sexta-feira, 11 de maio de 2018

OLHA AÍ O MAÇAROCA!
















Idoso ganha a vida com tabloide feito à mão no interior de SP: 'Jeito raiz de ler notícia'.
Por Matheus Fazolin

Grafia diferente, cores intensas, aspecto caseiro e uma liberdade editorial para ninguém botar defeito. Inspirado nos livros de cordel do nordeste brasileiro, o jornal mensal Itapercanjo, que leva o nome de duas cidades da região: Itapetininga e São Miguel Arcanjo, foi um renascimento na vida de Santino França, seu idealizador.
Há quase 18 anos ele passa pela mesma rotina e, mesmo em tempos de tanta tecnologia, produz notícias e escreve crônicas de próprio punho, desenha charges, recorta e cola imagens sobre uma folha branca. Santino se diz atento sobre tudo o que acontece em sua volta.
Pelo tabloide, formato de jornal que surgiu em meados do século XX, o senhor de 61 anos que adora se comunicar conta a história da região de Itapetininga e diz que seu público prefere "o jeito raiz de ler notícia”.
Cada edição tem 30 páginas, mas segundo ele, se houver um fato de última hora, a edição é estendida e distribuída com 32 ou 34 folhas recheadas de entretenimento e notícias caseiras.
O conteúdo é diversificado e nas folhas é possível encontrar notícias de apreensão de drogas, acidente de trânsito, histórias de personalidades, política, crônicas, fofocas e até desenhos para crianças.

Santino França mostra ao G1 seu tabloide manuscrito (Foto: Matheus Fazolin/G1)

"O diferencial é que eu coloco o pessoal da região aqui. Tiro fotos deles e coloco no Itapercanjo, sempre me cobram para aparecer", brinca.
A distribuição dos exemplares começa pelas cerca de 30 lojas que apoiam financeiramente o tabloide em Itapetininga, Sorocaba, Pilar do Sul, São Miguel Arcanjo e Angatuba. Depois, o material é disponibilizado ao público em geral.
"Como faço tudo sozinho, demora aproximadamente um mês para eu terminar. Quando acabo de entregar um, já é hora de distribuir o próximo. É um ciclo sem fim", brinca.
O idoso afirma que são distribuídas aproximadamente três mil cópias do Itapercanjo, sendo duas mil coloridas e mil em preto e branco. "As coloridas precisam pagar. A versão em preto e branco é de graça", esclarece. Financeiramente o projeto rende, em média, um salário mínimo por mês.
Atualmente ele divide uma casa simples com a companheira de 42 anos e revela que tem dois filhos no Paraná, da "época da perdição", mas diz que não os vê há mais de 30 anos, desde que a mãe deles morreu.

Santino distribui sozinho o tabloide pela região (Foto: TV TEM/Reprodução)

Por trás das páginas
Na tarde do dia 22 de novembro de 2000 começava a ser distribuído em toda a região o primeiro exemplar do Itapercanjo, que na época se chamava Itapercansul. O jornal manuscrito está em sua 513ª edição, segundo o autor. De lá pra cá, muita coisa mudou.
Mas uma história que não está presente no tabloide e nem era imaginada nas mais profundas reflexões de Santino, é a trajetória que ele precisou percorrer até chegar onde está.
O idoso, que só estudou até a quarta série, saiu de casa no início da adolescência, trabalhou no circo, ganhou na loteria nos anos 80, teve dois filhos, que não os encontra há 30 anos, e levou um susto: em um curto período de tempo pegou uma pneumonia forte e tuberculose, que quase o levou à morte.
"Quando eu fiquei doente e todo meu dinheiro acabou, tenho certeza que o que me salvou foi este tabloide. Sou grato a ele e nunca deixarei de fazer', afirma Santino.

Santino produzindo Itapercanjo no quarto de casa em Itapetininga (SP) (Foto: TV TEM/Reprodução)

Santino França relembra que sua maior conquista começou em uma fase difícil de sua vida. "Com a doença não conseguia encontrar emprego de jeito nenhum. Foi aí que tive a ideia de fazer o tabloide e, por sorte, todo mundo gostou", lembra.
Durante a conversa com o G1, ele afirma que já havia trabalhado como pedreiro, ajudante de serviços gerais e ficou uma década no circo, mas viu a vida mudar ao ganhar um bom dinheiro na loteria, com apenas 24 anos.
"Gastei tudo à toa. O único retorno que tive foram os prazeres da vida... Não me arrependo, mas a herança que tive foi lastimosa", diz.
Segundo ele, o dinheiro não durou e, em 1996, pegou tuberculose, uma doença bacteriana infecciosa que afeta diretamente o pulmão. Pouco depois de ser recuperar, em 1999, teve uma forte pneumonia. "Fui me curar só em 2000, quando comecei o Itapercanjo", diz.

