sábado, 2 de setembro de 2017

QUE DEUS O TENHA, MADALENO!



Poeta, cronista e escrevinhador, Benedito Madaleno Mendes morreu, aos 63 anos, no dia 26 de agosto, vítima de um AVC, na capital paulista.
Só para relembrar sua obra:

Tropicão de um destemido (na calçada do inferno!)

Andava eu, lá pras bandas da Rodoviária em direção à farmácia pra comprar meu Losartan... Caminhava a passos lentos, distraído barbaridade, encafifado que só vendo e, de repente, o planeta parece ter um chilique... Isso mesmo, querido leitor, a Terra tem um surto cósmico e a calçada na qual eu andava, aproxima-se com a velocidade da luz em direção ao meu rosto!
Sinto que meus pés não estão mais onde deveriam e um tapete de cimento vem vindo, vem vindo... Ai, meu Jesus Cristinho! No meio do curto-circuito cerebral, apelo a todos os santos e invoco meus avózinhos que habitavam cavernas, davam estilingada em pterodáquitilo, faziam bolinhos de Tiranossauro-rex e que, um dia, descobriram o fogo!
Na mesma milionésima fração de micro-segundo, no meio da queda, meu ancestralzinho bicharedo de sabido, dá uma sacudida nos neurônios do velhinho aqui... Num passe de mágica quântica, minha perna direita se estica para diante e bate forte no calcário... Ao mesmo tempo, meu esqueleto, obra-prima da evolução humana, apruma-se, em pose de “sentido”!Ufa!
Pronto! Não foi desta vez que vez que eu beijei o chão, isso é coisa de papa! O Benedito aqui prefere oscular outras superfícies... Imóvel, após o quase-tombo, surpreso com a agilidade de minha ourivesaria óssea, digo pra mim mesmo: que beleza, cheguei aos sessenta anos ágil talqualzinho serelepe! Muito obrigado, Divino-Santo-Pai! E, muito obrigado- dona Vitória Augusta, minha santa mãezinha - pelas colheradas de “óleo de bacalhau”, mingau de aveia e salada de espinafre!
Passado o susto, pus-me a pensar: quem toma conta de nossas calçadas? O prefeito, a Câmara, o Green Peace? Quem? Certas ruas nesta cidade têm calçamentos tão malfeitos, que lembram cordilheiras... Bem em frente ao shopping, por exemplo, o espaço destinado aos transeuntes parece Obra de Terror! Alguns inquilinos esticam a descida da garagem até a via pública e o passadouro fica inclinado! Certos moradores não conhecem a definição de linha horizontal, de reta, de segurança... Cada um faz o que quer e o pedestre que se lasque! Aliás, que tropique e se esfole à vontade... Nossos “passeios” têm um quê de arapuca! E salve-se, quem puder!
A coisa tá feia – meus confrades – feia mesmo! O que antes era calçada, agora é “mata-gente”!

Complexo de Herodes

Cheguei aos sessenta anos e, desde que me lembro de estar no planeta, ouço falar do sanguinolento arranca-rabo e cabeças entre israelitas e palestinos! Mata daqui, mata de lá, mata, mata, mata...
Credo! Será que essa gente não tem mais o que fazer? E a mídia internacional ainda chama aquele cafundó de “Terra Santa”! Aquilo mais parece um açougue, isso sim... E o pior é que é um açougue onde gente mata gente e com requintes de extrema perversidade! Deus deve estar arrependido de ter criado essa espécie!
Ao que tudo indica, as Nações Unidas, em novembro de 1947,cometeram um erro trágico ao criar o Estado de Israel em território palestino... Primeiro porque os povos árabes não foram consultados... A ONU enfiou os israelenses lá, de mala, cuia e granadas e disse aos moradores locais: “se virem com seus novos vizinhos...”!
Todas as nações adjacentes entraram em guerra contra o invasor! Esperavam o quê? Que todos os países da região os recebessem com flores?Os americanos armaram até os dentes seus protegidos e o Estado recém-criado acabou vencendo a primeira batalha e todas as outras que vieram depois... Esperto, como bom judeu, o governo israelita aproveitou a briga para roubar territórios e fincar sua bandeira... Mas a sangueira continua e mil almas parecem gritar: “não queremos Israel em terras palestinas”!
Nos últimos dias, o planeta inteiro é bombardeado com imagens de prédios destruídos, escolas demolidas, crianças mortas! Parece que estamos vivendo um pesadelo... Crianças mortas! Será Israel um Estado infanticida – um monstro assassino de crianças?
Com toda a tecnologia que esse povo possui e com as bênçãos cibernéticas dos Estados Unidos, não tem capacidade de localizar seus inimigos e neutralizá-los? Precisa destruir um prédio inteiro, uma escola, um hospital, uma creche? Essa nação precisa e, com urgência, selecionar melhor seus generais...
As imagens de crianças assassinadas maculam para sempre o Estado sionista. De duas, uma: ou o exército israelita é cego e atira a esmo, ou é assassino psicopata e tem prazer em matar palestinos indefesos... Será que o exército de Israel tem complexo de Herodes e por isso mata criancinhas, com receio que entre elas haja um novo Messias!
Assassinar crianças! Isso não é coisa de quem se diz filho de Deus!

