domingo, 7 de maio de 2017

ESTATUTOS DO HOMEM


 
ATO INSTITUCIONAL PERMANENTE
(de Thiago de Mello para Carlos Heitor Cony)




Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade, agora vale a vida, e de mãos dadas marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra, e que as janelas devem permanecer o dia inteiro abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.


Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar  o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante, a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

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