UMA ARBITRARIEDADE
" Os míseros mercadores da monarquia tentam abafar o grito dos pobres, o grito soberano de uma classe oprimida, que hoje se levanta e protesta contra os corruptores da sociedade, contra essa monarquia criminosa, que nos rouba e nos assassina.
Não é só o ódio de raças, prepa
rado pela monarquia, é também o
ódio da polícia contra o povo, é a
guerra de morte contra a república,
é o extermínio da pobreza pela fo
me e pelo punhal do governo.
Pois a guerra está declarada, o go
verno lança mão de todos os meios p
ara abafar a aspiração do país, e a
té lança mão da traidora secreta
para em nome da lei prender um ci
dadão, como vos exponho:
Na noite de 13 de Maio, indo o v
osso redator ao Café Girondino,
ao largo da Sé, ali encontrou-se com
um rapaz filho do norte da pro
víncia, que lhe pedia para ser por
tador de uma carta para a sua famí
lia na cidade de Silveiras, visto ter o
vosso redator de seguir no dia seguinte p
ara o norte.
Aceitei a carta e disse ao meu compr
ovinciano que seguiria no dia
seguinte se obtivesse um revólver
para a viagem, porque estávamos
sem garantias.
Um indivíduo, bem trajado, que
estava no passeio junto à charuta
ria do Café Girondino, disse-me:
-
Cidadão, se quereis uma arma de de
fesa, aqui tenho uma que vos vendo
por 25 mil réis e mais 6 cápsulas para
munição.
Em vista da oferta, comprei a ar
ma e paguei, embrulhando a mesma
em um jornal, e perguntei ao vend
edor se estava ou não carregada, e es
te respondeu-me que sim.
É
isto
a pura verdade, porque nunca andei
armado.
Passados 6 minutos, chegavam ao Caf
é vários estudantes e empregados
do comércio, perguntando-me
também se eu fazia a conferência
ou não.
Respondi que não fazia
conferência, porque a policia violou
a Constituição, proibiu o direito
da palavra; salvo se falasse de ca
deira dentro do Café. E ali fazia
uma fala, quando fomos interrom
pidos pelas bombas de S. João e
vivas à República, que corresponde
mos.
Estando aglomerado o povo, na
porta do Café,
disse eu aos meus
companheiros que seria bom sair
mos dali, o que fizemos.
Contra a lei expressa e clara fui
conservado na prisão, sendo-me ne
gada comunicação com qualquer pesso
a, a fim de não poder chamar
em meu socorro advogados do meu
partido.
Só pela madrugada, quase ao aman
hecer do dia seguinte, é que, por
meio de cédulas pequenas, que fiz
circular entre os morcegos, habi
tuados na escola da ganância, me
foi possível participar o fato a pa
rente meu, que o levou ao conhe
cimento dos srs. drs. Campos Sal
es e Jesuino Cardoso, o qual de
pronto se apresentou na Estação
central, indagando do ocorrido,
sobre o que providenciou, exigindo q
ue eu fosse posto em liberdade,
que aconteceu logo depois, pelas 10 ho
ras da manhã.
Parece estranho que assim, sem
mais nem menos, fosse preso e detido
, sem que se me desse nota de
culpa, sem que admitissem fiança,
pondo-me a polícia incomunicá
vel, como se fora eu um bandido.
Mas foi o que se deu.
No ato da minha saída, disse
ram-me que estava eu intimado a
comparecer na primeira audiência,
para ver-me processar.
Pelo que ain
da não sei... "
Texto escrito por Luciano Gomes de Souza, editor e proprietário do extinto jornal O Grito dos Pobres, edição de 19 de maio de 1889.
A redação ficava na Travessa da Concórdia, no bairro do Brás, em São Paulo.
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