Em Mato Grosso, tornou-se objeto de celeuma familiar.
Ao Olhar Jurídico, o advogado da Família Muller, Eduardo Mahon, contradiz as razões do Governo do Estado para a retirada do nome do militar, ex-senador “caçador de comunistas” da Escola de Arenápolis.
Além da instituição “Onze de Agosto”, em Arenápolis, também voltou a seu nome antigo a “Escola Estadual Humberto Castelo Branco”, no município de Luciara, que foi, por pouco tempo, chamada de “Escola Estadual 10 de Maio”.
A mudança não surgiu por acaso.
Partiu de uma indicação do Ministério Público Federal (MPF), que por meio de um inquérito civil, cobrava o cumprimento da Lei Estadual nº 10.343, de 1º de Dezembro de 2015, que dispõe sobre a “vedação de homenagens a pessoas que tenham praticado atos ou que tenham sido historicamente considerados participantes de atos de lesa-humanidade, tortura, violação dos direitos humanos, entre outros”.
O MPF propôs que, junto a “comunidade escolar, por meio dos Conselhos Deliberativos da Comunidade Escolas (CDCEs)” a Seduc revisasse “de forma democrática” as mudanças dos nomes.
O que ocorreu.
A comunidade local realizou eleição para a determinação de novo nome no dia 08 de julho de 2017, sendo aprovado por mais de 50% dos votantes a nova nomenclatura.
Porém, pouco tempo depois, novas reuniões foram realizadas e as mudanças, subitamente, se desfizeram. Pouco se sabia o que havia ocorrido neste meio tempo.
Nesta segunda-feira (27), entretanto, Olhar Jurídico teve acesso ao requerimento assinado por sete membros da família Muller.
Nela, pede-se explicações ao secretário de Educação, Marco Aurélio Marrafon.
No documento, os Muller lançam três perguntas que basicamente questiona o critério usado pela Seduc para enquadrar o general Filinto Muller como praticante de crime de lesa-humanidade, tortura e violação dos direitos humanos.
“A família pensa que a primeira votação tenha sido articulada por algum segmento ou grupo que francamente não consigo identificar. Foi ao governador, acho que ele assinou no bojo de outros [documentos], não se atentando para o nome [de Filinto Muller]”, avalia Eduardo Mahon.
Afinal, a biografia de Filinto Muller se amolda à de um agente antidemocrático?
Olhar Jurídico ouve a seguir o resumo da vida do general, na versão da família, que defende, obviamente, a biografia democrática e quase heróica do antepassado.
Narrativa que se contrasta com trechos retirados de obras jornalisticas.
A História:
Filinto Strubing Müller nasceu em 11 de julho de 1900, em Cuiabá. Foi advogado, mas destacou-se no mundo político-militar. Durante a ditadura de Getúlio Vargas, foi chefe da Polícia Política e por diversas vezes foi acusado de promover prisões arbitrárias e torturas contra seus prisioneiros.
Em 1935, durante a Intentona Comunista, Filinto Muller teria participado de operações para captura dos chamados “subversivos”.
Conforme narra o jornalista Fernando Morais, biógrafo de Olga Benario, Muller liderou os investigadores da polícia que raptaram e torturaram por semanas Arthur e Elise Ewert, além da própria Olga.
Por meio da prática de violência, conseguiu extrair deles informações que garantiram a prisão de Luíz Carlos Prestes, em 1936.
Olga Benário, militante comunista e companheira Luís Carlos Prestes, foi criminosamente deportada para a Alemanha nazista, sob regime de Adolf Hitler, sendo executada à sangue frio, em Bernburg, 1942.
Eduardo Mahon, entretanto, prefere focar no lado democrático de Muller, que anos depois, fundou o PSD em Mato Grosso, elegeu-se senador e foi líder do governo de Juscelino Kubitscheck. “Juscelino quase não assume, se Filinto não tivesse uma entrada muito boa entre os militares, afinal de contas era general, Juscelino teria problemas sérios e nomeou Muller líder do senado. Ora, mais democrata que Kubitscheck?”, argumenta.
“Se Filinto Muller realmente fosse um personagem com esse viés negro e tenebroso na história, ‘olha, esse cara realmente tinha um aparelho de tortura, assim, assim, assado’, eu diria: ‘me desculpe, mas não vou advogar para vocês [família Muller]’. Mas, saiu agora um livro de 600 páginas, uma grande biografia desse cara. Ele era um sujeito inteligente, ele realmente identificava e caçava os núcleos comunistas do Brasil, serviço de espionagem e contra-informarão, durante o governo Vargas, isso ele fazia mesmo. Filinto impediu até mesmo a Intentona Comunista”, ressalta.
Segundo narra Mahon, Filinto Muller garantiu a posse legítima de João Goulart no governo do país, em 1961. “Quase que Jango não assume, quando ele estava na China. Foi uma articulação dentro do Congresso Nacional e fora, com Leonel Brizola (PDT), na rádio 24h, no Rio Grande do Sul. Dentro, Filinto Muller, então líder, o defendeu. Pois, veja, Muller havia votado em Jango (vice-presidente, eleito separadamente), mas não havia votado em Jânio Quadros (então presidente). No fim das contas, Muller articulou para Jango assumir, ao lado de Tancredo Neves e Ulisses Guimarães. Poxa, e isso não é falado? Ele adoeceu e todas estas figuras o visitaram. Que espécie de ditador é este?”.
A partir de 1964: “Francamente, ele era partidário da intervenção militar, isso ninguém vai negar. Ele não configurou como oposição ao regime, até 1963, ele não se opôs, foi um dos vários que ficaram, não diria coniventes, mas que deixaram o barco correr, como no fim das contas, a maioria do Brasil”, narra Mahon.
O general, durante a ditadura filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena) e reelegeu-se ao senado pela legenda em 1970. Em 1973, assumiu a presidência do Senado. Morreu no ano seguinte,“quando recrudesceu o regime, com Emílio Garrastazu Médici”, acrescenta Mahon.
Müller faleceu aos 73 anos, em 11 de julho de 1973, após o avião em que estava fazer pouso forçado em um vilarejo ao sul de Paris. Com ele, outros 123 morreram. Entre eles estavam o cantor Agostinho dos Santos, a atriz Regina Lécrery e o iatista Joerg Bruder.
“Não creio que ele tenha sido pivô para a ditadura, ou para a sustentação de Castelo Branco, como foi para a posse de Jango”, avalia o advogado. Quando ao questionamento feito à Seduc, se “Filinto Muller consta entre os 377 indicados pela Comissão da Verdade como agente de Estado que tenha agido de forma antidemocrática”, fica satisfeito com seu cliente póstumo. “Não constava e tecnicamente não era classificado nem como ditador, nem como colaborador a nenhum regime de exceção”.
Apesar de tudo, o advogado não nega a necessidade de Mato Grosso por em prática a Lei Estadual nº 10.343 de 1º de Dezembro de 2015 e excluir definitivamente o nome de agentes antidemocráticos de seus prédios públicos, à exceção de Muller. “Acho que é preciso fazer a revisão, sim, para Castelo Branco e Médici, por exemplo. Acho que nenhum órgão público, sobretudo educacional, deva ter nome de ditador”.