quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O BRASIL NUNCA FOI UM PAÍS LEGAL



UMA ARBITRARIEDADE 

" Os míseros mercadores da monarquia tentam abafar o grito dos pobres, o grito soberano de uma classe oprimida, que hoje se levanta e protesta contra os corruptores da sociedade, contra essa monarquia criminosa, que nos rouba e nos assassina. 
Não é só o ódio de raças, prepa
rado pela monarquia, é também o 
ódio da polícia contra o povo, é a 
guerra de morte contra a república, 
é o extermínio da pobreza pela fo
me e pelo punhal do governo.
Pois a guerra está declarada, o go
verno lança mão de todos os meios p
ara abafar a aspiração do país, e a
té lança mão da traidora secreta 
para em nome da lei prender um ci
dadão, como vos exponho: 
Na noite de 13 de Maio, indo o v
osso redator ao Café Girondino, 
ao largo da Sé, ali encontrou-se com 
um rapaz filho do norte da pro
víncia, que lhe pedia para ser por
tador de uma carta para a sua famí
lia na cidade de Silveiras, visto ter o 
vosso redator de seguir no dia seguinte p
ara o norte. 
Aceitei a carta e disse ao meu compr
ovinciano que seguiria no dia 
seguinte se obtivesse um revólver 
para a viagem, porque estávamos 
sem garantias. 
Um indivíduo, bem trajado, que 
estava no passeio junto à charuta
ria do Café Girondino, disse-me: 
Cidadão, se quereis uma arma de de
fesa, aqui tenho uma que vos vendo 
por 25 mil réis e mais 6 cápsulas para 
munição. 
Em vista da oferta, comprei a ar
ma e paguei, embrulhando a mesma 
em um jornal, e perguntei ao vend
edor se estava ou não carregada, e es
te respondeu-me que sim.
É 
isto 
a pura verdade, porque nunca andei 
armado.
Passados 6 minutos, chegavam ao Caf
é vários estudantes e empregados 
do comércio, perguntando-me 
também se eu fazia a conferência 
ou não. 
Respondi que não fazia 
conferência, porque a policia violou 
a Constituição, proibiu o direito 
da palavra; salvo se falasse de ca
deira dentro do Café. E ali fazia 
uma fala, quando fomos interrom
pidos pelas bombas de S. João e 
vivas à República, que corresponde
mos. 
Estando aglomerado o povo, na 
porta do Café,
disse eu aos meus 
companheiros que seria bom sair
mos dali, o que fizemos.
Contra a lei expressa e clara fui 
conservado na prisão, sendo-me ne
gada comunicação com qualquer pesso
a, a fim de não poder chamar 
em meu socorro advogados do meu 
partido.
Só pela madrugada, quase ao aman
hecer do dia seguinte, é que, por 
meio de cédulas pequenas, que fiz 
circular entre os morcegos, habi
tuados na escola da ganância, me 
foi possível participar o fato a pa
rente meu, que o levou ao conhe
cimento dos srs. drs. Campos Sal
es e Jesuino Cardoso, o qual de 
pronto se apresentou na Estação 
central, indagando do ocorrido, 
sobre o que providenciou, exigindo q
ue eu fosse posto em liberdade, 
que aconteceu logo depois, pelas 10 ho
ras da manhã. 
Parece estranho que assim, sem 
mais nem menos, fosse preso e detido
, sem que se me desse nota de 
culpa, sem que admitissem fiança, 
pondo-me a polícia incomunicá
vel, como se fora eu um bandido.
Mas foi o que se deu. 
No ato da minha saída, disse
ram-me que estava eu intimado a 
comparecer na primeira audiência, 
para ver-me processar. 
Pelo que ain
da não sei... "

Texto escrito por Luciano Gomes de Souza, editor e proprietário do extinto jornal O Grito dos Pobres, edição de 19 de maio de 1889.
A redação ficava na Travessa da Concórdia, no bairro do Brás, em São Paulo.

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