Ariana Garcia
Estamos no século da Água: o Ouro Azul, cuja demanda de uso e gestão prevê, por muitos estudiosos, escassez, racionamento e novas guerras imperialistas.
“A proteção internacional é mais difícil do que a proteção no interior de um Estado, particularmente no interior de um Estado de Direito.”
Estamos no século da Água: o Ouro Azul, cuja demanda de uso e gestão prevê, por muitos estudiosos, escassez, racionamento e novas guerras imperialistas.
“A proteção internacional é mais difícil do que a proteção no interior de um Estado, particularmente no interior de um Estado de Direito.”
Mesmo sendo uma afirmação de Norberto Bobbio (A Era dos Direitos), sobre a efetivação do crescente rol de direitos da humanidade, ponderável é a máxima quando interesses econômicos internacionais podem interferir em assuntos de soberania nacional. A eficácia da proteção de direitos requer discussão e engajamento, o que depende de clareza à sociedade sobre o que está sendo traçado pelos governos dos Estados ditos democráticos. Qualquer tendência nacional não evidente compromete o dever e a tarefa de se proteger bens, direitos e patrimônios.
Estamos no século da Água: o Ouro Azul, cuja demanda de uso e gestão prevê, por muitos estudiosos, escassez, racionamento e novas guerras imperialistas. A água é bem de primeira necessidade, a dar concretude à dignidade humana e a fomentar processos produtivos. O crescimento populacional no mundo, estimado em 9 bilhões de pessoas até 2050 (Como Cuidar de Nossa Água, BEI) tem despertado a ONU para a necessidade de enfrentamento da crise sentida pelo consequente aumento do consumo para atividades agrícolas e industriais, além de saneamento básico.
Edição de nº 23 da Revista Em discussão! no site do Senado Federal assevera que a população mundial necessitará de 40% a mais de água em 2030, apostando em dificuldades de acesso ao recurso, especialmente pelos mais pobres. Apesar disso, a gestão sobre ela não mudou entre 2009 e 2014, segundo Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos.
Ainda de acordo com a ONU, dentre as medidas de boa gestão da água, o debate social sobre governança local, nacional e internacional sobre fontes públicas, fossos, poços, nascentes protegidas e coletas de água pluvial é imprescindível.
Essa é uma estratégia já reconhecida por multinacionais que pretenderiam monopolizar o fornecimento de água, como Monsanto, Bechtel, Coca-Cola, Pepsi, Danone e Nestlé.
A discussão sobre privatização da água torna-se cada vez mais presente. São recentes nos noticiários os protestos no México e outras investidas na América Latina. Também o governo português foi arduamente pressionado pela não privatização dos recursos hídricos.
Em Paris e Berlim, as privatizações no abastecimento da década de 1980 estão agora sofrendo processos de reestatização. E no Brasil, a discussão do tema inicia-se com contornos de dúvida e sem muita transparência. Primeiro, a privatização da água contribui com a meta de crescimento do país?
Estamos no século da Água: o Ouro Azul, cuja demanda de uso e gestão prevê, por muitos estudiosos, escassez, racionamento e novas guerras imperialistas. A água é bem de primeira necessidade, a dar concretude à dignidade humana e a fomentar processos produtivos. O crescimento populacional no mundo, estimado em 9 bilhões de pessoas até 2050 (Como Cuidar de Nossa Água, BEI) tem despertado a ONU para a necessidade de enfrentamento da crise sentida pelo consequente aumento do consumo para atividades agrícolas e industriais, além de saneamento básico.
Edição de nº 23 da Revista Em discussão! no site do Senado Federal assevera que a população mundial necessitará de 40% a mais de água em 2030, apostando em dificuldades de acesso ao recurso, especialmente pelos mais pobres. Apesar disso, a gestão sobre ela não mudou entre 2009 e 2014, segundo Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos.
Ainda de acordo com a ONU, dentre as medidas de boa gestão da água, o debate social sobre governança local, nacional e internacional sobre fontes públicas, fossos, poços, nascentes protegidas e coletas de água pluvial é imprescindível.
Essa é uma estratégia já reconhecida por multinacionais que pretenderiam monopolizar o fornecimento de água, como Monsanto, Bechtel, Coca-Cola, Pepsi, Danone e Nestlé.