Arvoricídio

Há muito tempo estou aqui... A primeira maravilha que me encantou foi o Sol! Lembro que, no começo, quando ele ficava muito tempo sem aparecer, um frio estranho me abraçava; lá no alto, o que era azul vestia-se de cinza e, quando chegava a noite, as estrelas se escondiam... Mas, quando ele acordava de manhãzinha, que alegria! Lá de cima, muito além das nuvens, ele parecia fazer um afago e tudo aqui, na Terra, tornava-se tão quentinho, tão quentinho...
Eu fui crescendo, crescendo... Meus braços foram se tornando cada vez mais longos... As folhas que despontavam nos meus galhos tinham cor de esmeralda! Às vezes, guardavam na pele algumas porções de orvalho e, depois, quando o astro-rei aparecia, elas se transformavam em pequeninas redomas de arco-íris...
O vento era um amigo sempre bem-vindo... Quando ele passava por mim, todos os meus ramos balouçavam de alegria... Chuva? Uma dádiva! Pura delícia era sentir aquelas gotinhas cristalinas tocando a minha copa, umedecendo minhas folhas, o meu tronco, meus galhos; deslizando até minhas raízes aconchegadas sob a terra!
Pássaros sempre me fizeram companhia... Alguns construíam ninhos nos meus braços e eu vi muitos avoantes pequeninos ensaiando seus primeiros voos... Outros apenas chegavam à noite, pernoitavam e, de manhãzinha, ruflavam asas buscando o céu... Vez em quando, um vaga-lume passava vigiando, vigiando... Depois sumia ao longe fosforescendo... Desde o princípio de minha estadia nesta avenida, percebi que as pessoas, ao passarem por debaixo de minha folhagem, denotavam súbita alegria... Eu via um sorriso flutuando em suas almas... Algumas até paravam um pouquinho bem próximo de mim, levantavam os olhos para minha copa e sorriam... Vez em quando, eu ouvia um sussurro: muito obrigado!
Logo percebi que os meus galhos com tantas folhas juntas formavam uma sombra e todos os seres que vivem na superfície da mãe Terra, amam a sombra de uma árvore! De tanto ver passar esses seres bípedes, aprendi a sua língua e às vezes, bastava o seu olhar para eu compreender os segredos do seu coração... Assim, muitos anos se passaram...
Um dia, de repente, vejo alguém se aproximar com jeito estranho... É um filho de Deus de meia idade, veste um uniforme cáqui e carrega nos ombros uma motosserra! A princípio, fico sem saber o que pensar! Ele se aproxima de meu tronco e liga aquela arma... Um ronco ensurdecedor faz tremer as minhas folhas! Sinto um gelo na medula! Logo entendo... O desconhecido, insensível à minha agonia, aproxima a lâmina da minha haste... Não sei gritar! A mãe natureza não me deu voz! Se pudesse, o meu grito de agonia seria ouvido até o próximo Universo! A dor é muita! Mas o homem não sabe... Por que ele me mata se eu apenas lhe dei sombra? Que mal eu fiz?
Indiferente à minha dor, o estranho ser continua segurando a motosserra contra minha casca... Sinto sua lâmina fria cortando o meu caule... Afiada, ela rasga cada vez mais fundo, cada vez mais, cada vez... Estou indo embora... Está ficando tudo escuro, escuro... O ronco da máquina que corta minha Vida parece soar mais longe, cada vez mais longe, cada ve...

Fonte: PORTALAGORA.com

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