A cidade de Santos já foi conhecida por Barcelona Brasileira, Moscou Brasileira, Cidade de Prestes, Cidade Vermelha e, traduzindo o latim da bandeira, cidade da Liberdade e da Caridade.
São epítetos que simbolizam cores políticas da cidade de esquerda ou, no mínimo, progressista.
Dois trabalhos históricos recentes analisaram esse aspecto do imaginário da cidade: as obras Operários sem Patrões: Os trabalhadores de Santos no entreguerras (Unicamp, 2003), de Fernando Teixeira Silva, e Porto vermelho: A maré revolucionária (1930-1951) (Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001), de Rodrigo Rodrigues Tavares.
É Tavares quem avisa que esses epítetos tiveram diferentes usos, tanto pelo movimento sindical como por intelectuais ou pelo aparato repressor.
O Partido Comunista Brasileiro, por exemplo, como estratégia de crescimento em todo o Brasil, evitava relacionar Santos com Moscou em seus documentos.
Já a polícia não hesitava em usar termos como "cidade vermelha" ou "Moscou brasileira" para insuflar resistências contra a expansão do ideário comunista no resto do país.
Foi Jorge Amado, um dos responsáveis pela entrada de parte dessas expressões no imaginário da cidade, em Agonia na Noite (1954), segundo volume da trilogia Subterrâneos da Liberdade, em que o mundo do trabalho em Santos, Salvador e Rio de Janeiro é transformado em palco da luta entre comunismo e capitalismo.
No episódio em Santos, baseado em fatos reais, estivadores comunistas se recusam a embarcar café em um navio nazista cujo destino era a Espanha fascista governada por Franco.
Na década seguinte, Pablo Neruda, comunista como Jorge Amado, escreveria Santos Revisitado, poema de A barcarola (1967) em que registra suas impressões sobre o trabalho dos estivadores:
"Terra maldita, espero/que arrebentes um dia, de alimentos, de sacos mastigados/e de eterno suor de homens que já morreram/e forma substituídos para continuar suando".
Em Sombras sobre Santos. O longo caminho de volta (Prefeitura de Santos, 1988), que tem como epígrafe o poema de Neruda, os jornalistas Ricardo Marques da Silva e Mauri Alexandrino registram a repressão da ditadura militar a trabalhadores, sindicatos e intelectuais da cidade.
Ao fim do "longo caminho", durante a redemocratização, são escritos os romances Ensina-me a ler, de Juarez Bahia, e Barcelona Brasileira, de Adelto Gonçalves.
O primeiro, publicado em 1989, traça as memórias de um intelectual progressista de Santos entre as ditaduras do Estado Novo e a que se iniciou em 1964; o segundo, embora só publicado no Brasil em 2002, apresenta uma trama de assassinato em meio às greves anarquistas de 1917, escrita no início dos anos 80, cujo protagonista é um poeta, médico e anarquista, baseado em Martins Fontes.
Em comum entre as duas obras, o conteúdo extremamente político desse momento posterior à censura oficial.
Na década de 90, durante os governos petistas, a Prefeitura de Santos publica, entre outros, uma série de livros sobre a história dos trabalhadores portuários, o que reacende o simbolismo da "cidade vermelha".
Na década seguinte, já no século 21, pesquisas como as de Tavares e Silva ampliam esses estudos.
Em tempos neoliberais, enquanto os historiadores ampliam os estudos sobre a cultura do trabalho, a ficção se volta para as relações entre porto e cidade.
É o caso de Alberto Martins, autor dos poemas de Cais (2003) e da novela História dos ossos (2005), do livro de mesmo nome, em que o Cemitério do Paquetá, privatizado, é derrubado para dar espaço a um pátio de contêineres, cena improvável na vida real, mas emblemática da pressão das operações portuárias sobre o tecido urbano de Santos.
Alessandro Atanes, jornalista, é mestre em História Social pela USP com dissertação sobre as obras de ficção que tratam do porto de Santos.