quarta-feira, 27 de março de 2019

QUE ESPERANÇA ESSA DE MANTER UM CADÁVER CONGELADO PARA RESSUSCITAR NO FUTURO?

STJ decide que corpo de brasileiro pode permanecer congelado nos Estados Unidos. 
Preservação do corpo por criogenia foi realizada a pedido de uma das filhas, mas foi contestada pelas irmãs, para quem o pai deveria ser enterrado.

Em julgamento inédito no STJ, realizado nesta terça-feira, 26, a 3ª turma reconheceu o direito de preservação do corpo de um brasileiro em procedimento de criogenia, nos Estados Unidos.
A técnica da criogenia após a morte foi realizada a pedido de uma de suas filhas, na esperança de que ele possa ser ressuscitado no futuro. 
De forma unânime, o colegiado considerou que a legislação brasileira, apesar de não haver previsão, não impede a realização do procedimento. Além disso, a turma levou em consideração a própria manifestação de vontade do falecido, transmitida à sua filha mais próxima, que conviveu com ele por mais de 30 anos.
“Na falta de manifestação expressa deixada pelo indivíduo em vida acerca da destinação de seu corpo após a morte, presume-se que sua vontade seja aquela apresentada por seus familiares mais próximos”, apontou o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze.
Na ação que gerou o recurso no STJ, duas filhas do primeiro casamento contestavam a decisão de sua irmã paterna, filha do segundo casamento, de submeter o corpo do pai, falecido em 2012, ao congelamento no Instituto de Criogenia de Michigan, nos Estados Unidos. Para as autoras da ação, o corpo do pai deveria ser sepultado no Rio Grande do Sul, ao lado de sua ex-esposa.
Em 1ª instância, o juiz julgou procedente o pedido das irmãs e autorizou o sepultamento do corpo. 
No primeiro julgamento da apelação, ainda em 2012, o TJ/RJ reformou a sentença e determinou a continuação do procedimento de criogenia. 
Após essa decisão, a filha do segundo casamento encaminhou o corpo ao exterior.
No entanto, em análise de embargos infringentes, o próprio TJ restabeleceu a sentença, sob o fundamento de que, em virtude da ausência de autorização expressa deixada pelo pai em vida, não seria razoável permitir o congelamento pela vontade de uma de suas filhas.

Liberdade de escolha
O ministro Marco Aurélio Bellizze destacou inicialmente que a questão analisada no recurso não diz respeito aos efeitos da criogenia sobre o corpo, mas sim sobre se é possível reconhecer que o desejo do falecido era o de ser criopreservado após a morte, bem como se a sua vontade afrontaria o ordenamento jurídico brasileiro.
O ministro destacou que, na ausência de previsão legal sobre a criogenia pós-morte, o artigo 4º da lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que o juiz deve decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 
Aplicando a analogia jurídica, Bellizze apontou que a legislação brasileira, além de proteger as manifestações de vontade do indivíduo, contempla formas distintas de destinação do corpo humano após a morte, além do sepultamento tradicional, como a cremação, a doação de órgãos para transplante, a entrega para fins científicos, entre outras.
“Nota-se, portanto, que o ordenamento jurídico confere certa margem de liberdade à pessoa para dispor sobre seu patrimônio jurídico após a morte, assim como protege essa vontade e assegura que seja observada. Demais disso, as previsões legais admitindo a cremação e a destinação do cadáver para fins científicos apontam que as disposições acerca do próprio corpo estão incluídas nesse espaço de autonomia. Trata-se do direito ao cadáver.”

Respeito ao corpo
De acordo com o relator, além de não haver norma que proíba a submissão de corpos à criogenia, não há ofensa à moral ou aos bons costumes, já que não há a transformação do corpo em uma espécie de “patrimônio”. 
De igual forma, não há exposição pública do cadáver – o que seria incompatível com as normas sanitárias e de saúde pública. Além disso, ressaltou, o procedimento é realizado com respeito aos restos mortais, pois o corpo é acondicionado em local preservado sem impedir a visitação pelos entes queridos.
Em relação à manifestação de vontade do falecido, Bellizze afirmou que, ao contrário da conclusão do TJ/RJ, a legislação brasileira não exige formalidade específica para confirmar a expressão de última vontade, podendo ser presumida pela manifestação de seus familiares mais próximos.
No caso dos autos, o ministro disse que, a despeito de as partes em litígio terem o mesmo grau de parentesco em relação ao falecido, a filha responsável pelo procedimento de criogenia conviveu com ele por mais de 30 anos e, portanto, é a pessoa que melhor poderia revelar seus desejos e convicções. 
Por outro lado, acrescentou o relator, as irmãs não demonstraram convivência próxima com o pai, e o pedido de sepultamento revelou ser um desejo delas próprias, não do falecido.
O ministro Bellizze lembrou, ainda, que o corpo já se encontra congelado desde 2012, o que implica certa consolidação da situação no tempo, motivo também levado em conta pelo colegiado para a permanência do corpo do brasileiro no instituto de criogenia americano.

Processo: REsp 1.693.718

In Migalhas Quentes.

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