domingo, 16 de outubro de 2016

OS CULTOS RELIGIOSOS E OS DECIBÉIS

Recentemente noticiou-se que uma igreja foi condenada a indenizar um vizinho em razão de emissão de barulhos acima do limite tolerável1, que pela lei é considerado em decibéis e não pode ser, na maioria dos casos, maior do que 50dB entre 10 horas da noite e sete horas da manhã. 
Durante o dia, permite-se até 70dB.
O tema é sempre atual e cada vez mais exige uma participação ativa das autoridades encarregadas da segurança pública. 
Às vezes é até mais desgastante atender a ocorrência envolvendo gritaria, algazarra ou utilização abusiva de instrumentos sonoros, seja em casa, clube, condomínio, igreja ou qualquer lugar que venha a perturbar o trabalho e o sossego alheios do que outro fato que tenha uma tipificação mais grave, como o roubo, por exemplo.
É bem verdade que a existência de embates judiciais, por barulhos excessivos de vizinhos, é uma constante na Justiça do país. 
Todavia, a especial qualidade de uma das partes, neste caso concreto (igreja), faz com que seja aplicada uma técnica interessante e altamente eficaz na solução de conflitos entre princípios: a ponderação de valores.
Com efeito, é sabido que a Constituição Federal garante a liberdade religiosa e a de expressão, bem como a reunião pacífica de pessoas, uma vez que nosso Estado, laico que é, não pode intervir e tampouco restringir a prática de cultos religiosos que estejam de acordo com as leis do país.
Todavia, esse princípio constitucional é absoluto? 
Deve ser aplicado em qualquer ocasião e em todas as hipóteses?
Prima facie, há que se destacar a diferença existente entre um princípio e uma regra. 
O primeiro se caracteriza por ser mais geral, tal qual uma diretriz de um sistema jurídico. "Quem, adverte com muita precisão Poletti, detiver a chave dos princípios de uma ciência, detém o segredo de sua iniciação. Todo o resto consiste em um desdobramento daqueles princípios"2. Já a regra é formulada para incidir em uma situação específica, sendo que, quando esta situação não ocorre, a regra não é aplicada.
Por isso, apenas em relação às regras é que pode haver conflito, que deve ser solucionado no ponderado campo da hermenêutica: lei posterior revoga a anterior; lei especial prevalece sobre a geral e assim por diante. Logo, duas leis contrárias não podem coexistir.
Os princípios, por sua vez, consubstanciados em diretrizes gerais, podem perfeitamente coexistir, independentemente de seu conteúdo, sendo inclusive aplicáveis, ao mesmo tempo, em uma situação concreta.
Sendo assim, diante de uma colisão entre princípios, a doutrina moderna defende que, por não haver conflito entre princípios, o termo correto seria "colisão", pode o operador do Direito se apoiar em uma técnica deveras interessante, apta a solucionar qualquer caso: a ponderação de valores.
Logo, cabe ao intérprete sopesar os dois (ou mais) princípios que estão em colisão, para que se possa melhor alcançar a um fim justo. 
No caso destacado pela imprensa, o magistrado sentenciante adequadamente ponderou a liberdade religiosa e de expressão, com a proteção ao lar e ao indivíduo.
Nesse passo, tem-se que a liberdade religiosa, princípio fundamental que é, não pode prevalecer em toda e qualquer hipótese, pois como é sabido, não há regra nem princípio absoluto em nosso ordenamento. 
Desta forma, parece ter agido, com parcimônia e equidade o juiz que analisou o caso concreto, pois uma vez comprovado que o culto praticado produziu ruídos acima dos limites que a sociedade, por meio de lei Federal, estabeleceu como razoáveis e, portanto, tolerantes, a violação desta regra enseja dano a ser reparado por meio de ação própria.
É de suma importância que os princípios sejam respeitados, sob pena de se ver ruir todo um arcabouço jurídico de uma nação. Todavia, a aplicação desregrada e isolada de qualquer princípio, pode causar injustiças e, por isso, demanda a máxima cautela do intérprete e do operador do Direito.

Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Antonelli Antonio Moreira Secanho 

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.

*Antonelli Antonio Moreira Secanho é assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.
Migalhas

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