícia Federal, com suas infindáveis e competentes “operações”, não tem mais um minuto sequer de sossego frente a tanta corrupção. As inúmeras operações que desencadeia, basicamente atingindo órgãos com alguma ligação ao setor público, são de tal intensidade, que o escândalo do dia de ”hoje” acaba abafando o de “ontem”, e assim sucessivamente, numa cadeia sem fim. Com as manchetes e notícias dos jornais dá-se o mesmo. Não há mais espaço para o escândalo de “ontem”. Só para o de “hoje”, que amanhã também não terá mais lugar.
Seria preciso um computador com grande capacidade ou um dicionário quase enciclopédico para armazená-los. A “simples” memória não basta. Essa triste situação demonstra que consciência moral da sociedade. Por isso, provavelmente a sua inércia em reagir. Mas essa inação já configura quase uma cumplicidade com esse estado de coisas. Por isso a sociedade está doente. Muito doente. Chegou, ou quase chegou, a um estado de doença “terminal”. Nada mais abala a sociedade civil no seu conjunto perdeu totalmente a capacidade de indignação, e mesmo de “vergonha-na-cara”, vivendo mergulhada num caos moral, com ele se conformando quase ao nível da covardia ou mesmo solidariedade.
Gosto de “matar a cobra e mostrar o pau” (o pau que matou a cobra, para que se evite interpretação maliciosa). Faz menos de uma semana que as manchetes dos grandes jornais deram enorme destaque às descobertas da “Operação Greenfield”, pela Polícia Federal, a qual apontou desvios e rombos que podem passar dos cem bilhões de reais em alguns fundos de pensão que têm como patrocinadoras empresas da Administração Indireta da União, mais precisamente, na PREVI (do Banco do Brasil), na FUNCEF (da Caixa), no POSTALIS (dos Correios) e na PETRUS (da Petrobrás). Esse enorme rombo vai afetar e prejudicar imensamente durante o resto das suas vidas uma população estimada em QUINHENTOS MIL pessoas, que são os participantes ativos e assistidos dos referidos fundos de pensão, e suas respectivas famílias e dependentes. Essa vultosa quantia “roubada” dos fundos e seus participantes pela “NOMENKLATURA” brasileira, ou seja, por aquela casta privilegiada de ladrões do serviço público, especialmente investida no Governo, basicamente foi construída pela poupança dos trabalhadores durante muitos anos, descontada dos salários com o objetivo de mais tarde complementar o valor das suas aposentarias e assim poderem enfrentar as dificuldades naturais que surgem com o decurso dos anos.
Essa mesma “Operação Greenfield” foi alvo de um artigo que escrevi logo após o anúncio do escândalo (Considerações sobre a roubalheira nos Fundos de Pensão). Mas agora o enfoque é outro.
Dita “operação”, em menos de uma semana, quase já foi esquecida pela opinião pública e pelos jornais. Só não o foi pelos trabalhadores prejudicados e roubados, que lembrarão disso pelo resto das suas vidas. Agora, como sempre foi, estão surgindo novas “operações”, tomando todos os espaços e todas as memórias. Aquela “outra” já está sepultada. Talvez esse seja o principal motivo da perda de indignação da população brasileira. Quem apanha todos os dias, sem reagir, acaba nem sentindo mais.
Abrindo essa “conversa”, surpreendente é observar que os principais atores desse rombo e desvios contra os trabalhadores vinculados aos fundos de pensão, são em sua maioria, justamente os defensores do que eles chamam de “SOCIALISMO”, cujas principais bandeiras deveriam ser o combate da “exploração” do trabalho pelo capital, da “mais-valia”, e assim por diante.
Mas essa “gente” inovou e aperfeiçoou a capacidade e o alvo da exploração. Um detalhe que não pode ser esquecido, é que esses pretensos “trabalhadores” (que nem trabalham de verdade) não são mais os “explorados” de antigamente. Como num passe de mágica, transformaram-se nos “exploradores” da atualidade. E do trabalho. A consequência é que eles não são explorados, nem exploradores, do capital. São, isso sim, falsos trabalhadores que exploram e roubam os verdadeiros trabalhadores. Essa ridícula situação, ou seja, o trabalho explorando e roubando o trabalho, evidentemente seria muito mais grave, para os autênticos socialistas, do que a “antiga” exploração do capital sobre o trabalho. Esta última estaria “obsoleta” frente ao modelo implantado pela delinquência socialista tupiniquim.
