terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

AS ANDANÇAS DE AUGUSTE DE SAINT HILAIRE PELO ESTADO DE SÃO PAULO.


CAPÍTULO 1

Descrição dos Campos Gerais 

A Araucaria Brasiliensis. - Rios e ribeiros; caldeirões. - Existência de diamantes em vários rios e suas margens. - Salubridade. - Quase todos os habitantes dos Campos Gerais são brancos; seus característicos e os de suas mulheres; seus costumes; suas boas qualidades; sua ignorância. - O comércio de animais. - Todos os proprietários vivem em suas fazendas. - Casas; mobiliário. - Reduzido número de escravos. - Preguiça. - A vida dos homens pobres. - Enorme quantidade de gado; seu preço; leite, manteiga e queijo; o sal na criação do gado e como o distribuem; bezerros; o rodeio; castração. - Criação de cavalos; a maneira de domá-los. - Carneiros; como são tratados. - Pastagens, macegas, verdes; queimadas. - A agricultura, a fecundidade do solo; o uso do arado; o milho; o algodão; o feijão; o trigo; o arroz; o linho; o fumo. - As árvores frutíferas: figueiras, vinhas, pessegueiros, cerejeiras, ameixeiras, macieiras e marmeleiros, pereiras, bananeiras. - São os Campos Gerais a melhor região do Brasil para o estabelecimento de colonos europeus.

Os Campos Gerais, assim denominados graças à sua enorme extensão, não constituem uma comarca nem tampouco um distrito. São eles como essas regiões que em todos os países, independentemente de divisões políticas, se distinguem pelo aspecto, natureza do solo e sua produção, e cujos limites vão até onde desaparecem as características que sugeriram a imposição de nomes particulares e daí por diante deixam de ter aplicação. Começam os Campos Gerais à margem esquerda do Itararé. A região é muito diferente da que a precede, a nordeste, e termina a pouca distância do Registro de Curitiba, onde o solo começa a diferençar-se e, às aprazíveis paisagens, sucedem-se sombrias e majestosas florestas. 

Inegavelmente, são esses campos uma das mais belas regiões por mim percorridas desde que chegara à América. Não tem eles a planura monótona dos campos de Beauce; nem por isso, entretanto, são as ondulações do terreno tão acentuadas que não permitam divisar-se enormes extensões de pastagens até onde a vista possa alcançar. Nas depressões do terreno surgem, esparsas, manchas florestais em que predomina a útil e majestosa araucária, cuja cor escura contrasta com o verde suave da relva. De quando em quando, deparam-se-nos, nas encostas das colinas, rochas a flor da terra, de onde cascatas se precipitam nos vales. Inúmeros muares e bovinos pascem no campo, dando vida à paisagem. As raras habitações são bem conservadas e circundadas de modestos pomares de macieiras e pessegueiros. O céu não é tão deslumbrante como nos trópicos, o que talvez seja mais conveniente à fraqueza da nossa vista. 

Referi-me alhures aos limites da região em que se encontra aAraucária Brasiliensis; disse que essa árvore 
muda de porte em suas diferentes fases de crescimento, a saber: quando nova, os ramos, parecendo quebrados, dão-lhe esquisito aspecto; mais tarde, arredonda-se como as nossas macieiras; adulta, lança-se, erecta, a grande altura, ostentando na extremidade superior um corimbo de ramos com feitio de prato, imenso e perfeitamente simétrico, de cor verde-escura; e, finalmente, acrescentei que as sementes, aliás comestíveis, e as escamas que formam cones enormes, quando atingem a maturidade, separam-se e espalham-se pelo solo. É a Araucaria Brasiliensis, alta, imóvel, elegante e majestosa, que mais contribui para dar aos Campos Gerais uma feição característica. Às vezes, essas árvores pitorescas elevam-se solitárias em meio dos campos, pompeando toda a beleza de seu porte e fazendo ressaltar, com a sua cor escura, o verde tenro da relva que se estende como um tapete sob as suas copadas. Em alguns lugares, encontram-se pequenas matas espessas constituídas exclusivamente de araucárias, e, enquanto à sombra dos nossos pinheiros crescem apenas algumas plantas raquíticas, em meio das coníferas brasileiras, e, em contraposição à rigidez de suas formas, vicejam inúmeras espécies de ervas e subarbustos de folhagem variegada e ramos delicados. As árvores que crescem ao lado das araucárias são geralmente de folhas tão escuras como as destas. Entretanto, em meio de matas limpas e procuradas pelo gado, encontra-se frequentemente uma árvore alta que não só pelo porte, como ainda pelo aspecto, sobressai à conífera brasileira; ao revés do pinheiro, que tem apenas alguns ramos espessos verticilados e recurvos como candelabros, ostenta a outra prodigiosa quantidade de galhos. As folhas das araucárias são verde-escuras, ao passo que as dessa árvore são brancas na parte inferior, assemelhando-se, vistas de longe, às do nosso salgueiro. É ela a vassoura-de-casca preta, assim chamada porque, a despeito do seu cerne branco, tem a casca tão preta como o ébano. Nas margens do Tibagi, já não é essa a árvore que contrasta 
com a Araucaria Brasiliensis, mas o salgueiro legítimo, de folhas estreitas, alongadas e esbranquiçadas, de ramos inclinados para o solo. 

