domingo, 24 de fevereiro de 2013

TEMPOS DE ALBERTO LINS CALDAS.

UM MENINO IGUAL A TODOS OS OUTROS,


UM HOMEM CARREGANDO SENSAÇÕES  

O "povo brasileiro" é lixo europeu, lixo do escravismo, lixo industrial, lixo mercantil; lixo de todos os "modos de produção", de todas as relações perversas; lixo de todos os governos, de todas as ditaduras, de todos os "sistemas políticos", de todas as políticas e economias; lixo da covardia, do capachismo, da acomodação, das negociações de sobrevivência; lixo do silêncio e do silenciamento; lixo das mídias, lixo dos racismos, lixo de todas as doenças e relações monstruosas com as mais variadas formas de torturadores, senhores e patrões. 
É um povo que "cria cultura" como resultados de todos esses lixos: por isso serve perfeitamente para turistas, autoridades, mídias e pesquisadores. 
É uma "cultura" alegre, festeira, carnavalesca, religiosa, musical e risonha que teatraliza seus capachismos e negociações, suas curvaturas de espinha e suas admirações teratológicas como se fossem belas e não índices de uma loucura nazista escondida e perigosa.
do site próprio "Contra o Brasil".
 
UM HOMEM VOMITANDO REALIDADES

O Manifesto Madeirista foi publicado pela primeira vez no Jornal Alto Madeira, em 10 de janeiro de 1999. 
Estava no Jornal O Estadão no dia 24 do mesmo mês, e nunca antes um artigo ou movimento artístico provocou tanto incômodo e discussão em Rondônia, chegando a ser discutido e traduzido em outros portos. 
Quatorze anos depois, o texto continua sincrônico, artística e poeticamente abalador, como queriam seus autores: Alberto Lins Caldas, Carlos Moreira, Joesér Álvares, Gláucio Giordanni e Bira Lourenço:

Não basta
os limites de uma cidade, de uma região, de um território,
de uma língua:
todos os limites são virtuais e imprestáveis: criar pontes
(que também são imprestáveis) entre os limites:
sair dos limites: passear no vazio, no ilimitado,
no além do programa.
Não basta
Madeira, Nilo, Ganges, Tietê, Mississipi,
São Francisco, Sena, Tamisa, Amazonas, Indo:
não basta florestas, desertos, oceanos, continentes, ilhas,
corpo, voz, desejo ou sonho: limites a serem contagiados
pelo construtor de pontes: tanto faz quanto tanto foz.
Não basta
os regionalismos nem os cosmopolitismos das moneras:
não basta: precisamos de pontes e, de repente,
o gozo em saltar as pontes:
e no fluxo mortal, mergulhar, gozando todos os sonos.
Não basta o Boto, a Bôta, a Cobra Grande, o Boi:
olhar do colonizador, olhar gordo de ocidentalidades turistas.
Não basta Macunaíma ou Miramar:
pouca canibalidade, muita imitação e respeito.
Não basta riobaldos e sinhás vitórias:
não basta a Grande Arte:
não basta esta gosma de classe média
pregada em edifícios de papel: não basta.
Não basta essa Identidade Nacional:
não basta nem a identidade nem o nacional:
muito menos o internacional.
Não basta o sentido nem a razão. Não basta
a forma nem o formato.
Não basta a aspereza nem o tédio. Não basta
o linear nem o mistério.
Não basta o policial nem o cômico. Não basta
nem a alminha nem o carma.
Não basta o horóscopo nem o nome. Não basta a data nem a hora.
Não basta o peso nem o pesado. Não basta
essa palavra colada às coisas
como se fosse uma barata morta ou restos de carne sobre a cama.
Não basta Gramáticas, Ortografias nem Dicionários.
Não basta a Bíblia, o Corão nem o Manual dos Escoteiros.
Não basta nem Kama Sutra nem Código Civil.
Não basta nem erudição nem Jeca Tatu.
Não basta essa fé provinciana nem esse lirismo água com açúcar.
Não basta a nova nem a velha Bossa.
Não basta o samba nem o carnaval. Não basta o negro nem o índio.
Não basta o branco nem o amarelo. Não basta Europa ou África.
Não basta nem Ásia nem azia, América ou Oceania.
Não basta gêneros:
nada basta esse bastar.
Não basta o grito nem o sussurro.
Não basta.
É sempre muito pouco.
É sempre sempre igual.
Não basta.
Não basta nem a bundinha, nem a garrafinha, nem o uisquinho,
nem a prainha, nem as avenidinhas, nem Ariano, nem os Campos,
nem francês, nem inglês, nem todas essas igrejas mortas,
nem todo esse lerolero global, nem milongas nem toadas.
Não basta.
Não basta essa falta de fome.
Não basta a história, a memória, a escória.
Não basta a Geografia, a Antropologia, a inútil Sociologia.
Não basta esse falso erotismo, esse falo flácido sem flanar:
é preciso a obscenidade radical; não basta a devoração canibal:
é preciso ser libertino; não basta devorar:
é preciso desmembrar o mundo,
torná-lo vazio, sem sentido, e remontá-lo no meio da praça.
Não basta tê-lo devorado até a saciedade: é preciso maculá-lo,
remontá-lo com outro sentido e sentido algum;
é preciso libertar a palavra, o som, a imagem, o corpo,
e o não de todo esse peso,
de todas essas idéias, de toda asperidade,
de toda autoridade:
tudo preso a tudo por nada,
sem pontes, sem o deslimite do depois das pontes
e do voo sobre as pontes: tanto faz quanto tanto foz.
Não basta nenhuma crença: não bastam Deuses, Demônios, Pátrias,
coronéis, generais e lobisomens;
não basta nem miséria nem riqueza:
só a obsessão cria as pontes
e somente a libertinagem do libertino
cria a liberdade radical,
aquela que pode nos fazer saltar pontes
sem precisar a travessia,
para nada,
por gozo.
Basta de descritivismo, de predomínio do objeto.
Basta dessa arte sem imaginação,
sem sonho,
sem invisibilidade,
cheia de realidades tolamente visíveis,
pré-visíveis tramas televisivas.
Basta desse falso diálogo de jornal invadindo a palavra.
Basta de arte-mercadoria: a arte não vale nada;
não é valor/trabalho; o artista não é trabalhador:
arte não é ofício,
arte é orifício.
Basta desse respeito à linguagem:
é preciso implodi-la para insignificar;
precisa ser tocada, maculada, desmembrada
para enlouquecer e deixar fluir e fluir-se.
Basta de caminhar
dentro do estúpido senso comum das mídias,
dessa crítica amigável,
dessa bajulação mútua, dessa análise historicista,
mero acalanto de boiadas.
Chega de Primeiro, Segundo e Terceiro mundo:
a arte é o gozo que dissolve o concreto do mundo;
tanto faz quanto tanto foz.
E chega de bastar:
é preciso reaprender a gozar.
Somos criadores:
pairamos sempre sobre as águas,
mordendo os dedos dos pés,
criando o círculo de fogo sobre o nada;
precisamos somente dizer o faça-se:
essa palavra vinda do mais
íntimo das entranhas;
tanto faz quanto tanto foz: cadê a tua voz?

do site próprio: Movimento madeirista.



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