quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

VOCÊ ACHA REALMENTE QUE ESTE HOMEM SEJA APENAS UM MOTORISTA?

"Onde está Queiroz?"
A busca de ÉPOCA pelo ex-motorista que se tornou sinônimo de escândalo para o novo governo
Bruno Abbud, Juliana Castro e Juliana Dal Piva


Fabrício Queiroz foi assessor de Flávio Bolsonaro por mais de dez anos Foto: Reprodução/Facebook
A fotografia de Jair Bolsonaro ao lado do filho, o vereador Carlos Bolsonaro, estampava o adesivo colado na porta de madeira de onde, segundo vizinhos, mora Fabricio José Carlos de Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro e amigo próximo da família do presidente eleito. Estampava. Na tarde de quarta-feira, 10, quando ÉPOCA foi ao local, a imagem já aparecia rasgada ao meio, numa mal-sucedida tentativa de descolá-la dali.
Três dias antes, o primogênito do presidente eleito relatou, em entrevista coletiva, ter conversado com Queiroz. Haviam falado a respeito do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que registrou a movimentação de R$ 1,2 milhão, entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017, na conta do ex-assessor. No período, Queiroz também sacou dinheiro 176 vezes -- em 14 bairros, segundo revelou o jornal O Globo nesta quarta-feira. Alguns dos saques, idênticos e fracionados, segundo especialistas podem configurar tentativas de ocultação da origem do dinheiro e de burlar a fiscalização.

Casa do ex-motorista de Flávio Bolsonaro,Fabrício Queiroz, que movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e o mesmo mês de 2017 Foto: Juliana Castro / Agência O Globo.

"Hoje o Fabrício Queiroz veio conversar comigo", disse Flávio, antes de colocar-se em primeira pessoa: "Fui cobrar esclarecimentos dele sobre o que estava acontecendo". O senador eleito concluiu: "Ele me relatou uma história bastante plausível. Me garantiu que não teria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações", disse, cercado por jornalistas na calçada do condomínio onde mora o pai, na Barra da Tijuca.
Àquela altura, Jair Bolsonaro também já havia dado explicação. Disse que o cheque de R$ 24 mil endereçado à futura primeira-dama, Michelle de Paula Firmo Bolsonaro, e descontado na conta do ex-assessor constituía o pagamento parcial de uma dívida de R$ 40 mil de Queiroz. Nos bastidores, um assessor da família Bolsonaro mencionou uma reforma na casa do ex-motorista como motivo do débito. Outro interlocutor creditou o vaivém de dinheiro na conta flagrada pelo Coaf ao fato de Queiroz ser afeito a negócios de compra e venda de carros usados -- e vez por outra de relógios importados.
Queiroz foi exonerado do gabinete de Flavio Bolsonaro em 15 de outubro, mais de dois meses antes do caso vir a público. Desde o encontro com Flávio, nunca mais apareceu.
As reportagens publicadas na imprensa eram muitas. Mas nenhum veículo de comunicação tinha conseguido encontrar o ex-motorista. De início, todos queriam explicações, e aos poucos uma pergunta passou a percorrer toda a imprensa: onde está Queiroz?
ÉPOCA foi a três endereços do ex-motorista encontrados em bancos de dados públicos.
Em uma rua de mão dupla da Taquara, na Zona Oeste do Rio, perto de uma fábrica da Coca-Cola, há um portão amarelo ao lado de uma mercearia que dá acesso a uma espécie de vila onde está um dos endereços atribuídos a ele. A numeração irregular do imóveis dificultou a localização do lar de Queiroz, uma casa de fachada simples, mas aparentemente espaçosa por dentro. São quatro andares, incluindo um "puxadinho" na cobertura.
A reportagem chamou pelo nome do ex-assessor e de sua mulher, Márcia Aguiar, também ex-servidora do gabinete de Flávio. Sem resposta. Eram aproximadamente 15h30 daquela segunda-feira e as janelas fechadas indicavam que não havia ninguém na residência.
Confrontados com fotos do casal, os vizinhos informaram que aquela era mesmo a casa de Queiroz e Márcia. Nos perfis da família do ex-motorista no Facebook, é possível reconhecer o terraço da casa. Às 17h30 daquela mesma segunda-feira, ÉPOCA voltou ao imóvel para verificar alguém já havia retornado. As janelas continuavam fechadas e, novamente, ninguém atendeu aos chamados que ecoaram pelo beco.
Um bilhete com um recado sobre o interesse em uma entrevista e com um pedido para que o contato fosse retornado foi deixado numa das portas do imóvel. Nunca foi respondido.
Um vizinho disse que Márcia costumava sair de casa por volta das 8 horas da manhã. Diante da informação, ÉPOCA voltou novamente ao local às 7h30 da manhã seguinte. Naquele dia, uma pessoa apareceu na janela da casa de Queiroz sem que a reportagem tivesse batido à porta nem chamado pelos nomes do ex-assessor e de sua mulher. Quando os nomes foram anunciados, contudo, ninguém apareceu para atender.

"Onde está Queiroz?". 
A pergunta foi refeita ao vizinho da casa da frente nesta segunda-feira, 17, enquanto o homem cuidava de uma obra em seu imóvel. "Não sei se ele está aí , não", ele respondeu, um tanto arisco. "Mas o seu Fabrício mora aqui, sim". Cabeças e olhos surgiram das janelas ao longo da via. São silhuetas. E só. Das pessoas que habitam o condomínio de puxadinhos na rua André Rocha, ninguém quis falar.
A poucos quilômetros dali, em outro endereço da família do ex-motorista, que na internet aparece como sendo de um salão de beleza registrado em nome de Evelyn Queiroz, uma das filhas de Queiroz relacionada no relatório do Coaf e que atualmente integra o gabinete de Flávio Bolsonaro com salário de R$ 7.549,75. "O outro porteiro que deu informações para um jornalista recebeu advertência", informou o porteiro do turno do dia. "A administração do condomínio orientou a gente para não dizer nada".
Perto dali, na Praça Seca, outro conjunto de apartamentos atribuído a Queiroz nos cadastros virtuais foi visitado por ÉPOCA. O porteiro informou que ele chegou a morar ali, mas que o imóvel estava vazio. Vizinhos desconheciam o nome do ex-motorista.
Nesta quarta-feira, às 14 horas, no sétimo andar do prédio do Ministério Público, no centro do Rio, Queiroz reaparecerá 13 dias depois de ter virado sinônimo de escândalo para o novo governo. Ele vai depor ao promotor Cláucio Cardoso da Conceição. Resta saber o que dirá.

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