sexta-feira, 13 de abril de 2012

NA ESSÊNCIA, SOMOS TODOS IGUAIS, PORQUE SOB A MESMA ÉGIDE.


ESSÊNCIA DA MINHA INFÂNCIA


Orlando Pinheiro

{...No nosso tempo de garoto, sabonete era um artigo de luxo. Só se tinha acesso ao popular Gessy nos sábados, domingos e dia santos, mesmo assim, para lavar o rosto. Os mais abastados usavam o importado "Lifebuoy". Na loja do Jabur vendiam-se caixas de "Alma de Flores" para presente, contendo três unidades. Sabão perfumado, popular mesmo, era o brasileiríssimo Eucalol, com sua essência de eucalipto. Num tempo em que a propaganda não era escrava da sanha da mídia e chamava-se simplesmente de "reclame", o sabonete Eucalol para se manter no mercado oferecia cartelas semelhantes a um baralho com figuras abordando mais de cinquenta temas que iam de bandeiras, personagens da História do Brasil, lendas brasileiras, histórias para crianças, e outras curiosidades. O meu irmão possuía uma razoável coleção dessas cartelas e presumo que muitos de idade semelhante à dele, se recordam com ternura dessa época. Era uma espécie de "National Gegraphic" daquele tempo.
...O brasileiríssimo Eucalol marcou presença, perfumando o povo simples de São Miguel Arcanjo de antigamente, de 1930 até 1957. Depois tentou retornar outras vezes, mas não encontrou espaço entre as marcas estrangeiras. Indústria Nacional é liquidada pela carga tributária neste chão verde-amarelo. Algures, nos guardados do meu irmão ainda se encontram algumas cartelas aqui ou acolá com as Pirâmides do Egito, o Palácio Taj Mahal. Por incrível que pareça apesar dos anos terem passados, o cheiro de eucalipto ainda não saiu da minha memória olfativa. Essa essência perenizou na lembrança e por isso me ponho aqui a recontá-la. Hoje, via internet, é possível adquirir coleções daquelas cartelas, mas jamais terá o mesmo efeito de antigamente.
...Menino de São Miguel Arcanjo do meu tempo era afeito às coleções. Era comum a gente "pissuí" jogo de botões; bolinha de gude; peões; gibis e até jogos de dama. Essas coisas foram devoradas pelo tempo, mas não sumiram da lembrança, a qual ainda guarda até o cheiro daquelas coisas. A memória olfativa é a mais desenvolvida de todas, dizem os entendidos. Era inclusive o sabonete Eucalol quem patrocinava o programa "Balança, mas não Cai" da Rádio Nacional. De lá da minha infância, alguns fatos importantes tem muito a ver com sabão. Um deles era a sinistra e angustiante carrocinha de cachorro patrulhando a frente dos açougues, atrás de cães vadios. A gente torcia para que eles não acertassem a laçada, mas os laçadores eram exímios e lá se ia o bicho para o confinamento do curral da prefeitura, para depois virar o que? Sabão, ora! Eu ficava ruminando como isso podia ser feito. Outro fato refere-se quando meu irmão e o Zezo Rosa montaram uma fábrica de sabão. O Gersinho e eu éramos os vendedores de porta em porta com um carrinho de mão. A indústria tinha tudo para dar certo se não precisasse de CGC e recolher tributos altíssimos. 
...Os vestígios mais antigos de materiais que dariam origem ao sabão conforme conhecemos hoje datam de 2800 anos antes de Cristo na antiga Mongólia. Os egípcios banhavam-se regularmente com uma combinação de óleos vegetais e sais alcalinos. Era o tataravô do sabonete liquido. Há uma lenda romana que diz como teria surgido o sabão. Geralmente os produtos biotecnológicos são descobertos por acaso, como o queijo com fungos o chamado Rockfort, um dos mais caros do mundo, o vinho, o vinagre... Com o sabão foi a mesma coisa. Animais eram sacrificados no monte Sapuó (não confundir com o monte Saboó, em São Roque). Às margens do Rio Tibre. Os sebos e as gorduras desses animais misturavam-se às cinzas da fogueira usada no sacrifício. Ao chover, os resíduos desciam monte abaixo e como um vapor espumoso era carreado ao leito do Rio Tibre e tornava-se algo útil para as lavadeiras que batiam roupa nas tábuas fincada à margem do rio. Foi assim que nossas avós aprenderam a fazer o sabão de cinza. Por causa do nome daquele monte, as reações de decomposição de triglicérides em ácidos graxos e glicerol chamou-se de saponificação, que originou mais tarde o sabão, puro e simples, mesmo se feito com sebo de boi ou cachorrinho.
...O uso constante de óleos vegetais aromatizados colaborou para não se tomar banho. Esses extratos contribuíram sobremaneira no auge do século XVIII quando tomar banho estava fora de moda. Tomar banho era considerado um ato pecaminoso. Usava-se o sabão apenas para lavar utensílios domésticos, pisos e balcões. Era possível que se lavasse as mãos e o rosto também, já que tinham de manipular a água. O que era reprovada mesmo era a nudez durante o banho, com aval da igreja que via nesse ato de higiene, a ação de um dos pecados capitais que andam de mãos dadas: orgulho e a vaidade. Por isso que eu só tomo banhos no sábado... Sábado de Aleluia!
...No final do século XVIII um químico chamado Nicolas Leblanc descobriu uma fórmula barata de produzir carbonato de sódio a partir do sal comum. A mistura com aromatizante produziu o sabonete, conforme conhecemos hoje. A palavra sabonete é oriunda de um diminutivo francês para sabão. Eu tive um professor de português em 1969 que achava que sabão era aumentativo, sabonete, a forma normal e sabãozinho o diminutivo. Tive de estudar mais de vinte anos, só para chegar à conclusão de que eu estava certo. Mas a história hoje é outra. Estranhamente, relaxadamente, os europeus, por causa do frio intenso não têm afinidades com banhos e sabonetes. Mesmo com o atual culto a nudez ampla geral e irrestrita, aplaudida como grande virtude, os sabonetes estão ficando cada vez menores, uma forma sem vergonha de elevar o preço do produto. Logo, essa juventude que anda pelada verá sabonetes vendidos como comprimidos para uso individualizado para cada parte do corpo, como por exemplo: comprimido Sovacol, para as axilas e Bundol, para as outras partes. Bom mesmo era o Eucalol. Este, além de lavar e deixar um cheiro de eucalipto, ainda contava em cartelas, a História do Brasil e do mundo. Coisas que não voltam mais.
...Até a semana. }

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