
Bolsonaro liquida conselho dos direitos da criança e do adolescente.
Decreto publicado hoje cassa mandatos de conselheiros, muda funcionamento do conanda e reduz participação da sociedade, deixando controle absoluto nas mão do governo.
Publicado por Rodrigo Gomes, Da RBA/05/09/2019
CLAUDIO FACHEL/PALÁCIO PIRATINI
Bolsonaro quer liquidar toda estrutura de proteção a crianças e adolescentes e agora ataca o Conanda.
São Paulo – O presidente da República, Jair Bolsonaro, liquidou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O decreto 10.003/2019, publicado hoje (5) no Diário Oficial da União (DOU), cassou o mandato de todos os conselheiros eleitos e empossado em março deste ano e mudou o funcionamento do órgão, definindo que os membros do conselho serão escolhidos por processo seletivo e não eleição. O presidente também reduziu a participação da sociedade civil de 14 para nove conselheiros, deixando o governo federal com maioria absoluta no colegiado – com 13 membros.
Para o advogado e ex-conselheiro do Conanda Ariel de Castro Alves, na prática, essa medida liquida com o Conanda. “Esse decreto significa uma extinção na prática do Conanda. Um ato ditatorial. Na semana em que foi revelado o caso brutal e chocante do adolescente negro torturado com chicote num mercado em São Paulo, o principal órgão deliberativo sobre políticas de proteção das crianças e adolescentes está sendo na prática extinto”, afirmou ele, que também é membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) de São Paulo. O professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Thiago Amparo viu a ação como um desmonte. “Governo confunde conselho participativo com um órgão de governo”, avaliou.
A ex-ministra dos Direitos Humanos e atual deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) considerou o decreto a “destruição do Conanda”. Para ela, a norma é “ilegal, inconstitucional e imoral” e pode embasar um pedido de impeachment do presidente. A parlamentar protocolou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para revogar o decreto. “Não podemos permitir este ataque aos direitos da infância, que devem ser prioridade para o Estado, e são garantidos constitucionalmente”, afirmou.
No final de agosto, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) encaminhou uma representação à Procuradoria da República no Distrito Federal, sugerindo uma ação civil pública para garantir funcionamento do Conanda. A procuradoria apontou que, desde o início do ano, o conselho tem dificuldade para funcionar. “Os problemas vão desde o adiamento da posse dos integrantes do Conselho, a irregularidades na convocação e realização de suas assembleias ordinárias, assim como a falta do suporte, principalmente financeiro, por parte do Ministério da Mulher, da Família e dos Direito Humanos”, diz a representação.
Para a PFDC, a situação demonstra que os integrantes do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos atentam contra os princípios da legalidade e lealdade às instituições. “Foi descumprida toda a Lei 8.242/1991, artigos do Decreto 9.579/2018 e da Resolução Conanda nº 116/2006, além dos artigos 26 e 50 do Regimento Interno do colegiado”.
Em agosto do ano passado, durante a campanha eleitoral à presidência da República, Bolsonaro manifestou o desejo de revogar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “O ECA tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”, afirmou, durante ato de campanha em Araçatuba, interior de São Paulo.
Criado em 1991, o Conanda é um órgão deliberativo das políticas públicas para crianças e adolescentes, inclusive com resoluções que regulamentam o ECA. Sua formação era paritária, com 28 conselheiros titulares e 28 suplentes, sendo 14 representantes do Poder Executivo e 14 representantes de entidades da sociedade civil eleitos em assembleia organizada pelas próprias organizações. Os atuais conselheiros tomaram posse em março e teriam mandatos até 2021. Agora o processo seletivo vai ser definido pelo governo Bolsonaro e não há previsão de quando isso vai ocorrer.
Dentre as mudanças feitas por Bolsonaro estão a própria definição do conselho. A finalidade expressa do Conanda era “elaborar normas gerais para a formulação e implementação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, observadas as linhas de ação e as diretrizes estabelecidas no ECA, além de acompanhar e avaliar a sua execução”. Agora ele é descrito apenas como órgão colegiado de caráter deliberativo, integrante da estrutura organizacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
Antes, 14 ministérios indicavam um membro cada, como parte da compreensão de que os direitos da criança e do adolescente são objeto de políticas transversais. Agora serão dois membros do MMFDH, três do Ministério da Economia, um da Justiça e Segurança Pública, um da Educação, um da Cidadania e um Saúde. O presidente do colegiado, que era eleito pelos membros, passa a ser escolhido por Bolsonaro. E as reuniões convocadas somente por vontade do ministério.
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REINCIDÊNCIA
Caso de rapaz chicoteado e torturado não foi o primeiro no supermercado Ricoy.
Novas imagens mostram outro homem amarrado e com marcas de agressões no mesmo estabelecimento.
Publicado por Redação RBA 05/09/2019

Imagens recebidas pelo Brasil de Fato mostra a vítima, com o rosto machucado, encostado em uma estrutura com o logotipo do Ricoy.
