Quinta-feira, 13 de maio de 2010
OU O BRASIL ACABA COM AS SAÚVAS, OU AS SAÚVAS ACABAM COM O BRASIL.
Quando o naturalista francês Auguste Saint-Hilaire fez pesquisas no Brasil, ainda no século XIX, ficou vivamente impressionado com os formigueiros e as variedades de formigas que infestavam os lugares por onde passou inclusive a temida saúva.
Entre o espanto e a incredulidade, o famoso botânico vaticinou: “Ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam com o Brasil”.
A frase caiu no gosto dos literatos tupiniquins, tanto que o "Macunaíma" de Mário de Andrade fala sobre a falta de caráter que o caracteriza, que “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são.”
As lendas, os contos infantis e as histórias de carochinha nos dão conta de Príncipes que viram sapo, passarinho, cachorro e outros tipos de animais.
Mas no Brasil os Príncipes há muito tempo estão virando saúva. Nas décadas de 50/60 uma frente de batalha fora aberta contra o pequeno animal em função da sua incontrolável capacidade de destruir tudo que encontrasse pela frente.
Dotada de presas de uma eficiência extraordinária, a saúva assustou o meio rural brasileiro, ainda carente de modernas tecnologias necessárias ao combate das pragas no campo, pelos enormes prejuízos que causava com a sua fome desmesurada. Milho, café, e outras preciosas culturas, sucumbiam diante da poderosa formiga.
Com o passar do tempo, os problemas criados pela saúva foram tomando uma dimensão administrável, novas tecnologias foram surgindo, seu combate foi ficando a cada dia mais eficaz – e ela deixou de ser o bicho-papão que se prenunciava.
Mas ao se retirar do palco das emoções nacionais, a saúva deixou um herdeiro muito mais poderoso: o mau político, o tal do homem público corrompido.
São os Príncipes de que nos fala Maquiavel.
Para efeito externo parecem perfeitos. Bem vestidos, bem arrumados, falantes, envolventes.
Interiormente, entretanto, deixam muito a desejar.
Tem funções de comando, influenciam, administram muito dinheiro e, em todo momento, mexem com a vida de milhares e milhares de pessoas.
Deveriam, como se vê, encarnar o papel de Príncipes tanto do ponto de vista político como no tocante ao espiritual.
Mas nem sempre é assim...
A diferença visual entre o Príncipe e a saúva é gritante. Moralmente a diferença deveria permanecer.
Mas tem muito Príncipe trocando o caráter e as vestes de Príncipe, talares, solenes, majestáticas, espiritualmente abençoadas, pela vestimenta obscura, fétida, e moralmente desprezível da saúva.
O Príncipe foi entronizado para edificar, construir, solidificar, consolidar, fortalecer. A saúva só existe para prejudicar, danificar, impedir, trabalhando tão somente em função de si mesma.
À saúva pouco importa o que acontece quando, através de suas presas afiadas, põe abaixo a folha que dá sustentação ao fruto. A ela pouco importa se seu gesto vai gerar a fome ou a escassez de provisão para alguém. Ela quer cortar, se locupletar, cuidar do que é seu, levar suas vantagens.
Quando um Príncipe vira saúva o estrago que causa à sociedade é enorme. De construtor passa a predador – e muitos sofrem em função dessa mudança.
Ah! Ia esquecendo de ressaltar a questão do cheiro.
O Príncipe usa os melhores perfumes, as essências mais refinadas. Sua aparência exterior tem de estar em dia com os manuais da moda, da etiqueta, do social. O perfume que exala é muito importante para causar boa impressão.
Já a saúva... Tem o cheiro do subterrâneo, do porão, de lugares escondidos, mal cheirosos, putrefatos.
As obras do Príncipe são idealizadas à luz do sol e concretizadas para o bem comum.
As obras da saúva se escondem da luz. Tudo que corta e carrega é levado para as sombras – para uso exclusivamente seu.
Mas o destino é cruel com a saúva. Ela nunca deixará de ser saúva. Inclusive de ter as suas péssimas qualidades.
Já o Príncipe tem retorno. Pode largar o cheiro, o odor, as vestes e o caráter da saúva e voltar a brilhar, a resplandecer na postura física, moral e espiritual de Príncipe. É só querer.
Mas será que quer?
As formigas cortadeiras existem há milhões de anos e são raras as espécies vegetais que elas não saibam atacar. A saúva tanto corta folhas em árvores gigantescas, deixa chover os pedaços, recolhe no chão; como corta arbustos, ervas e gramas.
Já vi saúva cortando aguapé no banhado.
Quando ela ataca, sabe ser tremendamente eficiente, sabe desfolhar um pomar inteiro em uma noite.
Ela tem, também, uma fantástica capacidade de reprodução. Além disso, uma colônia de formigas cortadeiras, uma vez estabelecida, a não ser que seja exterminada pelo Homem, tem longevidade indefinida, pode enfraquecer, mas se recupera e não morre.
Como numa sociedade humana, morrem os indivíduos, mas não morre o povo.
O mais preocupante, em nossas atuais paisagens, especialmente nas paisagens agrícolas e suburbanas, a saúva já não tem inimigos naturais.
O Tamanduá marcha para a extinção e os Tatus não vão muito atrás.
E São Miguel, como estará?
Temos ainda muitas saúvas?
Estão em extinção?
Ou resistem bravamente?
- transcrito do seu sítio Chãomiguelense, que também não existe mais.
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