Estêvão Bertoni/29 de Nov de 2019
Documento que alerta para paralisia na pasta ainda precisa ser aprovado por deputados que integram comissão criada para avaliar ministério de Abraham Weintraub.
FOTO: DIEGO ROCHA - 7.OUT.2019/MEC
O MINISTRO DA EDUCAÇÃO, ABRAHAM WEINTRAUB, DURANTE ENTREGA DE ÔNIBUS ESCOLARES NO INTERIOR DE SÃO PAULO.
Uma comissão criada na Câmara dos Deputados para acompanhar as ações do Ministério da Educação aponta, em relatório que ainda precisa ser votado, uma série de problemas na gestão e no planejamento da pasta comandada pelo ministro Abraham Weintraub.
O documento alerta para um quadro de ineficiência e paralisia na área.
O grupo formado por 50 parlamentares de 12 partidos foi criado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) em abril, mês em que o presidente Jair Bolsonaro substituiu o então ministro Ricardo Vélez Rodríguez por Weintraub.
Na época, o MEC passava por uma crise representada por brigas internas e uma série de demissões.
A deputada Tábata Amaral (PDT-SP), que durante uma audiência pública em março havia chamado Vélez de incapaz e pedira que ele se demitisse, foi designada como coordenadora da comissão.
O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) foi escolhido seu relator.
Para chegar às conclusões sobre as fragilidades da pasta, a Comex (Comissão Externa de Acompanhamento do Ministério da Educação) solicitou ao MEC 38 requerimentos de informação, além de ter realizado 12 reuniões técnicas no ministério e nove audiências públicas.
“O aspecto mais evidenciado na etapa de diagnóstico foi a constatação de que o planejamento e a gestão do MEC estão muito aquém do esperado. Evidência disso é que o Ministério ainda não apresentou Planejamento Estratégico contemplando o ano de 2019 e diversas metas do Plano Nacional de Educação estão atrasadas sem sequer um plano de ação para atingi-las”
Comissão Externa de Acompanhamento do MEC
em relatório preliminar.
O grupo analisou, entre outros fatores, a composição dos cargos do ministério, a rotatividade dos funcionários, as mudanças na estrutura interna e os programas lançados pelo governo.
O relatório preliminar fez ainda 52 sugestões e recomendações que poderão ser convertidas em 14 propostas legislativas. Como ainda não foi votado, as propostas podem ser alteradas no texto final. Depois de aprovado, ele será enviado à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.
Além do diagnóstico, o relatório poderá servir como base de propostas. Uma das ideias envolve uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que prevê a restrição de bloqueios de verbas do MEC, para evitar o que ocorreu durante 2019, quando o congelamento orçamentário afetou atividades das universidades.
Tábata Amaral afirmou considerar a atual gestão do MEC um ano perdido para a educação, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Houve uma preferência por uma ideologia. Tudo bem, a gente pode discordar ou concordar. Mas daí nada foi feito. Não houve nenhuma direção que foi dada para professores, prefeituras, secretários”, disse.
Abaixo, o Nexo lista as principais falhas no Ministério da Educação encontradas pelos deputados no trabalho de acompanhamento das ações da pasta.
Os problemas
AS FREQUENTES REESTRUTURAÇÕES
Desde o início do governo Bolsonaro, várias mudanças foram feitas na estrutura do ministério, o que, segundo o relatório, criou “sobreposições de atividades e lacunas de atuação em áreas fundamentais”. As exonerações em cargos de confiança, frequentes ao longo de todo o ano, demonstra, na avaliação dos deputados, “instabilidade e falta de continuidade na gestão atual”. O grupo identificou ainda que, em comparação com os dois últimos governos, a pasta teve o menor número de agentes em cargos de confiança com experiência na área da educação. O relatório aponta ainda que os cargos de maior nível hierárquico foram ocupados majoritariamente por homens, enquanto as mulheres preenchem mais os cargos de nível inferior.
