Governo Bolsonaro é acusado de querer controlar a natalidade de mulheres pobres.
Portaria do Ministério da Saúde prevê distribuição de implante contraceptivo subdérmico no SUS somente para mulheres em situação de rua, com HIV/AIDS, privadas de liberdade e trabalhadoras sexuais.
Por Dri Delorenzo
O Ministério da Saúde publicou uma portaria onde anuncia que o método anticoncepcional de implante subdérmico será incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Trata-se de um bastão semelhante a um palito de fósforo que é implantado no braço da mulher e vai liberando hormônios que evitam a gravidez, por até 3 anos.
Mas a medida está gerando críticas de que o governo Bolsonaro quer controlar a natalidade dos pobres.
Isso porque a portaria (nº 13/2021) prevê que o método seja direcionado apenas para mulheres em idade fértil em situação de rua; com HIV/AIDS em uso de dolutegravir; em uso de talidomida; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose em uso de aminoglicosídeos, no âmbito do SUS.
“Focalização de políticas de saúde reprodutiva em populações vulneráveis tende a confundir direitos com eugenia”, disse a antropóloga Débora Diniz, pelo Twitter. “A lista mais parece um compilado de mulheres consideradas ‘indesejadas’ a engravidar. Saúde reprodutiva sempre caminha junto com direitos reprodutivos.”
A ex-senadora Vanessa Grazziotin afirmou que a portaria é gravíssima, pois traz de volta o controle da natalidade.
A Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS) organizou uma reunião nesta segunda-feira (26) para discutir a portaria. “Entendemos que a medida do governo viola a dignidade das mulheres destinatárias da norma, pois é discriminatória e atenta contra a autodeterminação e integridade pessoal.”
Em artigo, Santuzza Alves de Souza, Bárbara Natália Lages Lobo e Ellen de Lima Souza dizem que a portaria não traz qualquer informação das motivações para a decisão de aplicá-lo nas mulheres citadas e foi elaborada sem participação de movimentos sociais. “Revela-se, assim, a intencionalidade de esterilização da pobreza, esterilização racial e esterilização da existência das mulheres atingidas pela portaria. A ausência de participação, bem como o direcionamento da política pública a mulheres entrecortadas por diversos fatores de discriminação e estigma, reiteradamente violadas pelo Estado e pela sociedade em sua dignidade, reforça o caráter eugênico, racista e higienista da pretensa medida.”
O Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas para Mulheres da Fundação Perseu Abramo divulgou uma nota onde repudia a medida e afirma que a portaria resgata uma proposta da ditadura militar, veja a seguir:
“Trata-se de medida discriminatória e prejudicial às mulheres às quais se destina e que, violando a integridade pessoal, a autodeterminação e atentando contra a dignidade de forma intolerável e inconstitucional, busca atribuir a pobreza à falta de controle da fecundidade das mulheres. Uma coisa é a defesa histórica de políticas públicas que permitam planejamento familiar livremente consentido, com acesso gratuito e universal a contraceptivos adequados a todas e todos; outra, é o controle da natalidade que rompe com tais garantias.
A Portaria resgata proposta da BEMFAM, Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil criada em 1965, apresentada com força nos anos 70 e que, sob o argumento de um planejamento familiar, visava a controlar a natalidade, buscando reduzir o número de filhos como se esse fosse o problema da sociedade brasileira, e não suas abissais desigualdades. A ideia reapareceu nos anos 80 com a AIDS, em especial junto aos grupos aos quais era atribuído ‘comportamento de risco’, como prostitutas, população LGBTQI e meninos/as de rua.
O Ministério da Saúde não apresentou propostas para atacar os problemas das desigualdades e violências de gênero. Ademais, a Portaria não avança na direção de uma política pública de apoio e ampla distribuição de preservativos femininos e masculinos, garantidora dos direitos à maternidade, que informe e coloque à disposição os cuidados à saúde de todos e todas, jamais impondo seu uso. Daí nosso total repúdio, mesmo porque: Não cabe ao Estado controlar nossos corpos.”
In Revista Fórum.
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