A discussão sobre privatização da água torna-se cada vez mais presente. São recentes nos noticiários os protestos no México e outras investidas na América Latina. Também o governo português foi arduamente pressionado pela não privatização dos recursos hídricos.
Em Paris e Berlim, as privatizações no abastecimento da década de 1980 estão agora sofrendo processos de reestatização. E no Brasil, a discussão do tema inicia-se com contornos de dúvida e sem muita transparência. Primeiro, a privatização da água contribui com a meta de crescimento do país?
Como, efetivamente? O que se busca: a venda das fontes da água potável brasileira, ou a concessão da exploração da gestão de todas as demandas e serviços sobre o recurso?
A Lei 13.334 de setembro de 2016 cria o Projeto Crescer ou Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que define inclusive para os Estados, DF e municípios, deveres por ampliação e facilitação das relações entre Estado e iniciativa privada, através de novos investimentos em projetos de infraestrutura e de desestatização.
A Lei 13.334 de setembro de 2016 cria o Projeto Crescer ou Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que define inclusive para os Estados, DF e municípios, deveres por ampliação e facilitação das relações entre Estado e iniciativa privada, através de novos investimentos em projetos de infraestrutura e de desestatização.
O Governo Temer defende que o Projeto visa criação de novos empregos e outros aspectos de desenvolvimento. Mas de outro lado, órgãos como a ANA (Agência Nacional de Águas), que faz parte do Conselho do PPI, e ainda diversas entidades sindicais e da sociedade civil têm alertado para a possibilidade da privatização do Sistema do Aquífero Guarani (SAG).
Trata-se da principal reserva natural subterrânea da América do Sul de água potável, em cerca de 1,2 milhões de Km², que abrangem Uruguai (5%), Paraguai (5%), Argentina (21%) e Brasil (69%), passando pelos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Trata-se da principal reserva natural subterrânea da América do Sul de água potável, em cerca de 1,2 milhões de Km², que abrangem Uruguai (5%), Paraguai (5%), Argentina (21%) e Brasil (69%), passando pelos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Tem capacidade de abastecer a população brasileira por 2.500 anos.
Possui aproximado volume d’água de 45 mil Km³ e recarga de 150 mil Km², por ano, através de precipitações e da filtração de suas rochas arenosas, responsáveis pela acumulação de água.
É objeto de estudo do Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do SAG, informa o Ministério do Meio Ambiente, sendo base do Programa Estratégico de Ação, que é ou deveria ser acompanhado pelos Estados, cujos territórios são percorridos pelo Aquífero, como o caso de Goiás.
Alvo de contaminação e poluição, sobretudo por agrotóxicos e resíduos industriais, que podem alterar lençóis freáticos e corpos d’água mais superficiais, em agosto de 2010, os países do Aquífero celebraram acordo de proteção ao manancial, que inclusive barrou a exploração e uso por interessados internacionais. Entretanto, até hoje não houve ratificação do Congresso Nacional Brasileiro.
A privatização do Aquífero Guarani parece não constar na lista do PPI, o que, todavia, não é imutável, visto que os bens públicos a serem vendidos podem ser inseridos no plano de investimento, por resoluções e decretos. Mesmo assim, tão logo conste do rol a privatização, se ela significar a venda, ainda deverá romper o caminho constitucional e legal para seu perfazimento: art. 37, XXI da Constituição da República (alienação mediante processo de licitação pública), sendo prévia a autorização do Legislativo, e ainda justificado o interesse público e feita avaliação prévia (inteligência do art. 17 da Lei de Licitações). Esse entendimento é pacífico no Supremo Tribunal Federal, exemplo é o Mandado de Segurança 22.509.
A entrega do manancial para empresas multinacionais, todavia, dependeria ainda de alteração da Constituição Federal, em função do que hoje estabelece o art. 190 (autorização do Congresso Nacional para aquisição de terra por pessoas estrangeiras), bem como do Estatuto da Terra e da Lei 5.709/71. Por isso não, a PEC 215 e o PL 4059/2012, se aprovadas, prestariam a facilitar o processo.
Já se a privatização significar gestão da exploração do Aquífero por longo período poderia ser consubstanciada na Lei de PPP. Mas a despeito do argumento de desenvolvimento ao Brasil do Projeto Crescer, o potente mercado agropecuário brasileiro, voltado para o abastecimento externo, seria um dos mais comprometidos, ao final, pelos estragos ambientais desmensurados, e que ficariam para as futuras gerações; bem como pela perda de autonomia de propriedades e sobre negócios. Isto sem falar na significativa diminuição do acesso à Água a todos, num país como o Brasil, que registra ter 12% de toda a água doce do mundo. E ainda a perda econômica e humana para a população de todos os países aonde se situa o reservatório.
