segunda-feira, 4 de julho de 2022

A COLÔNIA SÍRIO-LIBANESA

 



É Jorge Americano, no volume “São Paulo Atual – 1.935-1.962”, quem descreve com exatidão a rua dos sírios em São Paulo no encerrar dos anos 50:
“É o limite entre a colina central e a Várzea do Tamanduateí, hoje, Parque D. Pedro II.
Atravancada de caminhões, há nos andares térreos casas de couros, casas de fazendas, casas de brinquedos, casas de armarinhos, casas de frutas e verduras, casas de corridas, casas de bebidas.
E, nos andares de cima, cujas escadas internas vem até a frente, moram os sírios que trabalham nos andares de baixo.
Sente-se o cheiro de couro, de comida cozida, de frutas apodrecidas e de verduras velhas.
Há nucas batidas de homens morenos em que os narizes predominam.
Há braços grosseiros tatuados de estranhas figuras, e olhos de mulheres gordas, de pestanas longas, tatuadas de azul.
Sob sobrancelhas arqueadas, estranhos olhos pretos de moças sírias.
Há narizes comerciando por toda a parte, e velhos pacíficos que fumam, lendo jornais escritos de trás para diante.
Passam gatos e cães daqui para ali, entre velhas muito velhas que comem tremoços, crianças que comem amendoim, e gente de toda a idade que come figos e doces de cores transparentes, falando uma língua de consoantes ásperas”. 
O primeiro árabe que aportou em terras brasileiras chamava-se Miguel Nassar, no ano de 1.824.
Miguel Daniel, outro árabe, veio do Líbano em 1.890. Atuando como mascate na região de Campinas, Miguel Daniel acabou desbravando outras regiões, inclusive Itapetininga e São Miguel Arcanjo.
Foi nessa caminhada que ficou sabendo que alguns patrícios seus, como David e Abrão Cury, já estavam residindo nesta última localidade.
Animado, também fixou residência em São Miguel, no ano de 1.895, empenhando-se em mandar virem os parentes deixados na sua terra natal, pois acreditava demais no Brasil e no município que se tornara autônomo recentemente.
Chegaram, então, além dos parentes, filhos e enteados. Moisés, André, Zacharias, Felipe, André Daniel, José, Elias Abdalla, Jacob, Abílio, Daniel, Narlir, Jorge David, Abrão, Calisto João, Abrão Isaac, Elias Jorge, Demétrio Jacob, José Ibrahim, Michel Abrão, Abdala Jabur, Zacarias Elias, Miguel Helou, Antonio Helou, Salim Nagib, Harif, etc.
Miguel Daniel faleceu em 1.914, imensamente feliz por ter vivido e contribuído com o progresso de São Miguel. Muito lucro ele levou do dinheiro a juros de 1,5% ao mês que ele emprestava a quem estivesse precisando.
Os libaneses tornaram-se os "donos" da Praça da Matriz.
A Confeitaria “Flor da Síria”, de Miguel Abrão, ficava na praça, ele que também possuía na Rua Siqueira Campos um amplo armazém de secos e molhados, comercializando bebidas nacionais e estrangeiras, doces e conservas, e completo sortimento de armarinhos.
A Alfaiataria “São Miguel”, com preços módicos, propriedade de Anniz Abrahão, também estava localizada na praça.
Também residia e tinha comércio na praça, um dos mais ricos empresários, o Narlir Miguel, proprietário da “Casa Miguel”, loja de fazendas e armarinhos, calçados, chapéus, roupas feitas, louças, ferragens, secos e molhados.
Possuía também uma máquina de beneficiar algodão, adquirida de Luiz Válio, e, além de comprar algodão, vendia sementes da marca “Texas”, as melhores do Estado.
A bomba de gasolina “Estandard”, a primeira da cidade, era de sua propriedade. Mais tarde, montou uma fábrica de torrefação e moagem de café, o “Café Narlir Miguel”, muito bom, por sinal.
Na década de 30, Narlir Miguel colocou-se como agente do jornal “O Estado de São Paulo” em São Miguel.
A “Casa Michel”, de Michel Abrão, funcionava ali onde hoje está a “Loja Bom Jesus”.
Michel iniciou suas atividades no ano de 1.921.
Matheus Haddad era proprietário da “Casa Palma”, loja de fazendas, calçados e armarinhos, no Largo da Matriz, esquina com a Rua do Guapé.
Sua filha Dirce casou-se com Antonio Alarcon, de Sorocaba, grande fornecedor de bebidas para os bares e lanchonetes de São Miguel, nos anos 30/40.