A araucária não só ornamenta os Campos Gerais, como ainda é uma árvore muito útil aos habitantes da região. A sua madeira, de raros veios cor de vinho, pode ser empregada na carpintaria e na marcenaria, e, conquanto mais dura, mais compacta e mais pesada que o pinho da Rússia ou da Noruega, certo será eficientemente aproveitada na mastreação de navios desde que se estabeleçam fáceis meios de comunicação entre os Campos Gerais e o litoral. As suas sementes, mais ou menos de meio dedo de tamanho, apesar de não serem esfarelentas como a castanha, tem o sabor que lembra o desta e são até mais deliciosas. Em épocas imemoriais, contribuíram elas para a subsistência dos índios, que as denominavam ibá, a fruta, ou a fruta por excelência. Logo que os europeus desembarcaram na costa do Brasil, procuraram conhecer a árvore que as produzia e foi com essas sementes que, em grande parte, se alimentaram os antigos paulistas nas bárbaras expedições contra o Paraguai. Ainda hoje, os habitantes dos Campos Gerais comem pinhões e empregam-nos na engorda de porcos. Reconhecendo a grande utilidade dessa árvore, eles respeitam-na e não a derrubam sem necessidade, caso único no Brasil, e que assinalo com muito prazer. Aliás, devo declarar que mais meritório do que não destruir a Araucaria Brasiliensis, seria conservar tantas outras espécies preciosas que, diariamente, são derrubadas pelo machado do colono imprevidente. 

A Araucaria Brasiliensis, como os nossos pinheiros e abetos, dá, de preferência, em solo arenoso, e, para os 
habitantes dos Campos Gerais, a existência abundante dessas árvores é indício da impropriedade do terreno para a lavoura.

Além das florestas de araucárias, rios e numerosos riachos contribuem para o embelezamento e fertilidade da região. Não deslizam eles em álveo lodoso e a maior parte, o que é digno de registro, deriva, límpida e rápida, por cima de pedras chatas, e quando a água, como acontece com frequência, se precipita de um plano superior sobre o que fica abaixo, produz na pedra concavidades arredondadas a que dão o nome de caldeirões. Em alguns desses rios, principalmente no Tibaji e no Caxambu, existem diamantes que as águas depositam nos caldeirões, aonde os contrabandistas vão apanhá-los. Encontra-se também essa pedra preciosa, uma das riquezas da região, nas vizinhanças dos rios e dos arroios.

Um fato muito interessante demonstra como o clima dos Campos Gerais é diferente do clima do norte do Brasil. Em 1.819, houve ali tão grande escassez de víveres como em Minas, Rio de Janeiro e Goiás, todavia por causa diametralmente oposta. Foi a falta de água que nas citadas Províncias prejudicou as plantações, ao passo que naquela região a carestia se originou das chuvas torrenciais que não permitiram se queimassem as derrubadas.

De qualquer modo, não incorrerá em erro quem, de acordo com o que tenho escrito, supuser que os Campos Gerais sejam uma zona saudável. Conquanto gele no inverno, pode-se dizer que o clima é temperado. Os ventos são frequentes; o ar circula livremente por toda parte; as águas, apesar de inferiores às da parte oriental de Minas Gerais, entretanto são boas; não existem charcos em quase nenhum lugar, e os rios, como vimos, correm em leitos pedregosos. De 26 de janeiro a 4 de março de 1.820, talvez não houvessem passado dois dias seguidos sem chuva, sendo aliás, por essa época do ano que ela cai com maior intensidade. Não ocorrem aqui as prolongadas 
secas de seis meses que em Minas e Goiás tão penosamente influem no sistema nervoso, e desconhecem-se as sezões ou febres intermitentes, tão comuns nas margens do Rio Doce e do São Francisco. Constantemente montados a cavalo, arremessando o laço ou reunindo o gado, galopando pelos campos e respirando ar puro, os habitantes dos Campos Gerais são sadios e robustos. É avultado o número de pessoas idosas; mas sabemos de sobejo que até nos países mais favorecidos pela Providência, as doenças jamais abdicam dos tristes direitos que têm sobre a nossa natureza. São o defluxo, a asma e as hemorroidas as enfermidades predominantes nos Campos Gerais, cumprindo-nos dizer, todavia, que infelizmente as doenças venéreas são aqui tão comuns como em outras regiões do Império do Brasil. 

Seria erro pensar-se que a maior parte dos habitantes dos Campos Gerais se compõe de mestiços. Encontram-se ali muito mais homens realmente brancos que nos distritos de Itapeva e Itapetininga, tendo eu verificado que quase todos os operários da vila de Castro pertenciam à nossa raça. Assim, não é de admirar que, a despeito de sua profunda ignorância, os habitantes dos Campos Gerais tenham melhor pronúncia e falem mais corretamente o português que os das vizinhanças da cidade de São Paulo, e não deem ao ch o som de ts e ao g o de dz, alterações introduzidas na língua portuguesa pelos índios, com os quais os colonos dos distritos de Castro e Curitiba pouco se misturaram. 

