quinta-feira, 3 de outubro de 2019

MEMÓRIAS DE JOSÉ CÁSSIO SOARES HUNGRIA

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MEMÓRIAS DO APOSENTADO JOSÉ CASSIO SOARES HUNGRIA, PROCURADOR DE JUSTIÇA APOSENTADO 
Dentre algumas atividades que exerci no nosso Ministério Público Paulista, uma conto volta e meia de maneira significativa, a meus amigos que não são e nem foram meus colegas, ou se o foram recebem o fato com incredulidade. 
Essa passagem é, para mim, especial e inesquecível, pois dá a medida exata de quanto, em tão pouco tempo, historicamente nossa Instituição cresceu, evoluiu e se fortaleceu. 
Refiro-me a acontecimento ocorrido na comarca de Iguape, onde, no final da década de 50, exerci a Promotoria local, por aproximadamente três anos e oito meses, como substituto e titular. 
Iguape hoje possui moderna estrada (Biguá) e os meios de comunicação da época eram precários, quando não inexistentes. 
Naquela época, para se ter uma pálida ideia, a viagem, por “jardineira” demorava cerca de 7 horas de São Paulo até lá. Havia, entretanto, em Registro, um “Teco-Teco”, cujo dono, Bertelli, fazia esse mesmo trecho em cerca de 2 horas. 
Mas um promotorzinho como eu e também Fábio Roberto von Sydow Pinheiro (os dois únicos em todo Vale do Ribeira) não dispúnhamos de verba pessoal para pagar esse luxo e, portanto, tínhamos necessariamente de enfrentar travessia de balsa, terra batida ou muita lama, quando chovia... 
A Promotoria era de uma “pobreza” espantosa: não tinha papel sulfite, nem papel carbono, nem caneta, lápis, borracha, envelope, nada! 
Máquina datilográfica, nem pensar. 
Havia solicitado esse material à Procuradoria Geral, e à Corregedoria do MP. Até à Procuradoria Geral do Estado. Nada. 
E com o asfaltamento da estrada SP-Paraná, o 2 movimento das comarcas da margem da rodovia em construção, aumentou expressivamente. 
Registro, Eldorado, Jacupiranga, Cananeia e Iguape passaram a ser muito trabalhosas: muitos crimes dos “peões” e, com a valorização das terras, muitas causas cíveis e trabalhistas em que o Ministério Público atuava. 
Vai daí e cansado de esperar pelo atendimento ao socorro solicitado em vão, resolvi “apelar” ao Presidente do Tribunal de Justiça de SP. 
Já não tinha mais esperança, quando um motorista do ônibus, que chegava todo fim de tarde, me procurou no Fórum dizendo que um saco de estopa pesado e cheio, tinha chegado em meu nome. 
E entregou a encomenda. 
Na época eu dormia na Sala Secreta do Júri, num daqueles edifício que o Plano Anual do Governo Carvalho Pinto contemplaria inúmeras comarcas. 
Quando abri a encomenda, deparei com tudo aquilo que havia pedido, inclusive tinteiros, mata borrão, canetas e penas descartáveis. 
Claro que algumas folhas de petição, alguns envelopes, alguns bloquinhos traziam, impressos, o Brasão Paulista e mais o Tribunal de Justiça... 
Mas daí? 
Dei um jeito e só ficou visível o Brasão. 
Hoje, isso tudo é inacreditável para os mais novos colegas. Penso com meus botões: como cresceu nossa Instituição, orçamento próprio, etc, etc. 
Felizmente. 
E hoje falo com muito orgulho que sou Procurador de Justiça Aposentado. 
Talvez esse episódio em minha vida tenha me inspirado depois, fazendo-me participar de algumas publicações, até então inéditas no Brasil, que foram bastante úteis ao nosso MP: “Coletânea e Legislação” (com Romeu Ricúpero), “Boletim Informativo da APMP”, “Manual da Atuação Funcional do Promotor de Justiça de SP” (com Tilene e Júlio Francisco dos Reis), “Relatório Anual” da Corregedoria (com Sílvio Barros de Almeida, Fernando Soares de Souza e Ricardo Cardozzo de Mello Tucunduva). 
Essas publicações atingiram todo o Norte e Nordeste do país, que nos solicitavam exemplares da publicação e que, à época, eram regiões consideradas a 3 mesma Iguape dos anos 50, pela sua carência total. 
E, diga-se, a custo zero: “Coletânea” foi impressa no Departamento de Estatística do Estado, em 1970; “Boletim”, no Bradesco de Osasco; “Manual”, sob os auspícios da FIEO, fundação osasquense a que pertenço, em 1985; “Relatório”, também na Gráfica do Bradesco, em 1983. 

