Abelardo em cena novamente
Por Alberto Isaac
27 de março de 2020
foto - reprodução
Neste conturbado período, em que a humanidade toda procura se proteger, tomando especiais cuidados a fim de não ser agraciada com o mortal vírus do Corona 19, recordamos palidamente acontecimentos do passado que apavoraram Itapetininga.
Claro que nessas ocasiões, quando a população se aterrorizava com possíveis
ou reais epidemias, haveriam de suceder coisas interessantes. Em cada época
existiram “pavorosas” moléstias. Hora gripe espanhola, hora tuberculose, hora
febre amarela, ou outros vírus assassinos. Todos procuravam se resguardar nesta terra de Júlio Prestes.
Em um desses cenários, quando os competentes médicos da época, doutores Braga e Aníbal Teixeira encontravam-se a postos para atender aos prováveis pacientes que poderiam entrar em óbitos, felizmente, não ocorreram vítimas fatais.
Foi nesta ocasião, que Abelardo, conhecido cabelereiro em toda a cidade e com salão na Rua Aristides Lobo, frente a então loja de Salomão Abib, torna-se personagem deste perigoso episódio da vida dos itapetininganos. Ele, tipo estouvado e um pouco “fora da
realidade”, provocava constantemente atitudes que não se coadunavam com o ser
humano. Falava em tom elevado, sorria sem qualquerrazão, irritava-se facilmente, por várias vezes, também, sem nenhum motivo.
Enfim, cidadão estranho que poucas pessoas convivam ou suportavam sua presença e sua conversa.
Em um de seus habituais passeios, numa tarde entrou na famosa loja de roupas da
rua Campos Sales – Casa Armênia – e pediu um lenço, à balconista, que veio a
seu encontro. É bom lembrar que era inverno e um surto de tuberculose rondava a Athenas do Sul -Que tipo de lenço o sr deseja? Perguntou, tirando as caixas da prateleira e mostrando diversos modelos à Abelardo.
-Um lenço qualquer- respondeu o cabeleireiro
DE repente, ele tirou um lenço de uma das caixas, assoou o nariz e devolveu-o
à comerciária.
-Mas…, balbuciou a jovem, surpreendida.
-Mas o que? Perguntou Abelardo.
-O senhor usou o lenço, usou o lenço para assoar o nariz. – pegando-o com os
dedos, delicadamente.
-O que eu devia assoar com o lenço? Talvez as orelhas? Disse o insano, admirado. A senhora, com lenços, o que assoa?
-O nariz, resmungou a funcionária. – Mas tem que comprar o lenço.
-Por que razão tenho que comprar o lenço? Não tenho necessidade de lenço.
Não estou tuberculoso, nem com a gripe espanhola que assolou o mundo em 1918.
Discursou Abelardo.
-Como não? O senhor pediu um lenço- disse ela.
-Sem dúvida, para assoar o nariz, replicou. Faz muito bem em vender lenços. Para
as pessoas se protegerem das doenças e não passarem vírus para outras. Mas vê-
-se que não tem necessidade de assoar o nariz. Mas desculpe se sou indiscreto. Se vende os lenços quando tem necessidade de assoar o nariz, com que o assoa?
-Mas eu não…- gaguejou a empregada, que já não sabia o que dizer ou fazer.
-Não quer dizer? Paciência! disse ele, todo empertigado. De resto, não tenho empenho nenhum em sabe-lo. Assoe o nariz com o que bem entender e até logo. Aproveite os lenços para se proteger.
E Abelardo, o estouvado (hoje diz xarope) voltou às costas à balconista e saiu da loja. Contam que o lenço foi descontado do salário da moça .
Vivas Memórias Alberto Isaac é jornalista professor e comerciante. Durante quarenta e cinco anos foi o correspondente do jornal “O Estado de São Paulo” em nossa região.
Fonte: Correio Itapetiningano.
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