segunda-feira, 29 de julho de 2019

"MEIO HUMANO, MEIO MÁQUINA"

Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior.

domingo, 28 de julho de 2019.




Aldous Huxley, ao publicar em 1932 seu romance "O Admirável Mundo Novo", para muitos uma obra de ficção justamente porque o autor antevia a manipulação genética e a consequente reprodução laboratorial das pessoas, abriu o caminho para que muitos avanços científicos ligados à pessoa humana pudessem prosperar. 
A biotecnologia, num crescente contínuo, foi atingindo conquistas até então inesperadas. Pode-se até dizer que o progresso científico, após dominar determinada tecnologia, amplia-a para atingir novos patamares e, assim, incessantemente, vai galgando e explorando outros rumos para a humanidade.
O presidente executivo da empresa Tesla e da Space X, Elon Musk, lançou interessante desafio consistente em desenvolver implantes cerebrais com a finalidade de permitir a comunicação entre o humano e a máquina. Tal procedimento visa possibilitar que as pessoas portadoras de severos distúrbios neurológicos possam receber impulsos com a finalidade de restaurar as funções motoras e sensoriais, podendo até mesmo recuperar a visão de um cego. Deixou a entender também que, pelas projeções do mundo cibernético, existe o temor de que os seres humanos possam ser ultrapassados pela inteligência artificial.1
Proposta audaciosa e instigante. Principalmente em saber que o homem está próximo de dominar uma nova tecnologia e implantá-la no cérebro de outro homem que padece de graves distúrbios neurológicos. A primeira indagação que vem à mente, ligada diretamente à antropologia filosófica, seria se essa invasão da máquina não iria deturpar a natureza humana, compreendendo aqui tudo aquilo que seja fundamental e inerente à pessoa, como, por exemplo, sua volição, sua consciência e sua razão, enfim, seria uma continuação do mesmo eu ou seria a derivação da inteligência artificial?
Pergunta e reposta na mesma linha foram feitas por Damásio: "Saber como o cérebro funciona tem alguma importância para o modo como vivemos nossa vida? A meu ver, importa muito, ainda mais se, além de sabermos quem atualmente somos, nos interessarmos pelo que podemos vir a ser".2
O dilema está posto e resta buscar um caminho que seja coerente e condizente com a condição humana. O Direito, ainda muito distante de tais indagações, cede espaço para que a bioética, ciência mais indicada para o aval inicial pela sua inter, multi e transdisciplinaridade - vez que se dedica a perscrutar os avanços científicos e ordená-los pelos critérios de necessidade, oportunidade e conveniência para saber se advirão benefícios para o homem - ainda não tem uma manifestação categórica a respeito. Apesar ainda de se apresentar como jovem no ramo das ciências, a bioética lida diretamente com a vida humana e tem como norte a evolução biotecnológica e de seus aparatos em confronto permanente com o princípio da dignidade humana, lastreado na Constituição Federal.
Trata-se, no caso apresentado, ainda de um estudo inicial e que deverá passar pelo crivo do FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora dos Estados Unidos. Mas, até antecipando futura avaliação, pode-se dizer que um dos fatores que irão conduzir o pensamento da agência volta-se para o princípio bioético da beneficência, compreendendo aqui os dividendos de saúde e qualidade de vida que poderão resultar de tamanha iniciativa.
Se o objetivo for proporcionar condições para que o cérebro possa ordenar com autonomia os movimentos de um corpo paralisado há muito tempo, com total e integral domínio físico e mental do homem, provocando seu verdadeiro renascimento, não há qualquer dúvida que o experimento alcançará seu objetivo e se transformará num dos grandes benefícios para a humanidade.
Porém, se refletir exclusivamente a atividade elétrica do comando digital da inteligência artificial, a máquina invadirá o corpo humano e nele modulará seu habitat de acordo com a performance de sua programação. E, no mesmo campo ficcional, será difícil perquirir qualquer responsabilidade da pessoa que, na realidade, age sob o comando de estímulos programados pela inteligência artificial. Por isso, talvez, seja chamada de artificial.
Deixa de existir o homem e passa a imperar a máquina. É a preocupação da humanidade.

1 Disponível aqui

2 Damásio, Antonio R. E o cérebro criou o Homem. Tradução Laura Teixeira Motta – São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 47.

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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