São Paulo – O jovem de 17 anos chicoteado por seguranças da rede Ricoy Supermercados, na zona sul da cidade de São Paulo, não foi a única vítima do estabelecimento. De acordo com imagens obtidas pelo Brasil de Fato, um outro homem foi amarrado pelos agentes e possui marcas de chicotadas, após tentar furtar alimentos e itens básicos de higiene. As fotos mostram o rapaz com o rosto machucado, encostado em uma estrutura com o logotipo do Ricoy. A reportagem não cita quando ocorreu o episódio de tortura.
O Brasil de Fato também recebeu um vídeo em que um funcionário do supermercado tortura psicologicamente uma criança. “Você vai ficar em uma cela cheio de moleques da sua idade, ou mais velho, tem uns lá que gostam de abusar de outro moleque. Olha que legal. Tem uns que vão te dar uma surra bem dada. Olha que legal”, diz o funcionário do comércio ao garoto que supostamente havia tentado praticar roubo.
O caso do jovem de 17 anos, divulgado nesta última segunda-feira (2), ocorreu em julho, mas não foi denunciado à época pelo adolescente por medo de retaliações. De acordo com o advogado e conselheiro do Conselho Estadual do Direito da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, que acompanha as investigações, o adolescente teria sido ameaçado de morte pelo principal agressor, identificado como Santos. A vítima também reconheceu o segundo segurança como Neto.
“Ainda na segunda-feira, estive no DP (Distrito Policia), o menino foi ouvido na delegacia e prestou seu depoimento de maneira sucinta, mas ele identificou os dois seguranças e citou nomes. Ele estava em situação de rua, sempre frequentava as imediações, então conhecia os seguranças”, explica Ariel, em entrevista à repórter Dayane Ponte, da TVT.
O mesmo supermercado também foi palco de outro caso de racismo envolvendo os seus seguranças. Em abril, ao sair do Ricoy, uma jovem foi abordada por dois seguranças armados, que exigiram que ela abrisse a bolsa. Assim como o rapaz chicoteado, a jovem é negra, explica a advogada da vítima, Ana Paula Freitas. “O que tem de familiaridade com os dois casos é que os dois são negros. Há denúncias que não chegam à polícia, mas os seguranças de supermercados fazem isso. Como uma pessoa negra chega na polícia e diz que foi agredida. Se ele for acusado de tentativa de furto, vão julgar primeiro o furto, depois a atuação dos seguranças”, lamenta a advogada.
A Justiça decretou, na noite desta quarta-feira (4), a prisão por 30 dias de Valdir Bispo dos Santos e David Oliveira Fernandes, os dois seguranças acusados de torturar o jovem. A informação foi confirmada pelo delegado Pedro Luis de Sousa, do 80º DP, na Vila Joaniza, zona sul da cidade. A decisão é assinada pela juíza Tatiana Saes Valverde Ormeleze.
Família de PM é dona de empresa.
A empresa KRP Valente Zeladoria Patrimonial, responsável pela segurança do supermercado Ricoy, no qual um jovem negro de 17 anos foi torturado por dois seguranças, tem como proprietária a companheira de um Policial Militar aposentado. De acordo com investigação da Ponte Jornalismo, Kátia Regina Pelacani tem conexão com o PM aposentado Cláudio Geromim Valente.
De acordo com o site do Grupo KRP, a empresa atua há 15 anos e presta serviços de portaria, segurança, instalação de câmeras e videomonitoramento, além de limpeza, paisagismo e jardinagem. Kátia é proprietária da empresa contratada pela rede Ricoy para cuidar da segurança na unidade localizada na avenida Avenida Yervant Kissajikian, região da Cidade Ademar, onde o jovem foi chicoteado.
A reportagem mostra que, em 2015, a KRP mudou seu endereço para a Avenida São João, número 2375, sala 815, localizada na cidade de São José dos Campos, no interior paulista. A troca ocorreu poucos meses depois que Cláudio criou a WVF Zeladoria Patrimonial jnto com seus irmãos Alfredo e Orlando Geromim Valente. Conforme registro abaixo, a empresa tem como “nome fantasia” é Grupo KRP Zeladoria Patrimonial e se localiza no mesmo endereço da empresa de Katia, KRP Valente Zeladoria Patrimonial que cuidava da segurança do Ricoy.
Em agosto de 1995, quando Valente tinha 29 anos e ainda estava na ativa, ele se envolveu na morte de um adolescente de 16 anos, na favela Lacônia 2, conforme reportagem da Folha de S.Paulo. “O crime aconteceu às 11h30. Segundo a polícia, o tenente Claudio Geromin Valente e três outros PMs estariam revistando o menor A.S.F., 16, na favela Lacônia 2, em uma ruela de dois metros de largura, quando a metralhadora Beretta de Valente teria disparado por acidente. A empregada diarista Valdirene Francisco Alves, 19, que estendia roupa na frente de seu barraco, foi atingida. Segundo os moradores da favela, Valente estaria sozinho e agredia o menor a coronhadas. A.S.F. teria se esquivado de um golpe e a arma, esbarrando em seu ombro, teria disparado”, aponta trecho da reportagem da época.
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