Muito diferentes dos pobres mestiços que povoam os campos das circunvizinhanças de Itapeva, os habitantes dos Campos Gerais são geralmente de alta estatura e boa compleição, corados e de cabelos castanhos, revelando a sua fisionomia bondade e inteligência.

As mulheres são geralmente muito bonitas, de tez rosada e traços delicados, características que ainda não havia observado em nenhuma brasileira. É verdade que não são dotadas dessa vivacidade que distinguem as francesas; caminham com lentidão e fazem poucos movimentos. Assim mesmo, porém, não se mostram acanhadas como as mulheres de Minas quando, por acaso, se encontram com pessoas estranhas (1816/22). Nos Campos Gerais, elas raramente se escondem à aproximação dos homens, acolhem os hóspedes com urbanidade simples e graciosa, são amáveis e, conquanto não sejam dotadas da mais rudimentar instrução, conversam encantadoramente.

Ao entrar nos Campos Gerais, não só me surpreendi com o aspecto da região, para mim inteiramente novo, como fiquei, de algum modo, desorientado com os hábitos dos colonos, completamente diferentes dos que observara entre os mineiros e até entre os habitantes do norte da Província de São Paulo. Os homens andam sempre a cavalo, e a galope, e usam um laço de couro atado à sela de feitio particular, denominada lombilho. As crianças, até as de mais tenra idade, aprendem a atirar o laço, a fazer o rodeio e a perseguir os cavalos e os bovinos. Vi uma delas, de três a quatro anos de idade, que já sabia manejar o laço em torno da cabeça e a atirá-lo destramente. Quase não possuem outras ideias além das que se relacionam com a criação do gado. A ignorância é extrema; quem sabe ler e escrever é tido na conta de homem instruído e entre os mais importantes proprietários existem muitos que não possuem esses conhecimentos (1.820), como, por exemplo, um coronel da milícia que gozava de justa reputação pela sua liberalidade e pela sua riqueza. Por toda parte encontrei pessoas hospitaleiras, boníssimas, que não eram destituídas de inteligência, e, no entanto, de ideias tão pouco desenvolvidas que eu não podia com elas manter conversação por mais de um quarto de hora.

Seria de esperar que o clima temperado dos Campos Gerais incitasse o homem ao trabalho; mas a espécie de ocupação que a própria natureza, por assim dizer, o obrigou a adotar, tornou-o preguiçoso. A criação do gado requer pouco cuidado; os que a ela se dedicam, trabalham intermitentemente, sendo essa ocupação mais um divertimento que outra coisa. Galopar nos campos imensos, arremessar o laço, dar batidas para conduzir o gado a lugar conveniente, isto é, fazer o rodeio, são para gente moça exercícios que lhe torna odioso o trabalho sedentário. E, desde que não montem a cavalo, não tanjam vacas e touros, entregam-se ordinariamente ao repouso.

Não se pense, porém, que os habitantes dos Campos Gerais nunca se afastam da terra. Homens de todas as condições sociais, operários e lavradores, uma vez adquirido algum dinheiro, vão ao Sul comprar muares chucros para revendê-los em sua própria região ou levá-los a Sorocaba.

Os proprietários abastados dos Campos Gerais não fazem como os dos termos de Itapeva e Itapetininga. Estes auferem as rendas longe de suas propriedades; os outros têm o bom senso de residir em suas terras. As casas, apesar de não terem a magnificência que se observa nas fazendas dos antigos mineiros, são limpas e, como já declarei, muito bem conservadas. O mobiliário é extremamente simples, consistindo o da sala de visitas em uma mesa e bancos de pau. Da mesma forma que em Minas, é na guarnição das camas que ostentam maior luxo; não usam cortinados, mas os lençóis são de fazenda finíssima e bordados em volta. O travesseiro é metido num saco de musselina que se abotoa por um dos lados, e sobre este colocam outro travesseiro menor, todo bordado. Nas residências dos proprietários ricos, servem chá com queijo, biscoitos e doces, em lindas bandejas envernizadas, luxo esse em contraste com a singular penúria da casa.


Desfrutam os Campos Gerais de vantagem que devo ressaltar. A criação do gado, a que todos geralmente se dedicam, requer poucos escravos, ao contrário do que acontece com o fabrico do açúcar e a mineração. O abastado coronel Luciano Carneiro, de quem falarei mais adiante, possuía apenas trinta, e em todo o termo da vila de Castro, no ano de 1.820, existiam quinhentos, pertencentes a reduzido número de pessoas. Os lavradores pobres não os possuem, pois eles próprios fazem suas plantações, visto que o trabalho não é considerado uma ignomínia, como em muitos lugares da Província de Minas, à época de minha viagem. 
Conquanto ninguém tenha vergonha de trabalhar, a verdade é que ali, como em qualquer outra parte do Brasil, se trabalha o menos possível. A vida dos que quase nada têm de seu, muito pouco difere da que levam os índios não domesticados. Plantam o estritamente necessário para a subsistência da família e passam meses inteiros no mato, entregues à caça de animais selvagens; aí constroem barracas e alimentam-se do que podem apanhar (1.820).
Possuem os proprietários mais abastados enorme quantidade de bovinos. Só na fazenda de Jaguariaíba o coronel Luciano Carneiro tinha cerca de duas mil vacas, sem contar os touros e novilhos. 