Antonio Bittar, filho de Abrahão Ristum e Rachme Miguel, naturais da Síria, nasceu em Santa Rita do Passa Quatro /SP e casou-se com Alice José, filha de José Elias e Izahia Ibrahim, proprietários de açougue; aqui, estabeleceu-se com uma loja de roupas e armarinhos localizada na esquina da praça, num prédio alugado que pertencia ao Major Luiz Válio.
Antonio Bittar e Abrão Isaac eram exímios tocadores de flauta árabe e animavam festas na cidade e região, juntamente com Azet Dib, que era cantor e até chegou a gravar um disco.
Azet Dib possuiu sua loja ao lado da “Casa Paulista”. Curioso, certa vez construiu uma máquina que batia o leite até que ele virasse manteiga.
Azet esteve preso durante seis meses, justamente quando voltou para o oriente a fim de matar saudades da terrinha: guerras internas!
Calixto João, nascido em 1.891, era casado com Eniamina, nascida em 1.892, ambos sírios. Chegaram em São Miguel no ano de 1.919, onde também se estabeleceram com uma alfaiataria.
E Fuad Abrão?
Nascido no Líbano aos 14 de março de 1.905, Fuad muito batalhou antes de tornar-se o grande empresário que São Miguel conheceu.
Tão logo chegou à cidade, arrumou um carrinho de mão e com ele percorria as ruas, de porta em porta, oferecendo seus produtos.
A fruta que ele costumava comercializar era o abacaxi, que ele chamava “abracaxi”, que ele adquiria do Idálio, um dos mais dignos representantes da colônia sírio-libanesa.
Fuad conseguiu logo montar sua loja de roupas e armarinhos e mais tarde, um empório.
Na década de 50, Fuad Abrão construiu e inaugurou aqui seu sonho, acolhido com imenso amor por toda a população, numa das esquinas da praça, encostado à sua lojinha.
Era um prédio magnífico, de arquitetura semelhante à romana onde funcionaria o cinema da cidade, o Cine Teatro São Miguel, inaugurado no dia 04 de fevereiro de 1.950, um domingo maravilhoso, que contou com a presença do então governador Adhemar de Barros e de muitos aficionados da Sétima Arte espalhados por toda a região.
Quem não conheceu, não pode imaginar como foi essa fase áurea da cultura em São Miguel.
Nesse prédio aconteceram muitos encontros sociais, festivais de música popular brasileira, encenações de peças teatrais, que, inclusive tornaram-se modelos para toda a região.
Fuad faleceu no ano de 1.957, deixando órfã toda uma população que não conseguiu levar avante o grande presente deixado por ele a toda a população de São Miguel Arcanjo.
Embora uma plêiade de jovens se dispusesse a continuar com a exibição de filmes, pagando aluguel à viuva-herdeira de Fuad, Munira Ozi Abrão, não houve progresso.
Para ajudar, a própria televisão deitou por terra o pouco do sonho que restara do antigo empresário.
Foi na década de 20 que José Elias montou seu açougue onde hoje está localizada a Casa de Móveis São Miguel. Era casado com Isaura, conhecida como Zaía. Um dos seus filhos, o José Nader, foi herói na Segunda Guerra Mundial.
Onde hoje se vê a Foto Ueda, funcionava o Bar Central que pertencia ao Abdalinha, que era ponto de encontro de toda a rapaziada da cidade. Ali também se servia um sorvete delicioso.
Anorim Wakim Tannous se recorda que a corrente trifásica do relógio de luz existente no estabelecimento do Abdalinha obrigava o uso de dois relógios e que esses relógios eram importados da Alemanha. Quem comercializava esses relógios era justamente o pai de Anorim, Antonio Wakim Tannous, conhecido com Antonio Doce, casado com Wilma Sarruge.
Isaac Idálio e a esposa Maria vieram de Guaxupé, Minas Gerais; deixaram a terra mineira no dia 20 de junho de 1.933.
Isaac montou seu escritório de contabilidade na praça da Matriz. Foi o primeiro guarda-livros de São Miguel Arcanjo.
Uma receita de quindim trazida de Guaxupé, acha-se impressa num caderninho deixado por dona Maria, o qual faz parte do acervo da Associação Casa do Sertanista de São Miguel Arcanjo, doado por sua filha, Assucena Idálio:


“1coco ralado;
3 quartas de assúcar
15 gemmas
Uma quarta de manteiga.
Ajunta-se tudo e bate-se um pouco.
Vae ao forno brando.
Forminhas untadas”.
(escrito dessa mesma forma)


E a piscina? Esta, mandada construir no ano de 1.946 pelo Abdala Jabur, ficava na Rua Siqueira Campos, lá na saída para o bairro de Santa Cruz, no terreno que hoje seria defronte ao prédio abandonado do Matadouro Municipal, que fica ao lado da fábrica de farinha e fubá de Antonio Falopa.
O primeiro e único professor com descendência libanesa a lecionar por estas bandas, conforme pesquisas, chamava-se Elias Abib que em 1.928 prestou seus serviços no Bairro do Taquaral.
Wadih Hakim foi presidente da Câmara por muito tempo.
Fogacista ao extremo, jamais permitiu que quaisquer requerimentos contra o prefeito Fogaça fossem aprovados, mesmo aqueles que solicitassem as mais simples respostas.
A respeito de impostos, veja o que ele afirmava na época, mais especialmente numa das sessões da Câmara, em 1.956:
- “Deveríamos seguir o exemplo do grande governador Jânio Quadros, que não perdoa ninguém, todos tem que pagar, pouco ou muito que seja devido ao Estado”.
Por isso é que o pão em São Miguel custava 0,17 centavos, quando na Capital apenas 0,14 centavos.
O sírio José Assad Macool possuiu uma fábrica que produzia alcatrão vegetal extraído do nó de pinho através de um processo por ele mesmo inventado.
Era composto de iodo, 35% de creosoto e certos ácidos desconhecidos. Com essa mistura, as feridas antigas cicatrizavam, os bernes do gado sumiam com apenas uma aplicação e, no trato da madeira chegava a ser algo milagroso, preservando-a dos carunchos, pois lustrava e não deixava apodrecer a parte da madeira que ia para baixo da terra.
Tinha um cheiro bem agradável e era insolúvel na água..
Em 1.931, porém, ao solicitar auxílio do Estado para instalar sua fábrica com legalidade, teve seu pedido indeferido por descrença no alcance econômico e pelo monopólio da indústria que não seria aconselhável.
Geni Elias, a mulher do sancliche sempre esteve ligada aos políticos e à elite da cidade.
Coube a Antonio Bittar Filho, grande goleiro do Esporte Clube São Miguel, mais tarde como vereador, a glória de ter descoberto a real data de comemoração às festividades de emancipação político-administrativa do município, que é a 1º. de abril.
Conhecido como Beduino, Antonio Bittar Filho nasceu na cidade paulista de Santa Rita do Passa Quatro, aos 17 de julho de 1940, descendendo de Antonio Bitar, libanês de nascimento, e de Alice Elias Bitar, descendente de libaneses.
Seus primeiros estudos foram realizados junto ao Grupo Escolar José Gomide de Castro, em São Miguel Arcanjo (SP), sendo que o colegial foi iniciado em Itapetininga, no Colégio Estadual Júlio Prestes de Albuquerque, prosseguindo no Colégio e Escola Normal Ciências e Letras e concluído no Ginásio Municipal Getúlio Vargas, todos em Sorocaba (SP).
O ciclo médio foi principiado junto à Organização Sorocabana de Ensino e concluído na Escola Acadêmica Padre Anchieta, na mesma cidade.
O bacharelado em Direito foi cursado na Instituição Toledo de Ensino, em Presidente Prudente (SP).
A militância no campo da advocacia teve início logo após sua colação de grau.
Ingressou na Magistratura, por concurso público, no Estado do Paraná, judicando nas Comarcas de Cornélio Procópio, Uraí, Nova Fátima, São Jerônimo da Serra, Congonhinhas, Bandeirantes, Capanema, Medianeira, Matelândia e Foz do Iguaçu, exonerando-se para prestar concurso em Mato Grosso, ocasião em que foi aprovado. Em solo mato-grossense atuou junto às Comarcas de Barra do Bugres, Rosário Oeste, Diamantino e Cáceres. Promovido, por merecimento, para a Comarca de Rondonópolis, de lá foi transferido, por antiguidade, para a 1ª Vara Cível desta Capital, no ano de 1980.Seu ingresso no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso se deu por promoção, por antiguidade, datando a posse aos 14 de dezembro de 1993. Na gestão 2001/2003, ao lado do então Presidente Desembargador Leônidas Duarte Monteiro, ocupou a Vice-Presidência, tomando posse em 1º de março de 2001. Integrou a Mesa Diretora do Tribunal de Justiça em 2003-2005, na categoria de Vice-Presidente.De 2.006 a 2.007 foi Presidente do TRE de Mato Grosso.

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