quinta-feira, 18 de agosto de 2022

O que é GENOCÍDIO





Definições de Genocídio

“De acordo com Andreopoulos (1994), anteriormente ao século XX a palavra Genocídio sequer existia. Esse termo foi cunhado pelo jurista polonês Raphael Lemkin, ao combinar a palavra grega genos (raça, tribo), com a latina occidere (matar). Lemkin entendeu a necessidade da criação de uma nova palavra, pois os termos tradicionalmente usados à poca, como “assassinato em massa”, não cobriam todas as diferentes atividades, letais ou não, que se verificavam em um Genocídio.

Lemkin (1948) escreveu:

O crime de Genocídio envolve uma grande variedade de ações, incluindo não apenas a extinção da vida, propriamente, mas ações que a tornem especialmente difícil. Todas essas ações estão subordinadas a uma intenção criminal de destruir ou permanentemente alijar um determinado grupo humano. Esses atos são direcionados contra determinados grupos, e indivíduos são escolhidos à extinção única e exclusivamente por pertencerem a esse grupo.
Muito embora Lemkin objetivasse, intencionalmente, cunhar uma definição relativamente ampla, há de se perceber que as definições que se lhe seguiram adotaram uma abordagem significativamente mais estreita. Talvez a mais importante contribuição do trabalho de Lemkin, além do desenvolvimento inicial do conceito, seja o fato de ele ter advogado, veementemente, pela condenação internacional para esse tipo de crime, provendo, assim, uma base sobre a qual tentativas subsequentes de definir Genocídio, especialmente no âmbito das Nações Unidas, fosse adotada.
De acordo com o Artigo III da Convenção de Prevenção e Punição ao Crime de Genocídio das Nações Unidas de 1948, define-se Genocídio como:
Qualquer dos atos que se seguem, cometidos com a intenção de destruir, em parte ou totalmente, uma nação, etnia, raça, ou grupo religioso, da seguinte forma:

a. Matando membros do grupo;
b. Causando sérios danos, mentais ou físicos, aos membros do grupo;
c.Impondo, deliberadamente, condições de vida ao grupo que lhe tragam destruição física, total ou parcial;
d. Impondo medidas que evitem nascimentos dentro do grupo;
e. Forçando a transferência de crianças do grupo a outro grupo.

Heidenrich (2001) entende que até mesmo essa definição legal, internacional, é controversa. Sua crítica está na exclusão de grupos políticos ou socioeconômicos da definição, como originalmente – 1946 - proposta por Lemkin. Segundo o autor, essa exclusão originou-se da pressão, em 1948, de delegações (incluindo a da então União Soviética, dirigida por Joseph Stalin) que defendiam que “grupos políticos” e “socioeconômicos” seriam termos muito vagos e nebulosos sob o ponto de vista legal. Consequentemente, pelo escopo da definição aprovada pelas Nações Unidas, sempre que um governo cometer assassinatos em massa, sem que haja discriminação de acordo com a nacionalidade, etnia, raça, ou religião, sob o ponto de vista das leis internacionais, não se o pode condenar por Genocídio, ainda que as vítimas se somem aos milhões.

Hinton (2002) confirma que os esforços de Lemkin culminaram em uma resolução preliminar de 1946, por parte das Nações Unidas que definia a ocorrência de Genocídio quando “grupos raciais, religiosos, políticos e outros tenham sido destruídos, total, ou parcialmente”. É de suma import ncia observar que essa resolu ão preliminar incluía na definição a destrui ão de “grupos políticos e outros”.

Kuper (1983) assinala que muito do debate que se seguiu nas Nações Unidas sobre a legislação de Genocídio gravitou sobre a questão se grupos políticos e sociais deveriam constar da definição oficial. Atesta que um considerável número de países, particularmente da União Soviética, que em função das atrocidades que perpetraram contra os Kulaks e outros “inimigos do povo”, temiam por acusações de Genocídios – argumentaram que grupos políticos deveriam ser excluídos da definição da convenção, posto não se alinharem com a etimologia de Genocídio, em função da mutabilidade e efemeridade de características que os distinguem, corroborando, portanto, as críticas de Heindenrich e Hinton.

Assim, Charny (1995) mostrou que as definições de Genocídio estão, ainda, sujeitas a agendas políticas de inclusão ou condenação, de exclusão ou completa negação, dependendo da legitimidade percebida dos algozes. Sugeriu uma definição bastante ampla e genérica, a saber:

Uma matança em massa de um número bastante significativo de seres humanos, quando não estiver a propósito de uma ação militar contra outras forças militares de um inimigo nomeado e claramente identificado, sob condições em que as vítimas se apresentam absolutamente indefesas e sem qualquer tipo de ajuda.

As críticas que se lhe fazem em relação a tão ampla definição é que ela, ao tentar tudo e tanto encampar, perde poder de diferenciar e categorizar, como comenta Horowitz (1997):

Há um perigo ao se alargar o conceito de Genocídio, dado que ele passe a simbolizar o encompassamento de tudo e, consequentemente, torna-se sem sentido.

Com objetivos e motivações distintos das de juristas como Lemkin, Rummel (1995) traz uma abordagem mais psicossocial à definição, explorando a letalidade de governos totalitários modernos. Embora tenham repulsão comum às barbáries de Genocídios, essas duas abordagens apresentam, segundo Chalk (1994), agendas distintas, que as levam a definições divergentes:

Para advogados internacionais, definir Genocídio significa definir um crime. Como qualquer outra ofensa criminal, a definição de Genocídio deve ser apropriada à persecução legal, e deve ser operacional ao trabalho de juízes e advogados envolvidos. Quando da definição de Genocídio, eles estão delimitando as fronteiras de um conjunto de casos que eles se dispõem a estudar, com vistas a bem identificar seus elementos comuns, bem como os processos que lhes permitiram ocorrer.

Ainda nessa perspectiva mais sociológica de Genocídio, Fein (1993) desenvolve um modelo para a identificação de Genocídios que inclui os seguintes pontos:

a. Um ataque sustentável, ou um conjunto de ataques imputados pelos algozes com vistas a fisicamente destruir membros do grupo;
b. O algoz é um ator coletivo ou organizado, ou ainda, o líder de atores organizados;
c. As vítimas foram selecionadas por serem membros de uma coletividade;
d .As vítimas estavam indefesas, e foram mortas independentemente de se terem rendido ou resistido;
e. A aniquilação de membros do grupo foi realizada sob a sanção dos algozes, exclusivamente.

Sua clara distinção em relação às demais abordagens está na constante presença da intenção, o que descarta a pretensa idéia de Genocídios não-intencionais, ou acidentais.

Dadrian (1975) apresentou a seguinte definição alternativa à das Nações Unidas:

A tentativa bem-sucedida de um grupo dominante, empossado de autoridade formal e/ou acesso preponderante à plenitude dos recursos do poder, a reduzir por coerção ou violência letal o número de constituintes de um grupo minoritário, cujo extermínio completo é plenamente defendido ou almejado, e cujas vulnerabilidades percebidas constituem-se em fator decisivo à decisão pelo Genocídio.

Acrescentou, ainda, uma categorização dos diferentes tipos de Genocídio, em função da motivação que os origina:

a. Genocídio Cultural: É a destruição das características que distinguem um determinado grupo, forçando sua assimilação pela supressão de suas especificidades étnicas;
b. Genocídio Latente: Trata-se da destruição indesejada ou não planejada de um grupo, como subproduto de guerra;
c. Genocídio Retributivo: É perpetrado como resposta a desafios e ameaças reais ou percebidas à ordem estabelecida, pela parte de um grupo minoritário, tornando-se, via de regra, bastante localizado e curto;
d. Genocídio Utilitário: Trata-se de um massacre generalizado visando a objetivos táticos, econômicos e políticos específicos;
e. Genocídio Ótimo: Visa à completa destruição de um grupo, abarcando todas as ações perpetradas como parte de uma ação planejada, sistematicamente, à tentativa de total e definitiva erradicação dos mebros de um grupo.

Melson (1992), por sua vez, define Genocídio como sendo:

Uma política pública, primordialmente adotada pelo Estado, cuja intenção é a destruição parcial ou total de uma coletividade social, usualmente um grupo comunal, uma classe, ou ainda uma facção política.

A importante contribuição de Melson à definição de Genocídios é a introdução do conceito de continuum, ou seja, há uma divergência no nível de letalidade e duração. O Holocausto seria, então, seu estágio mais avançado e devastador, distinguindo-se das demais instâncias por representar a aniquilação física extrema, bem como a destruição cultural total, em dimensões globais.

Em uma definição que busca a clara distinção em relação ao conceito de guerra, Chalk e Jonassohn (1990) definem Genocídio como sendo:

Um processo de matança unidirecional, no qual o estado de autoridade visa à destruição de um grupo, sendo que a pertinência ao mesmo é definida pelos algozes.

Nessa abordagem, exclui-se a condição de guerra, posto que, por definição, em processos de guerra há, ao menos, dois combatentes, enquanto que em Genocídios a ação belicosa é unidirecional.

Essa distinção entre guerra e Genocídio, a partir da unidirecionalidade da agressão tem gerado controvérsias, pois alguns autores como Markusen & Kopf (1995) entendem que as guerras modernas são essencialmente genocidas por princípio, ou ao menos, apresentam alguns de seus elementos fundamentais.

Chalk e Jonassohn defendem, ainda, que para que haja a ocorrência de Genocídio há de prevalecer a intenção, ou seja, a destruição total de um grupo alvo tem de ser o objetivo claro e expresso dos algozes.

Horowitz (1997) define Genocídio a partir de conceito de:

Uma sistemática e estrutural destruição de pessoas inocentes por pessoas que se valhem de aparato burocrático.

Seu enfoque reside, portanto, na participação ativa e consistente do Estado na operacionalização de Genocídios. Em suas análises, associa a incidência de Genocídios à presença de regimes totalitários repressivos, que visam à eliminação da heterogeneidade e multiplicidade social e cultural.

À luz de tantas variações quanto à definição de Genocídios, Rummel (1997) sugere cunhar-se um novo termo, “Democídio”.

Uma morte constitui-se em “Democídio” se:
houver a intenção de matar uma pessoa desarmada por agentes governamentais atuando com autoridade e legitimidade funcionais;
a morte resultar de ações governamentais recobertas de descuido e desrespeito às vidas das pessoas afetadas;
as mortes foram conduzidas ou operacionalizadas por entidades “para-oficiais”, mas em situações nas quais o Governo se ausentou de manter, ou prontamente restabelecer, ordem e segurança;
altos agentes governamentais permitiram a continuidade de atos de violência e morte, pela sua simples inação ou passividade;
houver execução sumária, ou sem o devido julgamento;
houver execução para crimes internacionalmente tidos como triviais ou não-capitais.
Assim, “Democídio” seria o caso genérico, e Genocídio seria um dos muitos e específicos casos de mortes intencionais, ou passivamente atribuídas à atuação de Governos.


Conclui-se, portanto, que tão frequente quanto sua ocorrência ao longo da história da humanidade, o uso do termo “Genocídio” tem-se mostrado surpreendentemente difícil de convergir, no que tange a uma definição. Largamente empregado em uma variedade de contextos, com grande discrep ncia de crit rios, a no ão de “Genocídio” marcada pela amplitude de seu uso. Alvarez (2001) assinala que:


O termo tem sido utilizado para tudo, desde planejamento familiar até a urbanização das sociedades, e essa clara desapropriação do termo, embora política e emocionalmente potente, contribui à confusão conceitual que circunda o termo Genocídio.


Finalmente, não obstante tantas e tão específicas variações sobre a definição de Genocídios, pode-se apresentar o seguinte inventário de conceitos, a partir da convergência de alguns trabalhos mais recentes - Alvarez (2001), Horowitz (1997), Hinton (2002), e Heindenrich (2001):Reconhecimento de que Genocídio é praticado pelo Estado, ou por uma estrutura burocrática similar a ele;
Genocídios são ações contínuas, sistemáticas e planejadas para eliminar grupos de pessoas;
As vítimas são escolhidas por pertencerem (real ou imaginariamente) a grupos-alvo de destruição;
Há uma grande vulnerabilidade dos grupos-alvo;
Há muitas formas e disfarces para as atividades de Genocídio, cada uma delas caracterizando diferentes objetivos e motivações, sendo que essas especificidades definem as diferentes estratégias e táticas dos casos específicos;
Genocídio agrupa um conjunto de diversas atividades, sendo que os assassinatos representam apenas a mais imediata e óbvia de suas ações;
Em Genocídios há sempre, ainda que disfarçada, a intenção, a motivação, o planejamento, a culpa;
Finalmente, há o claro consenso entre os pesquisadores de que Genocídio é um crime que precisa ser prevenido e punido.”
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Fonte:
SERGIO VEZNEYAN: “Genocídios no século XX: uma leitura sistêmica de causas e consequências”. (Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Social. Orientadora: Professora Doutora Anna Mathilde Pacheco e Chaves Nagelschmidt). São Paulo, 2009.


Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Escrito ou postado por: Iba Mendes

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