Não obstante ser de boa raça, o gado é inferior ao da comarca de São João del‑Rei, na Província de Minas. Pude compará-los na fazenda de um proprietário que fizera vir alguns touros daquela comarca. 

Negociantes compram os novilhos nas fazendas e vendem-nos quase todos no Rio de Janeiro. Alguns anos antes de minha viagem, quando ainda enviavam tropas do Rio Grande do Sul para a capital, vendiam-se os bois, nos Campos Gerais, a quatro patacas ou 1$280 (8 francos); ao tempo em que ali estive, o preço em vigor era de 
5$000 (31 francos 26 centavos), custando 6$000 (37 francos 50 centavos) uma vaca de ótima qualidade. As dessa espécie dão quatro garrafas de leite por dia, além do que se nutrem os bezerros. 

Os laticínios são muito bons e constituem o principal alimento dos pobres e dos escravos. Foi-me servida excelente manteiga em casa do sargento-mor da vila de Castro; mas dificilmente a encontraríamos em qualquer outra parte. Se os habitantes dos Campos Gerais quisessem dar-se ao trabalho de fabricá-la, aufeririam grandes lucros, enviando-a, via Paranaguá, para o Rio de Janeiro, onde esse produto é importado da Europa e vendido, geralmente, por preço elevadíssimo (1.820). Os queijos dos Campos Gerais não são inferiores aos de Minas, mas fabricam-se também em pequena quantidade. Ocupação sedentária, a indústria de laticínios não seduz a homens afeiçoados aos violentos exercícios de equitação ou ao mais absoluto repouso. 

Como nas demais regiões do Brasil, o gado vive à solta nos campos; entretanto, é ele, talvez, menos selvagem que o da Europa, onde se cria em estábulos. Deve-se atribuir a sua domesticidade ao hábito de lhe darem sal. Achava‑me na fazenda de um abastado proprietário no momento em que os vaqueiros tangiam vacas e bezerros para o curral; pusera-se o meu hospedeiro a chamar os animais pronunciando as palavras toma, toma, como o fazem quando procedem à distribuição do sal, e, instantaneamente, eles aproximaram-se e rodearam-nos. 

Aqui, como nas zonas de Minas Gerais e Goiás, onde não existem terras salitrosas, são os criadores obrigados a dar sal aos bovinos, desde que queiram conservá-los gordos; mas a distribuição é menos frequente que em certas regiões da Província de Minas, talvez porque o capim dos Campos Gerais é mais nutritivo que o capim‑gordura. Alguns criadores fazem a distribuição de dois em dois meses; outros, apenas quatro vezes por ano. O proprietário da fazenda de Fortaleza mandava dar, de cada vez, um alqueire (40 litros) de sal para cem animais, e é possível que todos adotem a mesma proporção. Para chamar o gado à distribuição, os vaqueiros, galopando pelo campo, gritam, como acabei de dizer -toma, toma; vacas e touros soltam mugidos e acorrem de todos os lados. O sal é derramado no solo, em montículos, escolhendo-se para a distribuição lugares situados nas proximidades de algum ribeiro. O gado, após ter comido o sal, vai dessedentar-se, volta, come o que restara, lambe a terra e só abandona o local depois de consumido o último grão do manjar predileto. 

Pode-se calcular, anualmente, nessa região, a quantidade de novilhos em um quarto do número de vacas existentes. Na realidade, nascem mais bezerros do que se poderia supor, ao verificar-se a reduzida quantidade de novilhos; uns, porém, são vitimados pelas doenças e outros são roubados ou devorados pelos animais ferozes.

Logo que as vacas dão cria, deve-se cuidar principalmente dos bezerros, a fim de extirpar-se os vermes que lhes aparecem na cicatriz umbilical. Os vaqueiros, a cavalo, dispersam-se pelo campo, cercam determinadoespaço do terreno, fazem uma batida, procurando os bezerros nos lugares afastados e ocultos onde as vacas costumam parir, aproximam-se pouco a pouco, tornando o cerco cada vez mais apertado, e conduzem o gado para local previamente escolhido. Aí, procedem ao exame e levam para a fazenda os bezerros que precisam ser submetidos a tratamento, sendo as mães conduzidas juntamente com eles. São essas as únicas vacas das quais se aproveita o leite, perdendo-se o das que continuam soltas. Nas fazendas de grande extensão precisam-se de muitos dias para percorrê-las inteiramente. Em Paranapitanga, por exemplo, fazia-se um rodeio por dia, voltando-se ao primeiro, depois de percorrida toda a fazenda, só no fim de uma semana. 

Marcam o gado aos dois anos e castram os touros aos quatro; deixam estes a engordar durante um ano e vendem-nos em seguida. 
Alguns criadores, ao castrarem os touros, arrancam-lhes os testículos inteiramente; outros, chegam ao mesmo resultado pondo em prática diferente operação. Vou descrevê-la tal como a vi fazerem na fazenda de Morungava, a que me referirei mais adiante. São os touros presos no curral, que, segundo já disse alhures, é uma cerca geralmente quadrada construída de estacas compridas e grossas. Um vaqueiro laça o touro pelos chifres e outro por uma 
das pernas traseiras; e, enquanto ambos puxam os laços em sentido contrário, um terceiro vaqueiro tomba o animal, puxando-lhe a cauda para baixo. Deitado o touro de flanco, ligam-lhe as pernas traseiras, colocam-lhe a cauda debaixo das coxas, passam em torno dos chifres o laço que lhe prende as pernas, aproximam estas da cabeça, de modo que os testículos fiquem por fora das coxas; finalmente, por cima delas prendem os escrotos a um pedaço de madeira de cerca de quatro pés de comprimento, apoiado ao solo. Terminados esses preparativos, um vaqueiro desfere fortes pauladas sobre a parte dos escrotos presa ao pedaço de madeira. Por esse meio, destroem os vasos espermáticos e, finda a operação, desamarram o boi que se vai juntar aos outros. Dizem os criadores que preferem esse método porque a ablação frequentemente ocasiona feridas e bicheiras difíceis de curar. Durante a castração, alguns touros soltam mugidos horrendos; a maior parte, porém, suporta a dolorosa operação com maravilhosa serenidade. Asseguraram-me que, com esse método, vão os testículos diminuindo de volume, pouco a pouco, e acabam por desaparecer quase completamente.
Também criam cavalos nos Campos Gerais. O meu excelente hospedeiro de Jaguariaíba, coronel Luciano Carneiro, além de bovinos, possuía oitocentas mulas e comprava no Sul cavalos chucros, que revendia com lucro, depois de domá-los. Tive oportunidade de ver porém em prática o meio adotado para conseguirem esse fim, e vou descrevê-lo. Logo que o negro domador montara um dos cavalos chucros, passaram os outros animais de um curral de pequenas dimensões, onde eles se achavam, a bem dizer, amontoados, para outro maior, separado do primeiro por uma barreira. Laçaram pelo pescoço um dos cavalos, que estacara imediatamente, e fizeram retornar os outros ao curral menor. Posto o freio no cavalo que fora laçado, amarraram-no a um moirão, atiraram-lhe ao lombo uma sela pequena chamada lombilho, e o negro domador montou-o. Não deixei de admirar o sangue frio e a absoluta tranquilidade desse homem. Por mais fogoso que fosse o cavalo, quanto mais saltos este desse, quanto mais movimentos ele fizesse, não notei na fisionomia do negro domador a mínima alteração. Se o animal caía por terra, o domador saltava destramente e tornava a montar, sem proferir palavra. Dentro de alguns instantes, o domador conduziu o cavalo chucro para fora do curral e o ajudante, montado num cavalo domado a que denominam madrinha, passou a galopar à frente ou ao lado daquele e, cerca de dez minutos depois, ambos os cavaleiros voltaram ao curral; o cavalo chucro parecia mais manso e deixaram-no escapar-se para o campo. Segundo me afirmaram, bastam dois ou três meses de exercícios como esse para domar-se o mais fogoso cavalo.

A raça equina dessa região é miúda e não se me afigurou de boa estampa.

Todos os proprietários de fazendas possuem rebanhos de carneiros. Eles, porém, não vendem esses animais e poucas pessoas comem sua carne (1.820); criam-nos unicamente para aproveitar a lã, de que fazem cobertas e outros tecidos grosseiros. Em geral, deixam os cordeiros e as ovelhas pastar livremente, e, apesar de os animais viverem nas proximidades das habitações, alguns criadores 
recolhem-nos à tarde ao curral, onde ficam resguardados dos ataques dos animais carnívoros. Quando as ovelhas dão cria, têm alguns fazendeiros o cuidado de recolher os cordeiros ao estábulo, subtraindo-os, destarte, à voracidade dos caracarás, que, segundo dizem, lhes comem a língua. Costumam tosquiar os carneiros em fins de agosto, antes do verão. Têm eles maior avidez pelo sal que os bovinos, e os criadores mais desvelados administram-lhes esse alimento de quinze em quinze dias. 

Ao que até aqui escrevi com referência aos Campos Gerais, preciso acrescentar que são as enormes pastagens a sua principal fonte de riqueza. Elas são excelentes e oferecem ao gado a mais nutritiva alimentação; exceto nos meses de geadas, conservam-se tão verdes como as nossas pradarias na primavera, sem que, entretanto, se esmaltem de tão grande variedade de flores. A relva que as constituem, quando nova, é extremamente fina e tem a denominação de capim‑mimoso. 

Como em Minas e Goiás, queimam-se os pastos a fim de que o gado encontre, na erva tenra que nasce depois do incêndio, nutrição agradável e substanciosa. Da mesma forma que os criadores do distrito do Rio Grande, perto de São João del-Rei, os dos Campos Gerais dividem o pasto em várias porções a que ateiam fogo sucessivamente, de modo que os animais tenham sempre erva nova. Conforme a extensão das fazendas, queimam-se no correr do ano duas ou três porções de campo, a primeira em agosto, a segunda em outubro e a terceira em fevereiro. Só incendeiam os pastos que tenham, pelo menos, um ano, havendo-se observado que, quanto mais antiga é a relva, com maior vigor ela nasce.

Ao capim novo, chamam verde; ao antigo, macega. O primeiro apresenta-se quase rente ao solo, ao passo que o segundo atinge mais ou menos a altura do que reveste os nossos prados. Vi, a 13 de fevereiro, queimarem um campo. O fogo consumira as hastes e as folhas secas e apenas chamuscara as que ainda estavam verdes; estas remanesceram, formando manchas no solo, e o campo, após a queimada, assemelhava-se aos nossos prados quando ceifam o feno e, ao fazerem as medas, o ancinho deixa de apanhar as hastes que escaparam aos segadores. Três dias após, o campo começa a reverdecer e ao cabo de uma semana o gado já pode encontrar ali com que se alimentar. Os campos frequentemente queimados e os incessantemente trilhados pelos animais, ficam enfraquecidos: rareiam as gramíneas, e vegetais, em geral subarbustos, pertencentes a outras famílias, tomam o seu lugar. Nunca se encontram, por exemplo, pastos bons em torno das moradias; mas pode restituir-se a primitiva fertilidade aos que a perderam, deixando por algum tempo de atear-se-lhes fogo. Em fevereiro, quando ali estive, nenhuma flor encontrei nas macegas; entretanto, havia uma infinidade delas nos trechos de campo que fazia muito tempo não tinham sido queimados.

Nos excelentes pastos dos Campos Gerais invernam as numerosas tropas de muares que vêm do Rio Grande do Sul divididas em pontas de quinhentas a seiscentas mulas. Essas tropas chegam em fevereiro, após atravessarem, entre Lapa e Lajes, os sertões de Viamão, onde emagrecem extraordinariamente; muitas vezes, não continuam, de imediato, a viagem, a fim de que os animais repousem até o mês de outubro e só então prosseguem a jornada para Sorocaba. No começo da invernada, fazem regressar, a exceção de dois ou três, os camaradas que auxiliaram a conduzir as tropas até ali e tomam outros quando reencetam a viagem.

Todos os proprietários de fazendas nos Campos Gerais são criadores; cultivam a terra unicamente para atender às próprias necessidades e não exportam nenhum produto (1.820), a despeito de a região ser favorável a todos os gêneros de cultura adequados ao clima. São suas principais produções o milho, o trigo, o arroz, o feijão, o fumo e o algodão.
O sistema agrícola geralmente seguido pelos habitantes da região é o de todo o país; como em Minas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Goiás, derrubam a mata, queimam-na e semeiam nas cinzas. Observa-se, porém, que, na cultura do trigo, empregam a charrua e sabem preparar a terra convenientemente. Esse desvio de uma prática fundamentalmente destrutiva é feliz augúrio para a agricultura brasileira e esperamos que os habitantes dos Campos Gerais não restrinjam à cultura do trigo o uso da charrua e que o exemplo que venham a ter a glória de dar, seja imitado nas Províncias mais setentrionais do Império do Brasil.

Mas se deve dizer que existem poucos lugares em que o método deficientíssimo adotado pelos lavradores brasileiros possa ser aplicado sem inconvenientes, como acontece nos Campos Gerais. Favorecida em tantos sentidos pela natureza, goza essa região de enorme vantagem: as terras não se exaurem em poucos anos, como na Província de Minas, e se tal ocorre, é fácil torná-las novamente fecundas, deixando-as repousar por algum tempo.

É também em solo devastado pelo fogo que plantam o milho. Semeiam-no uma só vez nos terrenos em que a mata nunca fora derrubada; após a colheita, deixam a terra repousar durante quatro anos. Decorrido esse tempo, roçam e queimam as capoeiras que substituíram 
a mata virgem, e, de quatro em quatro anos, poderão semear no mesmo terreno, desde que tenham o cuidado de afastar dali o gado. Há lugares em que as capoeiras se tornam densas e poderão ser derrubadas ao cabo de dois anos, e as de dezoito anos têm o mesmo vigor das próprias matas virgens. Plantam o milho em novembro, mais ou menos antes das grandes chuvas, e colhem-no em junho. Na verdade, acha-se maduro desde abril e maio; mas tem-se observado que essa gramínea apodrece quando procedem à colheita antes que a geada a tenha acabado de secar, e, por essa razão, esperam o mês de junho para apanhar as suas espigas. O milho, que, em outras regiões do Brasil, chega a dar até 400 por 1, não produz ali mais de 100 a 150.