Entrevista APMP: Por que escolheu ser promotor de Justiça? Por ser de Itapetininga e conterrâneo de Nereu Cesar de Moraes, brilhante e atuante membro do MP, que me incentivou. 

APMP: Quais lembranças o senhor guarda do concurso? 
O número do concurso eu não me recordo, mas, foi no fim da década de 50; 1958 talvez. Foram aprovados só 15 concursados. Concorridíssimo e muito difícil (só 15 aprovados, repito). 

APMP: Como foi a experiência como promotor Substituto? Como substituto e designado para uma vara da Capital, concluí que nada sabia. Um horror! Levei o expediente de 4 ou 5 dias para casa, e lia o processo todo, em especial as promoções e manifestações dos colegas substituídos. 

APMP: Se recorda da primeira comarca? 
Primeira Comarca como titular, foi Iguape. (O escrito que acompanha dá uma ideia). Como substituto, percorri o Estado todo, sem exagero. Tinha um baú que minha mãe comprou para meu “enxoval” do colégio interno, que transportava em minhas designações repleto de livros. A máquina de escrever, Olivetti portátil, ia junto. Uma pobreza franciscana, se compararmos com os dias de hoje. 

APMP: Chegou a fazer Tribunal do Júri? Se sim, relate a experiência? 
Esta experiência guardo até hoje. Fui designado para Nhandeara, alta araraquarense e “boca do sertão”, na região de São José do Rio Preto, comarca recém criada. Cheguei, me apresentei ao Juiz Walter Amaral Gurgel, que deu as boas vindas e colocou um oficial de Justiça, Ditinho, para cuidar de mim, me servir no que fosse preciso: farmácia, restaurantinho, etc. E com o Ditinho, veio um processo de Júri, cuja ré, Josefina Rodondo, havia desferido machadadas no marido. Confessara na Polícia, em Juízo e no Plenário: “não sou mulher de começar alguma coisa e não terminar”. Meu marido se contorcia e jorrava sangue com os primeiros golpes. “Dei mais três “machadadas” e ele morreu. Achei que fizera uma acusação brilhante...Veio a sentença: absolvida por 7 a 0. Não entendi e quando me refiz, voltei à Sala Secreta e um jurado veio, em nome dos outros seis, me consolar: “doutor nós tínhamos um compromisso de absolvê-la, sob pena do Dr. Fróes, seu advogado de Rio Preto, não mais vir a Nhandeara. E a comarca não podia ficar sem advogado”. Tive um ímpeto de deixar o MP tal o desaponto. Após o Júri, Ditinho “desapareceu”. Os cartorários esclareceram que ele fora escalado para me vigiar, pois meu antecessor , quando viu o processo, sumiu da comarca e não teve o Júri... 

APMP: Quais as dificuldades para se trabalhar na época? (carro, telefone, estradas...) 
A pobreza nas comarcas, nos impressos, papelaria, e tudo o mais era de desanimar qualquer um. Em Nhandeara pedia ligação telefônica para São Paulo de manhã para falar só à noite. Isto quando dava sorte! Uma lástima! Não dá para acreditar que suportamos, meus colegas da época e eu, tudo aquilo com galhardia. Era mesmo um verdadeiro amor a Instituição. 

APMP: Como foram as promoções ou remoções na carreira? A promoções e remoções eram decididas por homens, e, como tal, humanos e falíveis...Os critérios, quando estabelecidos, obedeciam uma vontade singular, única, política. Mas, que Instituição não passou por isso? 

APMP: Se recorda dos chefes do MP na época? 
Dr. Luiz de Melo Kujawinski, Dr. Mário de Moura Albuquerque e outros ilustres. Esses me marcaram pela lucidez, liderança e realizações. 

APMP: Exerceu funções fora da carreira? Fui Chefe de Gabinete da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado, a convite de Eurico de Andrade de Azevedo, meu amigo e Procurador de Justiça que exerceu essa Secretaria no Governo Sodré. Além disso, passei um ano na Espanha, após defender tese perante o Governo Espanhol e autorização do Governo Paulista. Essa e outras experiências menores serviram-me para focar nossa Instituição como um todo e compreendê-la melhor. Grande Instituição, por todos os títulos! 

APMP: Como foi a aproximação da aposentadoria? O senhor se preparou? 
Aposentadoria é um golpe sério na nossa vida. Tive um irmão Juiz de Direito no Estado de São Paulo que teve muita dificuldade em requerer a aposentadoria. Aprendi que há a necessidade de uma preparação social, funcional e emocional. Aí daqueles que não sentem encorajados a pedi-la e, então, aguardam chegar à compulsória aos 70 anos! Ai daqueles! Brincando eu diria que antes de decidir aguardá-la compulsoriamente deve comprar um terreninho no cemitério mais próximo... 
**Minha carteira funcional é nº 82. Por aí dá para situar-me no M. Público da época.

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