quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

GOVERNAR É QUE SÃO ELAS...



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Tem um discurso para ganhar eleição e tem um discurso para governar. 
Dizem que a frase é de Tancredo Neves.
Diante de uma eleição que as pesquisas de intenção de voto apontam como decidida já desde o primeiro turno, resta saber que outro discurso Jair Bolsonaro está disposto a empregar. 
O de ganhar a eleição deu certo.
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Talvez alguns gestos de quem – se as pesquisas estão certas – vai ser o novo presidente brasileiro permitam vislumbrar que ele sabe a diferença entre realidade e retórica. 
A intenção por ele manifestada de preservar alguns quadros da atual equipe econômica, por exemplo. Faz supor que reconhece a existência de funcionários públicos que servem ao Estado e não ao governo da vez.
Ou a articulação de um apoio amplo para eleger um presidente da Câmara dos Deputados saído não necessariamente das hostes do chefe do executivo, o que sugere alguma ideia de que o Legislativo precisa de independência e não de controle pelo Planalto.
Tome-se também a manifestada disposição de rever a pretendida fusão do Meio Ambiente com Agricultura — aliás, o moderno setor agropecuário brasileiro compete internacionalmente dentro de reconhecidos padrões de sustentabilidade. 
Ou a de voltar atrás no anúncio de subordinar o Ministério da Indústria e Comércio à super pasta da Fazenda – países modernos e avançados separam finanças e economia.
Note-se, porém, que esses são mecanismos para governar, mas ainda não indicam em que eixos se dará a atuação do governo. 
Da mesma maneira, permanecem nebulosas as declarações de que a política externa será desvinculada de apegos ideológicos.
Nesse sentido, tenho chamado a atenção para o fato de que a imagem no exterior do provável novo presidente brasileiro é muito ruim, e não adianta dizer que é culpa de esquerdismo da “mídia internacional” – embora as esquerdas brasileiras tivessem mobilizado que laços existissem lá fora com o mundo diplomático, acadêmico, dos partidos e instituições internacionais pintando o Brasil como uma masmorra do apartheid social (e, agora, fascista). 
O fato é que a imagem ruim existe.
Mandatários de vários países formam opiniões sobre colegas de outros países também a partir do que recebem da própria mídia local. 
Parte substancial desses órgãos de imprensa (e, reitero, nada a ver com “esquerdistas”) considera Bolsonaro um risco à democracia ignorando as evidências de que a escolha que está sendo feita pelo eleitorado brasileiro é antes de mais nada a manifestação de profunda desconfiança e descrédito nas instituições existentes (como STF, partidos, imprensa) – “clima” do qual Bolsonaro é consequência e não causa.
O assalto às instituições começou muito antes dele. 
A corrupção é entendida pelos eleitores como a mais evidente e palpável expressão de degradação do funcionamento de todo o arcabouço jurídico-normativo-político. 
No fundo não deveria causar surpresa alguma a maneira como o pêndulo oscilou agora contra as forças políticas (não só o PT, evidentemente) que se apoiaram sobretudo na mentira, roubalheira e populismo fiscal irresponsável. 
Antes de surgir um Bolsonaro, já existia um enorme cansaço de “tudo isto aí”.
A ideia propagada por Bolsonaro de que ele é capaz de limpar o jogo sujo, e enfrentar tudo o que está corrompido (começando pela restauração de valores tradicionais), acabou sendo um grande triunfo eleitoral.
Mas apenas esse discurso, diria Tancredo, não lhe permitirá governar.

Willian Waack em sua coluna no Estadão

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