O limite do cultivo da cana-de-açúcar e dos cafeeiros no planalto de São Paulo, fica aquém dos Campos Gerais; o do algodoeiro, porém, planta mais resistente ao frio, vai, nesta região, até cerca de 20 léguas antes de Curitiba. Além do lugar denominado Serra das Furnas, os capulhos do algodoeiro ainda não estão maduros quando sobrevêm as geadas, e, portanto, será inútil cultivá-lo nessas paragens; mais ao norte, pelo contrário, só começa a gear depois da colheita, e, terminada esta, tem-se o cuidado de cortar as hastes do algodoeiro, que poderia perecer com o frio. Seria ocioso dizer que o 
algodão colhido numa região cuja temperatura é tão diferente da que melhor convém a esse produto, é de inferior qualidade.

O feijão é plantado em outubro e colhido em janeiro, dando cerca de 150 por 1. Quando o semeiam juntamente com o milho, nada produz.

Cultivam o trigo nos campos e em terrenos que antes haviam sido de mata virgem. Não o plantam, semeiam-no. E a produção será mínima se o semeiam imediatamente depois do desmatamento do local; por isso, tem-se o cuidado de cultivá-lo nas capoeiras e nos campos. Quando querem cultivar uma parte do campo, começam por soltar ali o gado, e depois lavram a terra, semeiam à mão e cobrem as sementes fazendo passar por cima, à maneira de grade, um ramo de árvore puxado por bois. Semeiam o trigo candial dois ou três anos consecutivos no mesmo terreno, sem que, durante esse tempo, os animais ali entrem. Decorridos dois ou três anos, tornam a soltar o gado no terreno, desde dezembro, época da colheita, até o tempo da semeadura, que se faz em junho; o campo conserva-se adubado pelo período de dois ou três anos, e, desse modo, podem os lavradores semear permanentemente no mesmo local. Na extremidade meridional dos Campos Gerais semeiam em junho e segam em dezembro; no lado oposto, procedem à semeadura em março e à colheita em setembro ou outubro. Segundo observaram os agricultores, parece que quanto mais intensa é a geada, tanto maior é a colheita. O trigo cultivado nessa região é barbudo e produz grãos muito pequenos; não me recordo, aliás, de que até então houvesse visto outra espécie de trigo nas diversas partes do Brasil por mim percorridas. Quer nos campos, quer nos terrenos que antes haviam sido cobertos pela mata virgem, esse trigo dá cerca de 16 por 1; mas, como sucede em Minas, os lavradores queixam-se muito dos danos causados pela ferrugem. O pão que fazem nos Campos Gerais é muito alvo e saborosíssimo. No que respeita ao que acabei de dizer acerca da pequenez dos grãos do trigo cultivado no Brasil, parece-me evidente que esse cercal diminuiu de tamanho neste país, como já havia acontecido no Paraguai, conforme nos diz Azara. Assim, pois, será de grande necessidade importem da Europa novas sementes, e, se não tomarem essa medida, a degenerescência continuará a progredir, uma vez não ser provável estacione no ponto em que hoje se encontra.
Cultivam o arroz nas margens dos rios, principalmente nas do Assungui que, segundo já disse, é o começo da Ribeira de Iguape. Plantam-no em setembro, lançando-o em pequenas porções nos buracos abertos com a enxada, a um palmo (22 centímetros) de distância uns dos outros. Os arrozais são mondados uma vez, não havendo, entretanto, tal cuidado com as plantações de milho, nem com as de feijão ou de trigo.

O fumo é também plantado nos pastos e nas capoeiras, após serem derrubadas e queimadas. Quando preferem 
estas, adubam a terra e revolvem-na com a enxada; se escolhem os pastos, apenas lavram-nos com a charrua. Semeiam o fumo em canteiros, de S. João a meados de agosto, e, antes da época da transplantação, deixam menos densos os canteiros, arrancando-se vários pés, de modo que fique o espaço de um palmo (22 centímetros) entre os restantes. Em outubro, transplantam as mudas, dispondo-as em quincunce, a quatro palmos (88 centímetros) de distância umas das outras. Conservam a terra sempre limpa, amontoam-na em torno das plantas e cortam as folhas inferiores. Em janeiro, quando os botões começam a aparecer, podam o cimo de cada pé e, daí por diante até fevereiro, época da colheita, eliminam, de oito em oito dias, os brotos que se formam na base do caule e na axila das folhas. Reconhece-se que a planta atingiu a sua maturidade, quando, dobrando-se-lhes as folhas, estas se quebram. Experimentam-se as do alto, e uma vez que estejam em condições de ser colhidas, as de baixo também certamente o estarão. Apanhadas as folhas, suspendem-nas no secador, a duas e duas, uma sobre a outra. O secador consiste em duas varas compridas cravadas no solo e nas quais se pregam, intervaladamente, aos pares, varetas transversais, uma de um lado da vara e a outra do lado oposto, de modo que fique entre ambas o espaço correspondente à espessura da vara e pelo qual, para pendurá-las, se passam as folhas. Deixam-nas algum tempo no secador, armado sob um telheiro, ao abrigo do tempo. Extraída a sua nervura média, fiam-nas em um cilindro ao qual é preso um torniquete. Fiada certa quantidade de corda de folhas de fumo, estendem-na sobre bastões; duas vezes ao dia, torcem no cilindro essas cordas e estendem-nas novamente, repetindo a operação até que o produto adquira os requisitos exigidos pelos consumidores.
Algumas pessoas tem semeado linho nos Campos Gerais com ótimo resultado, sendo-me assegurado que se podem fazer três colheitas por ano. Havia nas vizinhanças da fazenda de Jaguariaíba um homem da comarca de São João del-Rei que plantava linho e dele fazia tecidos com os quais vestia toda a sua gente. Teria sido fácil aos lavradores das cercanias saberem qual o processo por ele utilizado, mas ninguém quis dar-se ao trabalho de pedir-lhe informações. A cultura do linho poderia, entretanto, ser de grande utilidade aos habitantes dos Campos Gerais. Ninguém ignora quanto os nossos tecidos de linho, tão frescos e tão agradáveis de usar, eram procurados nas zonas tropicais da América, antes de as nossas guerras com a Inglaterra terem obrigado os colonos a contentar-se com os tecidos de algodão. Se eles tornassem a encontrar, procedentes de seu país, os de cânhamo ou de linho (bretanha da França), cuja falta, na minha presença, lamentavam com amargura, certo não hesitariam em voltar a usá-los.

Nessa bela região não cultivam somente o nosso linho e os nossos cereais; plantam também, com bons resultados, quase todas as nossas árvores frutíferas. Infelizmente, como já tive ensejo de dizer a época das grandes chuvas coincide com a em que as frutas começam a amadurecer e, por isso, elas nunca ou quase nunca chegam a sazonar inteiramente. Devemos, entretanto, excetuar os figos, que, como os de Minas, são excelentes. Saboreei também em fevereiro ótimas uvas brancas; mas, em geral,essas frutas, como as outras, não amadurecem completamente. O calor intenso não prejudica a vinha, mas é necessário que à temperatura sensivelmente elevada não se alie excessiva umidade: as uvas que amadurecem em Goiás, à época da seca, apenas refrescadas pelo orvalho, são deliciosas; as dos Campos Gerais são medíocres. O pessegueiro já se acha aclimatado nessa região chegam a utilizá-lo na feitura de cercas vivas. Como em São Paulo, dentre as árvores frutíferas, é a primeira que floresce; anualmente, no mês de agosto, caem-lhe as folhas, imediatamente depois cobre-se de flores e produz enorme quantidade de frutos que começam a ser apanhados em fevereiro. As cerejeiras e ameixeiras frutificam desde janeiro, e nos primeiros dias de fevereiro ainda comi ameixas que achei ótimas, a despeito da espécie a que pertenciam. Inicia-se a colheita das maçãs e dos marmelos em fevereiro e continua-se a apanhá‑los até abril. Disseram-me que as pereiras dão bons frutos. Quanto às bananeiras, muito embora se possa considerar a vila de Itapeva o ponto extremo em que no planalto de São Paulo se cultiva essa musácea, conseguem-se ainda ótimas bananas nos Campos Gerais, desde que se escolham sítios favoráveis e se dispensem à planta cuidados especiais. 

Do que acabo de dizer, pode-se concluir que não exagero em dar aos Campos Gerais a denominação de Paraíso terrestre do Brasil. Dentre as regiões do Império até então por mim percorridas, não existe outra em que se poderia estabelecer com melhor resultado uma colônia de agricultores europeus; ali, eles encontrariam clima temperado, ar puro, frutas de seu país e terras em que poderiam entregar-se, sem grandes esforços, a todos os 
gêneros de cultura a que estão acostumados. Como os habitantes da região, criariam gado, aproveitando o esterco na fertilização das terras, e com o leite, tão gordo como o das zonas montanhosas da França, fabricariam manteiga e queijo que encontrariam mercados consumidores nas Províncias do norte do Brasil. Assim, por exemplo, quanta vantagem não teria advindo para essa região se, ao invés de localizarem a colônia suíça em Cantagalo, houvessem-na estabelecido na zona dos Campos Gerais, vizinha das terras habitadas por índios não domesticados. Pelo número, teriam os colonos intimidado esses bárbaros e posto a região ao abrigo de suas incursões depredatórias 
e teriam ainda ensinado aos antigos moradores os métodos agrícolas europeus que certamente poderão ser aplicados nessa região e, segundo toda a verossimilhança, dificilmente se-lo-ão nas terras situadas nas proximidades do Rio de Janeiro. Felizes em sua nova pátria, cujo aspecto em certas paragem lhes evocaria os lugares em que nasceram, eles descreveriam o Brasil aos seus compatriotas com as mais belas cores e esta parte do Império adquiriria uma população ativa e vigorosa.




Nenhum comentário:

Postar um comentário