Falta combinar as mentiras
Por Carlos Brickmann/27 de junho de 2021
* O Ministério da Saúde comunicou ao Congresso, em documento oficial, a compra de 20 milhões de doses de Covaxin. O ministro da Saúde garantiu que o Ministério não comprou Covaxin. Um dos dois está mentindo. Pior: o ministro Queiroga, bolsonarescamente, foi grosseiro ao responder. Disse que estava falando em português. Mais ou menos: as vacinas de fato não vieram nem foram pagas. Mas isso porque um funcionário, duramente pressionado, tem um irmão deputado. E deputado bolsonarista, daqueles que acreditavam que o presidente não admitiria a compra de doses superfaturadas em 1.000%.
* Ao lado das mentiras, o besteirol. O ministro Onyx Lorenzoni, fazendo cara de bravo, disse que o presidente determinou que a Polícia Federal faça investigações sobre os denunciantes – não sobre o caso, mas apenas sobre os denunciantes. Como já se investiga o assunto, trata-se, creio, de coação no curso do processo. E que história é essa de “o presidente determinou”? A Polícia Federal deixou de ser um órgão de Estado e passou a ser a polícia do Governo? Peguem o Google: Moro acusou Bolsonaro de ter esse objetivo, e Bolsonaro desmentiu. Agora, Onyx confirmou o que Bolsonaro desmentiu.
* Quem centralizou a compra de vacinas antes que fossem contratadas pelo Ministério da Saúde foi um coronel, Elcio Franco, segundo homem do ministro Pazuello. O Ministério da Saúde é bonzinho: não se abalou com os mil por cento de superfaturamento.
Se não é a denúncia, emplaca a compra.
Informação (ou não)
De acordo com o documento enviado ao Congresso, a pedido do deputado Gustavo Fruet, esta é a quantidade e a marca das doses já contratadas:
Astrazeneca / importação TED Fiocruz – 12 milhões
Covax Facility – 42.511.800
CoronaVac – 100 milhões
Sputnik V / União Química – 10 milhões
Covaxin / Bharat Biotech – 20 milhões
Pfizer – 100.001.070
Janssen – 38 milhões
A vacina mais cara é a produzida pela Índia. Custa 50% mais que Pfizer ou CoronaVac. E ainda não está homologada pela Anvisa.
É cedo.
Note: o presidente Bolsonaro está especialmente mais agressivo. Insulta as repórteres – o que é simples: está sempre rodeado por segurança armada, o que certamente o deixa mais corajoso. Na sexta e no sábado, fez com que crianças arrancassem as máscaras, sem qualquer motivo. De um bebê, que a mãe desavisada pôs em seu colo, puxou a máscara, deixando-a à mercê de seus perdigotos – e do hálito, mas aí provavelmente não há problema: esse bafo liquida qualquer coronavírus, qualquer bactéria, qualquer protozoário.
Assistir ao desmonte de uma operação como a indiana é triste. Pior é ver que, como no caso de Roberto Jefferson, foi um aliado que botou tudo no chão. Ah, a maldita mania de não cumprir as promessas, achando que tudo acaba passando! E passa: o pessoal do Mensalão foi passado a ferro. O caro leitor nunca tinha ouvido falar nesse parlamentar? Pois é: o Waldomiro, no caso Mensalão, era desconhecido e de baixo escalão. Roberto Jefferson o chamava de “petequeiro”. Violaram, com Luiz Miranda, a regra básica dos políticos: “na minha ninguém põe”.
Na do maninho também não.
E agora, Jair?
A coisa é tão complicada que o Gabinete do Ódio passou imediatamente a investir contra Luiz Miranda. Imaginemos que tudo o que disseram dele seja verdade. E daí? Se é pilantra, que seja denunciado e julgado. Mas, sendo ou não pilantra, o que se discute é se os documentos que apresenta são ou não verdadeiros. Velhos tempos: há muitos anos, levantando um escândalo de corrupção para o Jornal da Tarde, levei a matéria pronta ao diretor do JT, Ruy Mesquita. Ele leu e comentou: “Puxa, você entrevistou só bandidos”. Expliquei: são as fontes disponíveis. Se o sr. me mandasse escrever sobre religião, eu ouviria D. Paulo, Madre Teresa de Calcutá, o padre Julio Lancelotti. Boi preto conhece boi preto. Quem dá informação sobre bandidos são os bandidos que convivem com eles”.
A reportagem foi aprovada.
Demora, mas…Falta mais de um ano para as eleições de 2022. A pesquisa Ipec (um novo instituto, formado por antigos funcionários do Ibope, que faz sua primeira pesquisa sobre 2022) levanta que Lula ganha no primeiro turno, com 49%. É mais que Bolsonaro (23%), Ciro Gomes (7%), João Doria (5% – empatados tecnicamente), Mandetta (3% – tecnicamente empatado com Doria). Brancos e nulos, 10%. Não sabem ou não respondem, 3%. Bolsonaro tem tempo de reagir. Mas essa vantagem de Lula sobre ele deve irritá-lo profundamente.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário