segunda-feira, 4 de julho de 2022

EM RITMO DE TROVA

 




Na manhã amena de São Miguel Arcanjo, neste inverno macio de frio saudável, o passeio é agradável, bom é andar.
Os ônibus verdes lustrosos que passam, que chegam, que vão, dão um quê de notável, de rica, de amável à cidade pequena que acorda tão cedo.
Não vejo a preguiça, não vejo o bocejo das pequenas cidades que dormem ao sol.
Há aqui um encanto dos homens, do Santo, não sei do que seja, mas noto que a ordem é aqui trabalhar.
Bendito este povo, cada dia de novo bem cedo na luta, bem certo, confiante que o progresso virá.
Na praça, que a ordem, bom dia, prefeito!, esta praça é singela e mesmo assim está bela e se meios houvessem na certa é que ela mais bela seria.
Eu vim lá de longe, prefeito, notei pelas ruas mais ordem, no entanto notei os terrenos baldios, com cerca ou sem muro, sem nada, que feio; um meio haverá certamente que obrigue essa gente que os tem a depressa fechar.
Não digam que é duro fazer um bom muro, que pior é ficar o quintal em aberto ou com cerca caída e decerto, que vida, perder o terreno, se a lei obrigar.
Obrigue, prefeito, obrigue essa gente, ora essa, depressa o terreno fechar. A fechar e limpar, que havendo limpeza, beleza haverá.
E se for caso da Câmara, é só oficiar, pedir, demonstrar que vai ela por certo bem logo aprovar um imposto tremendo de fazer essa gente correndo fechar com bom muro, que pagar é mais duro e bem pode acabar em perder o terreno.
Está certo, prefeito?
Na praça em que estou, da Matriz em que entrei, o relógio bonito bate agora mais horas. Relógio do João Thomaz, relógio que a sorte deu, que sorte um relógio assim.
Que sorte, padre Francisco, um relógio tão certo para uma igreja tão linda de um vigário tão bom.
Bendita a cidade que tem de tudo isso!
E agora passei, já vi ruas, vi casas, vi ônibus, carros, e gente que vem, e gente que vai, todo mundo trabalha e eu a passear.
Por certo preciso, está ali o Paulico, ir-me barbear.
E enquanto o artista, que cedo começa, perfaz seu trabalho, eu me ponho a esperar.
E escuto opinião, de quem seja não sei mas errada eu achei, de que nesta cidade não é bom construir.
Ora essa, que coisa, onde quem aqui veio, aqui mora, reside ou nasceu, se criou e viveu, vai botar seu dinheiro que aqui já ganhou?
Como pode, acode a quem lê tal ideia de que nesta cidade não é bom empregar?
Se ela é hoje menor, maior ficará; se ela é hoje tão boa, melhor há de ser, e por que essa ideinha tão pequena de ver nas cidades pequenas somente o que tenham ainda de menos?
Louvados aqueles que às cidades pequenas, bonitas, amenas como esta estimam, e lhes tiram o menos e dão-lhes o mais, e se eles nasceram, nelas cresceram, ganharam, viveram, morrem por elas, que a vida é uma só, e a saudade castiga quem longe do berço se põe a viver.

Texto de Roque Mariano Ribeiro, em 02 de agosto de 1970, no jornal "Folha de São Miguel Arcanjo", que não existe mais.

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