Foi em pleno século 21, quando a internet se consolidava como veículo de comunicação de massa e já colocava em questão o futuro do jornal imprenso, que surgia, mais precisamente em novembro de 2001, o primeiro número da então chamada “Folha de São Miguel”, um jornal produzido artesanalmente e de forma manuscrita.
Absolutamente na contramão de toda revolução digital, Santino França, 54 anos, não se intimidou e com tesoura e cola nas mãos colocou seu veículo de comunicação nas ruas, cobrindo a região entre Itapetininga e São Miguel Arcanjo.
Hoje, dez anos depois, o periódico continua circulando, com tiragem mensal de 2 mil exemplares e sustentando o título de único jornal manuscrito do Brasil.
O jornal, que antes chamava-se “Folha do São Miguelense”, passou para “Itapercansul”, em referência às cidades de Itapetininga, São Miguel Arcanjo e Pilar do Sul, até passar atualmente para “Itapercanjo”, pois cobrir três municípios sozinho estava ficando muito pesado para o idealizador do projeto, Santino França.
É ele, que mora na zona rural de Itapetininga, que escolhe os assuntos a serem tratados, “o que achar que me interessa, vai interessar bastante gente também. A gente, que é experiente, sabe o que é bom e o que é ruim”, ensina.
Além de pauteiro, França trabalha na apuração das notícias como repórter, lê os jornais e revistas da região e separa aquelas que passam pelo seu crivo. Quando o material está suficiente para preencher as 20 páginas do jornal, ele começa a confecção, manualmente.
Além de desenhar, literalmente, as letras e o logo, França ainda se arrisca em charges. Outro recurso utilizado é a colagem. “Quando estou cansado de escrever, recorto a informação e colo na página com cola.” Mas tudo com devido crédito ao veículo.
Alguns anúncios e matérias até saem coloridos.
Além da função de jornalista, também cobre funções de jornaleiro e cuida da distribuição do periódico, além de ser o responsável pela venda dos anúncios, que mantém o jornal e também França, com orçamento mensal de aproximadamente um salário mínimo, conta ele.
França estudou até a quarta série do primário. Mas adianta que não há documentos para provar tal feito. “Mas eu fugia da escola, era gazeteiro”, assume.
Pouco daquilo que o identifica – mesmo não oficialmente – é uma carteira de jornalista, que ganhou de um amigo da imprensa que o autoriza a entrar em eventos e cobrir os plantões policiais.
Mas até chegar ao jornalismo, os caminhos desse autodidata que se diz criativo mas que só não cria juízo, valeria estampar manchetes.
De criança abandonada pela mãe na cidade de Sete Barras, região do Vale do Ribeira onde nasceu, até os dias atuais, França passou por situações que o deixaram “experiente”, conta.
Morou nas ruas, vendeu banana, foi malabarista e palhaço de circo, montou dupla de sátiras e só parou mesmo quando foi acometido por uma tuberculose.
A reclusão devido à doença – que na infância havia vitimado seu pai – foi o ponto de mudança em sua vida: para passar o tempo, começou a escrever, e assim, nasceu a ideia do jornal.
Com uma fala rápida, explica que é curioso nato. Além de astuto, França também é de sorte. Ganha sempre “um terno” no jogo por semana e no início da década de 80 chegou a ganhar 180 mil cruzeiros na Loteria Esportiva. “Mas não tinha cabeça e gastei tudo em um ano”, lamenta-se.
Mas a lembrança boa e a inteligência são apenas algumas das virtudes de França, que sabe-se lá o que e quantos livros ou revistas já leu. Agora nem a Bíblia lê mais: “parei de ler que sei quase tudo já”, garante.
Mesmo sem nunca ter trabalhado em uma redação ou realizado algum curso, domina a linguagem jornalística, além de acompanhar toda uma caracterização de divisão de jornal, similar a da maioria dos veículos atuais.
Na última terça-feira, varou a madrugada concluindo o último exemplar, ainda fresquinho de cola quando a reportagem chegou, na manhã da quarta-feira.
De cara, apresentou a que chamou de mais bonita e melhor reportagem que fez, uma página inteira, ainda cheirando a cola, em homenagem aos 70 anos de Roberto Carlos, de quem é fã.
E quem pensa que o processo é fácil, ele reitera o “trabalhão” que dá em selecionar e buscar informações, além de construir o periódico.
Tanto que o mês de França é todo mobilizado na causa. Em sua rotina, além das visitas aos anunciantes (que pagam cerca de R$ 30 mensais para terem seus anúncios publicados), consta uma caminhada de aproximadamente 20 quilômetros diários para conseguir condução tanto para São Miguel Arcanjo como para Itapetininga. “Gasto muito com condução, por isso não faço mais Pilar do Sul”, conta ele, que tem como meta, trazer o jornal para ser distribuído em Sorocaba.
Mas nem tudo são flores. Devido a uma charge em época eleitoral, ganhou um desafeto e chegou a ter que acertar as contas com o juiz. “Ainda bem que quem eu coloquei na charge ganhou mesmo a eleição”, recorda, lembrando que antecipou uma vitória.
Questionado se não tem medo da concorrência maior em Sorocaba, responde com calma que não há concorrência para ele, lembrando que seu jornal é manuscrito e, portanto, único.
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul/ Novidades Legais- 2.011.