A FRAGILIDADE NA GESTÃO
Algumas secretarias do ministério nunca publicaram planos de trabalho, diz o documento. Já os planos publicados não trazem, segundo os deputados, “priorizações, clareza nas metas, prazos ou responsáveis para as ações propostas”. O relatório alerta ainda que a pasta não apresentou propostas de ação alternativa para muitas das iniciativas que começaram nos governos anteriores e foram descontinuadas. “No caso das novas iniciativas divulgadas, a maior parte tem descrição vaga e carece de celeridade e detalhamento”, escreveu o grupo.
A BAIXA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA
Os deputados identificaram que ações importantes como a de Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica tiveram até julho de 2019 execução orçamentária próxima a zero. No mesmo período, a pasta executou apenas 4,4% do montante para investimentos.
INEFICIÊNCIA E PARALISIA
Embora a Política Nacional de Alfabetização, por exemplo, tenha sido classificada como prioridade pelo governo, ela não foi implementada. O ministério sequer apresentou um plano de ação para articular e informar os entes federativos sobre a aplicação das ações de alfabetização, segundo o relatório. A implementação da Base Nacional Comum Curricular, aprovada no governo de Michel Temer (MDB) e que vai orientar os currículos das escolas do país, não foi definida. Também não existe uma política de formação de docentes sistêmica e as secretarias e os órgãos vinculados ao MEC que atuam na área não estão articulados. O documento diz também que o processo de escolha de reitores sem respeitar os mais votados, a arbitrária distribuição de recursos e o contingenciamento seletivo nas universidades federais têm colocado em risco a “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” das instituições.
MÁ DEFINIÇÃO DE PROJETOS
Principal proposta para fortalecer a autonomia financeira das universidades federais possibilitando a captação de recursos privados, o Future-se, lançado em julho, foi apresentado sem planos operacionais de trabalho e sem um direcionamento para as ações, além de não orientar o gasto orçamentário e não prever metas, indicadores ou prazos, de acordo com o documento. Em relação ao programa de implantação das escolas cívico-militares, instituído por decreto assinado por Bolsonaro em setembro, com uma meta de construção de 216 unidades até 2023, ele não explica de que forma a qualidade da educação básica será melhorada, na avaliação dos deputados.
O que dizem ministro e o MEC
Na quinta-feira (28), durante uma entrevista para a rádio Jovem Pan, o ministro Abraham Weintraub atacou os deputados Tábata Amaral e Felipe Rigoni. Segunda ele, o relatório é mal-feito e os parlamentares que trabalharam no documento nunca “tocaram um carrinho de pipoca” para criticar a gestão do ministério.
Weintraub afirmou que a rotatividade na pasta existe porque ele está promovendo uma “revolução na área do ensino” e por isso precisa trocar “pessoas que estão há 30 anos levando a educação brasileira para a última posição da América do Sul”. Para ele, as trocas são positivas e não resultam em instabilidade.
“Sou um cara da iniciativa privada, quem participa de reunião comigo sabe como funciona, não tenho compromisso com erro. Eu trago gestores. Se errei em um, troco na hora. Estou com um problema de previsão de orçamento, eu aviso: se no mês que vem vier pior a projeção, o cara está na rua. Aí chega o mês que vem eu mando embora. E aí a projeção melhora”, afirmou o ministro à rádio.
Ele também defendeu que a queda no número de servidores comissionados é boa porque significa que a pasta está “gastando menos”. Sobre o menor número de mulheres em cargos de maior nível hierárquico, disse que “tanto faz”. “Quero que entreguem resultados.”
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a divulgação do conteúdo do relatório preliminar criou um “caos” dentro do MEC. Weintraub teria determinado que, a partir de agora, a pasta deveria gastar para demonstrar que algo está sendo feito, de acordo com a publicação. Também foram demitidos coordenadores da equipe de alfabetização.
Na segunda-feira (25), o MEC informou, em nota, que lançará “em breve programas e materiais sobre a Política Nacional de Alfabetização”. A pasta afirmou que “já empenhou mais de 80% dos gastos discricionários [não obrigatórios, que incluem contas de água e de luz e serviços de limpeza e segurança]” e que trabalha para executar todo o orçamento. E lembrou que passou por um período de contingenciamento de recursos.