quinta-feira, 27 de junho de 2019

QUEM DESDENHA, HÁ MUITO QUER COMPRAR

39 kg de cocaína constrangem o Governo Bolsonaro.
Prisão de sargento flagrado com droga na Espanha vira notícia internacional e meme e pressiona Aeronáutica e Planalto por falha em segurança de comitiva presidencial.


Bolsonaro, antes de embarcar rumo ao Japão. REUTERS
MARINA ROSSI/ EL PAÍS

Jair Bolsonaro, eleito prometendo combater o crime e as drogas como nunca antes no país, tenta responder uma pergunta incômoda desde a noite de terça-feira: como um militar de sua comitiva ousou e conseguiu levar 39 kg de cocaína em um avião oficial, destacado como apoio à sua viagem ao G-20 no Japão? 
A prisão do sargento Manoel Silva Rodrigues, 38 anos, em Sevilha, na Espanha, com o carregamento da droga, de valor estimado de mercado de mais de 8 milhões de reais, se transformou num constrangimento político maiúsculo para o Planalto. 
Para qualquer ocupante do Planalto o caso seria um dissabor importante: a detenção ganhou destaque na imprensa espanhola e apareceu em jornais como o Financial Times, New York Times e Le Monde (que pôs "o caso do aerococa" no título). 
Para Bolsonaro, tem ainda um viés adicional. 
Defensor dos militares como uma espécie de reserva moral do país, o capitão reformado do Exército tentou se antecipar e comentar o tema no Twitter ainda na noite de terça, defendendo que o flagrante com o sargento Rodrigues não representava a corporação. 
Nesta quarta, Bolsonaro voltou ao Twitter para dizer que o militar não tinha relação com a equipe dele e tratou o episódio como "inaceitável". 
Longe de colocar panos quentes sobre a situação, o presidente em exercício Hamilton Mourão classificou a conduta do sargento como sendo de uma "mula qualificada" e afirmou que ele não agiu sozinho. "É óbvio que, pela quantidade de droga que ele estava levando, que não comprou na esquina e levou, né? Ele estava trabalhando como mula. Uma mula qualificada", definiu Mourão, em entrevista nesta quarta-feira à Rádio Gaúcha
Outras coincidências reforçaram o constrangimento. Enquanto a notícia se espalhava, o ministro da Justiça, Sergio Moro, em viagem aos EUA, visitava a Agência Antidrogas norte-americana. "Não vamos medir esforços para investigar e punir o crime", disse Moro também no Twitter.
Os Bolsonaro, mestres no jogo de dominar a agenda das redes sociais, viram o tema ganhar a Internet: a procura pelo tema em buscadores como o Google estourou, assim como memes e uma guerra entre apoiadores do Governo e detratores no Twitter. Aos críticos coube lembrar episódios em que a família presidencial foi implacável ao falar de temas relacionados ao tráfico de drogas. 
Em março, após um encontro em Washington entre Bolsonaro e o presidente da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente, deu nova munição para ser usada agora. Afirmou que a conversa havia girado em torno de "Cuba e da narcoditadura de Nicolás Maduro". 
A acusação, respaldada pelo Governo Trump, mas também por alguns organismos independentes, já havia sido inaugurada pelo Itamaraty em janeiro, quando divulgou uma nota afirmando que o regime de Maduro é baseado no tráfico de drogas e pessoas e no terrorismo. "O sistema chefiado por Nicolás Maduro constitui um mecanismo de crime organizado. Está baseado na corrupção generalizada, no narcotráfico, no tráfico de pessoas, na lavagem de dinheiro e no terrorismo".
Sobre o episódio de agora, o Itamaraty não se pronunciou. Eduardo Bolsonaro tampouco. O silêncio, por outro lado, tem sido rebatido. 
No Congresso, senadores e deputados protocolaram nesta quarta-feira requerimentos para convidar o mnistro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, para prestar esclarecimentos sobre o caso. 
À jornalista Andréia Sadi, Heleno afirmou ser impossível prever o que aconteceria. "Só se fôssemos videntes. Se o GSI tivesse bola de cristal. Ele não tem nada a ver conosco. Estou ansioso para ouvir a explicação do próprio", afirmou.
Não foi a primeira viagem presidencial ou internacional do militar que segue sob custódia das autoridades espanholas. 
O sargento Manoel Silva Rodrigues acompanha pessoalmente presidentes em missões desde 2017, tendo ido, inclusive, a Zurique, na Suíça, com Michel Temer no ano passado. Além de estar na mesma aeronave que os presidentes, o sargento acompanhava o alto escalão do Planalto em aeronaves desde maio de 2016, quando esteve com autoridades em viagem de Dilma Rousseff, segundo o Portal da Transparência.
Com Bolsonaro, o sargento viajou em fevereiro, entre São Paulo e Brasília. No mês seguinte, participou do transporte do escalão avançado da presidência, passando por Brasília, São Paulo e Porto Alegre. A viagem mais recente registrada pela Transparência havia sido para o Recife, onde o presidente esteve no final de maio
Militar na ativa, Rodrigues é segundo-sargento da Aeronáutica e recebeu, em março, data da última atualização do portal, 6.081,90 reais de salário líquido.
Na terça-feira, Rodrigues estava junto ao escalão avançado da presidência novamente, acompanhando a ida de Bolsonaro a Osaka, no Japão, onde o presidente participa de reunião do G20
A sorte do sargento mudaria em Sevilha, durante uma escala. A droga foi detectada quando as bagagens da tripulação passaram pelo controle alfandegário. 
Ao abrir a mala de mão, os agentes encontraram 37 tijolos de pouco mais de um quilo cada de cocaína. "Não estava nem mesmo escondido entre as roupas", disseram as fontes da Guarda aos repórteres María Martín e Óscar López-Fonseca.
As autoridades da Espanha, que processarão Rodrigues por crime contra a saúde pública, que incluem tráfico de drogas, agora querem saber qual era o destino final da droga. 
O Comando da Aeronáutica informou que instaurou um inquérito policial militar sobre o caso.

Portal da Transparência com informações sobre a viagem do sargento com o presidente Jair Bolsonaro para São Paulo.

Adere a

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