No fundo, até poderia ser contestada a legitimidade da “mais-valia”, onde o trabalhador venderia a sua força de trabalho por um preço inferior ao que vale e produz. Mas o que ninguém pode negar é que o capital também tem um papel importante, mesmo fundamental, na produção econômica. Assim o capital é também um instrumento que o trabalho usa para produzir as riquezas. Um dá os meios (o capital) e outro a execução (o trabalho).
Mas a nova modalidade de exploração do trabalho no Brasil é muito pior, porque o agente explorador não possui capital, nem mesmo trabalha. Ele é um mero parasita de “merda” que tomou o lugar do capital para explorar e roubar os trabalhadores, não dando qualquer contribuição à produção econômica, como acontece com o capital e o próprio trabalho. Seu papel repugnante o iguala a um “gigolô” do trabalho. No escândalo da “Operação Greenfield” essa situação toma contorno extremos e aviltantes. O crime foi contra uma população de quinhentas mil pessoas.
Mas toda essa situação não é novidade no mundo. Ela também aconteceu na Rússia após a Revolução Bolchevique de outubro de 1917. Ali se instalou a NOMENKLATURA, que era a burocracia ou casta dirigente da então União Soviética, incluindo os altos funcionários do Partido Comunista e trabalhadores que gozavam de algum prestígio no partido. Nos dizeres de Bloch e Bettelhein, a burocracia nascida da classe trabalhadora, no seu desenvolvimento histórico, tornou-se uma classe social distinta do proletariado.
Portanto, a Nomenklatura soviética se referia a uma elite que dirigia a burocracia estatal, ocupando os cargos administrativos mais importantes, usufruindo de privilégios exclusivos dessa condição. Alguns pensadores soviéticos criticaram a Nomenklatura porque ela estaria atentando contra a essência do comunismo, ao se constituir numa classe privilegiada, dentro de uma sociedade onde todos deveriam ser iguais.
A grande diferença da “Nomenklatura” soviética para a “Nomenklatura” brasileira,que agora está mais clara, reside no tempo e no espaço onde ocorreram. Mas a principal delas é que os soviéticos a implantaram POSTERIORMENTE à Revolução de 1917, após instalado formalmente o socialismo e a queda do regime dos Czares, ao passo que no Brasil a “Nomenklatura” tomou as rédeas do poder político antes da instalação formal do socialismo, no início da sua gestação, em pleno regime capitalista.
O certo é que em nenhuma outra situação ficou tão clara a ação da “Nomenklatura” brasileira como na roubalheira que provocaram nos principais fundos de pensão do país. Essa foi a maior prova da sua existência. Esse enorme rombo nas finanças dessas entidades, prejudicando para sempre os seus participantes, decorreu de um escancarado conluio envolvendo políticos, administradores públicos, governantes, partidos políticos e fundamentalmente os próprios dirigentes dos fundos. No caso específico do escândalo dos fundos, da “Operação Greenfield”, aí está a composição da nossa particular “Nomenklatura”. Esclareça-se que nenhum centavo poderia ter sido roubado ou desviado dos fundos de pensão sem a participação direta dos seus dirigentes responsáveis pelos investimentos e aplicações, os únicos com poderes formais para representar juridicamente os fundos, em vista da personalidade jurídica própria e de direito privado dessas instituições.
Causou-me certa estranheza e até perplexidade a “Nota” da Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão –ANAPAR, com o título “Nota da Anapar sobre a Operação Greenfield”, publicada na imprensa. Essa nota quase se solidariza com alguns dirigentes de fundos de pensão conduzidos coercitivamente pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos. Nela também consta a informação de que um dos “conduzidos” trata-se do Diretor Presidente da própria Anapar, que simultaneamente ocupa a Diretoria de Planejamento e Controladoria da FUNCEF (fundo da Caixa), um dos fundos envolvidos na roubalheira. Fica, então, a dúvida: essa associação é dos participantes dos fundos de pensão, ou dos seus dirigentes? Esse esclarecimento se impõe porque é quase impossível que os dirigentes dos fundos não estejam de algum modo envolvidos nas operações irregulares apontadas pela Polícia Federal, pelas razões antes esmiuçadas.
Mas quem quiser se aprofundar no estudo da “Nomenklatura” poderá buscar essas informações nos livros “A Nomenklatura: os privilegiados da URSS”, de Mikhail Voslenski, “, “A Nova Classe”, de Milovan Djilas ,e principalmente nos esclarecedores estudos sobre esse tema publicados recentemente numa série de artigos do Historiador Carlos I.S. Azambuja, no blog “Alerta Total”, e que de certo modo me serviram de guia e inspiração, apesar do fato dele estar escrevendo sobre a União Soviética pós 1917, e eu estar enxergando nos seus escritos a realidade do Brasil de hoje.
Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo

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