quinta-feira, 12 de maio de 2022

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Saiba o que são os Arautos do Evangelho, associação católica que está na mira da Justiça
Escrito por Redação, 15:23 / 10 de Maio de 2022. Atualizado às 15:59 / 10 de Maio de 2022.

Organização é investigação pelos crimes de assédio e tortura de crianças e jovens
Arautos do Evangelho
Legenda: A associação privada de pontífices possui unidades por todo o Brasil
Foto: divulgação
Aprovada pelo Vaticano em 2001, a associação privada de padres brasileiros Arautos do Evangelho é alvo de uma investigação pelos crimes de assédio e tortura de crianças e jovens nas unidades de São Paulo.
No mês passado, a Vara de Infância e Juventude proibiu novas matrículas e determinou que todos os menores de 18 anos em regime de internado retornassem para as próprias casas.
No início de maio, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que o caso não possui provas suficientes e derrubou a liminar de primeira instância, ao acatar o recurso dos advogados de defesa da organização.
A decisão da Corte frustra o grupo de 50 testemunhas da ação coletiva movida pela Defensoria Pública de São Paulo contra a instituição católica conservadora, que possui unidades em todo o País. As informações são do TAB, vinculado ao portal Uol.
O QUE SÃO OS ARAUTOS DO EVANGELHO?
Fundada pelo brasileiro João Scognamiglio Clá Dias, ex-integrante da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família, e Propriedade (TFP), ela foi aprovada pelo Vaticano em 2001.
A associação privada de pontífices possui unidades por todo o Brasil e oferece atividades extracurriculares a crianças e jovens em idade escolar, como aulas de música e canto.
O recrutamento dos estudantes acontece em igrejas católicas e em visitas de membros a escolas.
ALIENAÇÃO PARENTAL
Arautos do Evangelho
Legenda: O recrutamento dos estudantes acontece em igrejas católicas e em visitas de membros a escolas.
Foto: divulgação
Uma das testemunhas ouvida pela Defensoria paulista relatou ao TAB que tinha 10 anos quando teve o primeiro contato com a organização. Chamado Leonardo, nome fictício para proteger a identidade, o menino ficou encantado ao ver um grupo de pessoas vestindo hábitos medievais na quadra da escola, em 2014, enquanto tocavam música clássica. No local, havia um clima incomum.
"Aparentemente, era tudo muito bonito", descreveu ao recordar do cenário. "Até eu entender que era um inferno".
Quatro anos depois, em 2018, quando decidiu sair do grupo religioso, aos 15 anos, o jovem foi diagnosticado com transtorno de ansiedade generalizada — quadro que ele e a família atribuem à série de traumas sofridos no tempo que passou na instituição.
Leonardo foi um dos premiados com uma vaga no programa "Futuro e Vida", que possibilitava acesso a aulas gratuitas de arte e esporte na associação.
No início, ele frequentava a igreja dos Arautos aos fins de semana, mas foi estimulado a aumentar a frequência, acrescentando dois dias para o catecismo. No período de um ano ganhou bolsa de estudos na escola regular. Mas, em 2018, quando entraria para o Ensino Médio, foi indicado a uma bolsa no internato do Rio de Janeiro e a relação começou a desandar.
Na ocasião, segundo Leonardo, a instituição afirmava que só precisava da autorização da mãe dele para enviá-lo para a instituição, enquanto para a responsável os Arautos diziam que a bolsa não era garantida. As informações conflituosas supostamente oferecidas aos membros da família causaram desentendimentos entre eles.
"Comecei a brigar com a minha família, achando que eles estavam me impedindo de ir. Na verdade, os Arautos queriam me colocar contra meus pais", relatou ao TAB.
O jovem acabou fazendo o ensino médio em uma escola comum, ou "do mundo", como é definido pela organização as instituições não-religiosas. Durante o primeiro ano, chegou a continuar frequentando as missas da igreja vestindo os hábitos típicos da organização. "Mas passaram a me olhar estranho. Meus amigos deixaram de falar comigo. Me senti rejeitado", contou à publicação.
A denúncia sobre alienação parental é algo recorrente entre as testemunhas. O motorista Alex Ribeiro (nome fictício), de 43 anos, que viveu 18 anos nos Arautos, disse que os "parentes são chamados de FMR, 'Fonte da Minha Revolução'". Ele era responsável por arrecadar doações, e chegou a viajar o País, além de Portugal e Itália pela instituição.
Em 2013, Ribeiro tentou fugir da sede dos Arautos em São Paulo e foi internado em uma clínica psiquiátrica, onde, segundo ele, foi medicado, amarrado e levou choque.
O afastamento dos pais é algo instigado pela associação, segundo Ribeiro e outras testemunhas ouvidas pela reportagem.
"Eles diziam que, quando chegasse o fim do mundo, se fosse preciso, teríamos de matar os próprios pais para nos salvar".
Segundo o coordenador do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria, Daniel Palotti Secco, a alienação parental é a "a espinha dorsal" dos Arautos. Conforme o defensor público, o contato com a família é realizado por curtas ligações telefônicas ou mensagens em um único computador, comum a todos e em uma sala vigiada.
ISOLAMENTO DO MUNDO
As primeiras denúncias contra os Arautos do Evangelho começaram a ser reunidas em 2019 pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), a partir de acusações públicas realizadas por pais, responsáveis e ex-membros.
O órgão compilou denúncias de assédio e violência, além de constatar irregularidades pedagógicas. Conforme o presidente do conselho, Dimitri Sales, a escola da organização descumpre as diretrizes nacionais de educação e tanta impor a ideologia religiosa ao omitir conteúdos.
A partir da análise de apostilas usadas pelos alunos do internato da instituição, entre 2017 e 2019, o Condepe verificou que todas as referências bibliográficas são extraídas de livros de autoria de João Clá ou de Plínio Corrêa de Oliveira, criadores dos Arautos e da TFP, respectivamente.
O relatório indica que assuntos como reprodução humana e evolução são omitidos ou alterados conforme o pensamento religioso, e que nenhum dos materiais didáticos prepara os estudantes para o ingresso em universidades.
Em outubro de 2019, o conselho acionou a Secretaria de Educação do Estado, mas disse que "nada foi feito". À publicação, a pasta confirmou que recebeu o ofício e que intensificou a supervisão de ensino nos Arautos, com realização de diligências e elaboração de relatórios. Documentos que, segundo o comunicado, "foram encaminhados às autoridades competentes para compor o processo judicial".
A nota diz ainda que a secretaria "não pode exorbitar suas funções" além da "regulação e supervisão do ensino privado, quanto a aspectos administrativos e estruturais" e do "cumprimento pedagógico com base na Base Nacional Comum Curricular".
O QUE DIZ OS ARAUTOS DO EVANGELHO?
Em nota à reportagem, os advogados de defesa Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, que representam a instituição, frisaram que as acusações contra o grupo não são "verossímeis" e que a acusação de abuso sexual está arquivada desde maios de 2021 "a pedido do próprio Ministério Público do Estado de São Paulo, por serem absolutamente inverídicos os fatos".
"Atualmente, há inquérito policial apurando o cometimento, em tese, do crime de denúncia caluniosa sobre a conduta da parte denunciante."
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