Páginas do Itapercanjo contam com colagens e texto feito a mão (Foto: Matheus Fazolin/G1)

Atualmente com 61 anos, completará 62 dia 1º de junho, fato que ele gosta de lembrar, e morador do bairro Morro Alto, em Itapetininga, Santino afirma que lê tudo o que encontra pela frente.
"Lia e leio de tudo: Bíblia, bula de remédio, cartas, revistas, gibis. De tudo um pouco!", diz entre risos enquanto folhava as páginas do último exemplar de sua criação.
"Eu via que na época, entre 1999 e 2000, não tinha nada parecido com o que eu queria fazer. Então me inspirei nos livros de cordel e comecei a produção", relembra.

Produção do tabloide caseiro é feita em Itapetininga (SP) (Foto: TV TEM/Reprodução)

Nome do tabloide
Nascido em Sete Barras, na região de Santos (SP), Santino diz que morou em Buri, mas cresceu entre os municípios de Itapetininga e São Miguel Arcanjo.
"O nome do tabloide vem das cidades que morei. O primeiro nome era Itapercansul, mistura de Itapetininga, São Miguel Arcanjo e Pilar do Sul, mas o pessoal não gostou", brinca.
"A segunda tentativa foi Itapercanduba, tentando incluir a cidade de Angatuba, mas acho que as pessoas acharam difícil, então ficou Itapercanjo mesmo, foi o que mais pegou", explica.

Santino França foi destaque no programa Revista de Sábado, da TV TEM, em março de 2017

"Eu coloquei o Itapercanjo na internet, mas ninguém quer ler pelo computador. Não tem graça. Querem pegar na mão", diz.
Após o programa ser exibido pela TV TEM, Santino afirma que recebeu diversos telefonemas e convites para ir à São José do Rio Preto, Osasco e até a São Paulo.
Ele conta ao G1 que diversos jornais queriam fazer parcerias e tê-lo como palestrante, mas declinou o convite porque precisava cuidar de sua companheira.

Aniversário de 10 anos da TV TEM foi registrado no Itapercanjo; Santino guarda jornais que já contaram sua história (Foto: Matheus Fazolin/G1)
Além da TV, Santino já apareceu em diversos jornais da região, que retrataram o esforço em fazer um tabloide manuscrito mensal. A TV TEM, que completou 15 anos no dia 6 de maio, foi destaque nas páginas do Itapercanjo em 2013, quando comemorou 10 anos.

'Visão divina'
Após 513 edições, Santino diz não se arrepender de nada. Afinal, tudo o que passou, transformou "aquele jovem" no que ele é hoje.
Sentimental e com um jeito diferente de encarar a vida, ele diz que "o Itapercanjo é como se fosse um filho adotivo que eu nunca vou deixar. Sinto muito orgulho dele".

Santino França mostra ao G1 seu tabloide manuscrito (Foto: Matheus Fazolin/G1).
Quando questionado se trocaria o tabloide manuscrito pelo prêmio que ganhou na década de 1980, o idoso desvia o olhar e fica dividido.
"O dinheiro é muito bem-vindo, só que é pura ganância. O que faz bem para mim é fazer isso aqui. Minha vida não faria sentido sem ele", afirma apontando ao tabloide.
Santino, que se considera um homem religioso, revela que uma aparição de Nossa Senhora Aparecida o influenciou a seguir seu desejo de criar e comunicar.
"Ela apareceu para mim e eu percebi que era isso que queria. Apesar de achar que descobri tarde, tenho certeza que nunca é tarde para ser feliz. É clichê, mas é verdade", diz.
Já no fim da entrevista ao G1, o senhor comunicador de Itapetininga emendou um "não liga não. Eu sou meio filósofo". E foi embora, seguindo seu caminho com o Itapercanjo número 512 original em suas mãos.

Santino França é criador do tabloide Itapercanjo, popular na região de Itapetininga (SP) (Foto: TV TEM/Reprodução)

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