A possibilidade da privatização e suas consequências devem ser debatidas com seriedade. A escassez hídrica é assunto da ordem do dia e requer pensamento multidisciplinar no seu tratamento. Seja pela venda ou pela gestão da exploração do Aquífero, a discussão deve ganhar efetiva transparência, sem subterfúgios e com responsabilidade. O parlamento deve considerar os anseios da sociedade, e a economia, sustentabilidade e desenvolvimentismo para determinar os rumos do patrimônio brasileiro.
Novamente, as palavras de Norberto Bobbio ganham indiscutível atualidade, no que se refere aos direitos universais, no caso em apreço, sobre o acesso à água: “Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder”.
*Ariana Garcia é advogada, especialista em Direito Constitucional, Direito Administrativo e mestranda em Direito Agrário pela UFG. Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB nacional.
É objeto de estudo do Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do SAG, informa o Ministério do Meio Ambiente, sendo base do Programa Estratégico de Ação, que é ou deveria ser acompanhado pelos Estados, cujos territórios são percorridos pelo Aquífero, como o caso de Goiás.
Alvo de contaminação e poluição, sobretudo por agrotóxicos e resíduos industriais, que podem alterar lençóis freáticos e corpos d’água mais superficiais, em agosto de 2010, os países do Aquífero celebraram acordo de proteção ao manancial, que inclusive barrou a exploração e uso por interessados internacionais. Entretanto, até hoje não houve ratificação do Congresso Nacional Brasileiro.
A privatização do Aquífero Guarani parece não constar na lista do PPI, o que, todavia, não é imutável, visto que os bens públicos a serem vendidos podem ser inseridos no plano de investimento, por resoluções e decretos. Mesmo assim, tão logo conste do rol a privatização, se ela significar a venda, ainda deverá romper o caminho constitucional e legal para seu perfazimento: art. 37, XXI da Constituição da República (alienação mediante processo de licitação pública), sendo prévia a autorização do Legislativo, e ainda justificado o interesse público e feita avaliação prévia (inteligência do art. 17 da Lei de Licitações). Esse entendimento é pacífico no Supremo Tribunal Federal, exemplo é o Mandado de Segurança 22.509.
A entrega do manancial para empresas multinacionais, todavia, dependeria ainda de alteração da Constituição Federal, em função do que hoje estabelece o art. 190 (autorização do Congresso Nacional para aquisição de terra por pessoas estrangeiras), bem como do Estatuto da Terra e da Lei 5.709/71. Por isso não, a PEC 215 e o PL 4059/2012, se aprovadas, prestariam a facilitar o processo.
Já se a privatização significar gestão da exploração do Aquífero por longo período poderia ser consubstanciada na Lei de PPP. Mas a despeito do argumento de desenvolvimento ao Brasil do Projeto Crescer, o potente mercado agropecuário brasileiro, voltado para o abastecimento externo, seria um dos mais comprometidos, ao final, pelos estragos ambientais desmensurados, e que ficariam para as futuras gerações; bem como pela perda de autonomia de propriedades e sobre negócios. Isto sem falar na significativa diminuição do acesso à Água a todos, num país como o Brasil, que registra ter 12% de toda a água doce do mundo. E ainda a perda econômica e humana para a população de todos os países aonde se situa o reservatório.
A possibilidade da privatização e suas consequências devem ser debatidas com seriedade. A escassez hídrica é assunto da ordem do dia e requer pensamento multidisciplinar no seu tratamento. Seja pela venda ou pela gestão da exploração do Aquífero, a discussão deve ganhar efetiva transparência, sem subterfúgios e com responsabilidade. O parlamento deve considerar os anseios da sociedade, e a economia, sustentabilidade e desenvolvimentismo para determinar os rumos do patrimônio brasileiro.
Novamente, as palavras de Norberto Bobbio ganham indiscutível atualidade, no que se refere aos direitos universais, no caso em apreço, sobre o acesso à água: “Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder”.
*Ariana Garcia é advogada, especialista em Direito Constitucional, Direito Administrativo e mestranda em Direito Agrário pela UFG. Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário