quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Uma breve história do FEMINISMO

 



FEMINISMO: HISTÓRIA E REBATIMENTO NAS RELAÇÕES SOCIAIS

"As meninas começam a falar e ficam em pé mais cedo que os meninos, porque as ervas daninhas sempre crescem mais rapidamente". (Martinho Lutero)

A afirmação do alemão Martinho Lutero, teólogo e iniciador da Reforma Protestante ocorrida no século XVI, é ideal para se começar a falar no movimento que deu início à luta das mulheres contra a opressão sofrida através da história na grande maioria das sociedades. A mulher muitas vezes foi vista como um ser inferior, como alguém ou até algo que deveria ser cuidado, vigiado, manipulado. Mas quando e por que o sexo feminino passou a desempenhar este papel de inferioridade perante o homem?
Segundo Coelho (2002), os estudos antropológicos defendem a tese de que a inferioridade social e morfológica da mulher teve início com a divisão do trabalho, onde ficou estabelecido que à mulher caberia o âmbito doméstico. Já ao homem couberam os trabalhos guerreiros e de caça, o que demandava força física e destreza psico-manual. Por outro lado, alguns estudos históricos concluem que a mulher passou a ser vista como ser inferior a partir do domínio romano, uma vez que nesta sociedade o chamado direito romano a reduzia a "uma coisa nas mãos do marido." (COELHO, 2002, p. 39).
Ainda segundo Coelho (2002), a história, por vezes de forma contraditória, ora afirma que o Cristianismo tentou elevar o conceito da mulher dentro da sociedade já medieval, ora por outro lado registra que a religião cristã considerava a mulher como um ser inferior. O que se percebe ainda hoje, por certo, é que os cargos mais importantes dentro das instituições cristãs são ocupados por homens.
Mas essa diferença entre homens e mulheres pode ter sido estabelecida culturalmente. Coelho (2002) diz que nas sociedades primitivas provavelmente o prestígio social era igual para ambos os sexos. Assim, conforme as sociedades foram se desenvolvendo e complexificando-se com suas regras e costumes, a mulher foi posta em um patamar inferior ao do homem, transformando-se no sexo frágil.
E em todos estes momentos foram reduzidas as manifestações que defendessem publicamente direitos iguais às mulheres. Não se tem muitos registros de movimentos que tenham reivindicado igualdade de direitos à classe feminina antes do século XIX. Houve apenas alguns casos isolados, na sua maioria protagonizados pela intelectualidade, especialmente a feminina. A primeira intelectual a defender a mulher, segundo Coelho (2002), foi a francesa Cristine de Pisan.
Entretanto, poucas eram as mulheres intelectuais. A classe feminina em grande parte das sociedades foi alijada do direito de estudar, com algumas poucas exceções. Apesar disso, no século XVI um considerável número de mulheres européias das classes altas era alfabetizado. Algumas até possuíam certo prestígio dentro da sociedade. Entretanto, praticamente nenhuma delas reagiu contra a opressão de gênero então imposta. "Vários historiadores as acusam da negligência com que esqueciam, na doce fruição de seu cômodo bem-estar, as suas irmãs oprimidas." (COELHO, 2002, p. 41).
Isto não significa que a mulher sempre tenha agido apenas com indiferença perante a prostração sofrida. Analisando historicamente, percebe-se que em alguns momentos houve ações ou manifestações contra a opressão das mulheres, vindas especialmente de obras literárias: voltando um pouco ao século XVII, Frei Beto (2007) e Pinho (2005) afirmam que, em Veneza (Itália), houve várias publicações a respeito da classe feminina. Ainda em 1600, Moderata Fonte escreveu "Merito Delle Donne" (Valor da Mulher), onde reproduziu o cotidiano das donas de casa, criticando a sociedade patriarcalista de então, afirmando que esse sistema social oprimia as mulheres. Em 1601, Lucrécia Marinelli publicou "La Nobilità e L’eccelenza Delle Donne" (A Nobreza e a Excelência da Mulher), defendendo a igualdade de direitos entre os sexos masculino e feminino, além de criticar a historiografia produzida pela ótica masculina, que inferiorizava a mulher.
Ainda no século XVII, Arcângela Tarabotti também escreveu várias obras onde denunciava a opressão masculina em relação à mulher. Em "Antisatira" (Anti-sátira), "Difesa Delle Donne Contro Horatio Plata" (Defesa da Mulher Contra Horácio Plata) e "La Tirannia Paterna" (A Tirania Paterna), condenava a rigidez religiosa, argumentava contra o moralismo masculino e revelava a prostração das mulheres perante o autoritarismo masculino. (FREI BETO, 2007; PINHO, 2005).
Na França, em 1673, François Poullain de la Barre escreveu a obra "De L´égalité des Sexes" (Da Igualdade dos Sexos), onde defendia o direito de igualdade para as mulheres. Entre outras questões, o autor defendia a mulher na magistratura e no sacerdócio.(PINHO, 2005). Mas François não foi o primeiro homem a defender a classe feminina. Frei Beto (2007) declara que, em 1529, o alemão Cornélio Agrippa escreveu "De Nobilitate et Praecellentia Feminae Sexus" (Da Nobreza e Excelência do Sexo Feminino), também defendendo a primazia da mulher.
Na segunda metade do século XVIII, o Iluminismo enfatizava a razão humana e pregava a evolução do ser humano através da cultura. Isso levou mais pessoas às escolas, entre elas, mulheres. Nesse contexto a britânica Mary Wollstonecraft escreveu, em 1790, Uma Defesa dos Direitos da Mulher. Entre outras questões, a autora defendia a libertação da mulher através da educação. (PINHO, 2005).
Outra iluminista foi a francesa Olympe do Gouges que lançou, em 1791, a Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã – inspirada na Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão – onde declarava que a mulher possuía os mesmos direitos naturais concedidos ao homem. Olympe defendia a participação feminina na elaboração das leis, assim como o direito de voto às mulheres. (FREI BETO, 2007; PINHO, 2005).
Uma das obras precursoras em relação à valorização da mulher no século XIX veio mais uma vez de um homem. Em 1869, o inglês John Stuart Mill publicou a obra Sobre a Sujeição da Mulher, onde defendia o fim da desigualdade feminina nas sociedades. (FREI BETO, 2007).
Todas as obras citadas, e muitas outras aqui não referenciadas, demonstram que as manifestações contra a opressão feminina são anteriores ao movimento feminista. Contudo, essas manifestações ainda não podem ser consideradas como expressões de um movimento organizado. Somente na segunda metade do século XIX estes movimentos tornaram-se organizados e reconhecidos como expressões feministas. (LOURO, 1997). E é nesse contexto que grande parte da bibliografia começa a historicizar o feminismo.
Boa parte da literatura especializada analisa a história do movimento feminista por ondas. Alguns estudiosos afirmam que dois momentos foram importantes para o desenvolver do feminismo. Na segunda metade do século XIX a Europa e os EUA viram florescer uma mobilização que reivindicava à mulher o direito ao voto, ao estudo, à herança, à propriedade e ao trabalho remunerado, entre outros. Tratava-se da primeira onda do feminismo. (PEDRO, 2005). Entretanto, de acordo com Louro (1997), as reivindicações da primeira onda estavam voltadas às mulheres brancas da classe média. Já no início do século XX o feminismo reivindicava principalmente o direito de extensão do voto às mulheres, o que ficou conhecido por sufragismo. (LOURO, 1997).
Durante o período das duas guerras mundiais (1914-1945) a mulher se inseriu no mercado de trabalho para substituir a mão-de-obra masculina que estava nos campos de batalha. Neste contexto uma parte das sociedades já tinha concedido o direito de voto e escolarização às mulheres. Aparentemente as reivindicações da primeira onda haviam sido conquistadas e o movimento recrudesceu sem, entretanto, extinguir-se.
Na década de 50 do século XX, terminada a Segunda Guerra Mundial, o movimento feminista ressurgiu, agora reivindicando, além da igualdade entre homens e mulheres, o direito ao corpo e ao prazer. A segunda onda do feminismo reafirmava a identidade da mulher, separada da do homem. Os questionamentos e as reivindicações passaram a ser centrados na mulher e contra a sociedade patriarcal. As discussões eram realizadas por grupos compostos essencialmente por mulheres, o que caracterizou esta segunda onda como "separatista."
Esta perspectiva “separatista” – de somente reunir mulheres – como se pode ver, baseava-se numa identidade considerada comum a todas, ou seja, todas as pessoas que, entendiam, possuíam um mesmo sexo, no caso, o feminino, eram identificadas como “Mulher” e passavam a ser pensadas como submetidas ao sexo masculino – sendo, portanto, alvos da mesma forma de opressão. (PEDRO, 2005, p. 81).
Mais uma vez duas obras literárias mostraram-se bastante importantes no desenvolver do movimento. Em 1949, a francesa Simone de Beauvoir apresentou a obra O Segundo Sexo. Escrito em duas partes, Fatos e Mitos e A Experiência Vivida, esse trabalho questionava a opressão psicológica imposta às mulheres, fazendo com que estas se tornassem alienadas e submissas ao poder masculino. (FREI BETO, 2007; PINHO, 2005).
Betty Fridman, em 1963, retomou as idéias de Simone de Beauvoir e incorporou a estas uma discussão acerca dos papéis de sedutora e submissa sempre atribuído à mulher, além de discutir seu papel secundário em relação ao mercado de trabalho. Em A Mística Feminina, a autora afirmava que as mulheres não se sentiam satisfeitas simplesmente por casar e ter filhos. Ao fazer esta afirmação, Fridman foi contra o padrão social estabelecido que o homem deveria trabalhar para sustentar a família e a mulher deveria ficar em casa, feliz, cuidando dos filhos. (ALMEIDA, 2006).
Apesar de ter ressurgido nas décadas de 1950 e 1960, foi na década de 1970 que os movimentos feministas europeu e norte-americano se consolidaram. Isto porque o feminismo aproveitou a ebulição política-cultural de 1968.
É, portanto, neste contexto de efervescência social e política, de contestação e de transformação, que o movimento feminista contemporâneo ressurge, expressando-se não apenas através de grupos de conscientização, marchas e protestos públicos, mas também através de livros, jornais e revistas. [...]. Militantes feministas participantes do mundo acadêmico vão trazer para o interior das universidades e escolas questões que as mobilizavam, impregnando e "contaminando" o seu fazer intelectual – como estudiosas, docentes, pesquisadoras – com paixão política. Surgem os estudos da mulher. (LOURO, 1997, p. 16)
Hall (2006) considera que o movimento feminista foi importante para a formação das identidades contemporâneas, pois, juntamente com outros movimentos, contestou a cultura dominante. Mas o feminismo foi além da contestação política e econômica. Hall (2006, p. 45) diz que "ele [o movimento feminista] abriu para a contestação política arenas inteiramente novas de vida social:
a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças, etc." A principal característica da segunda onda foi a preocupação em tornar a mulher visível como sujeito. (LOURO, 1997).
Além de analisar o feminismo por ondas, pode-se analisá-lo também pela sua tipologia. No decorrer da história do movimento, várias foram as suas formas de expressão. Algumas, por vezes, até se contrapunham. Castells (2000b), com o intuito de entender esta variedade de manifestações feministas, apresenta seis tipos de movimentos:
a) o primeiro modelo apresentado por Castells (2000b) é denominado por ele de defesa dos direitos da mulher. Essa tipologia apresenta duas variantes, uma liberal e outra socialista. Apesar de ideologicamente serem bastante diversas, ambas as versões defendem a igualdade de direitos entre homens e mulheres e, por isso, podem ser colocadas na mesma classificação;
b) o que Castells (2000b, p. 232) chama de feminismo cultural, também pode ser visto como o "feminismo da diferença", pois defende a idéia de que as mulheres são diferentes e, enquanto tal, devem construir uma "comunidade própria". Apesar desta afirmação, o feminismo cultural não é separatista, mas busca uma autonomia em relação à sociedade patriarcal;
c) já o feminismo essencialista ressalta as diferenças biológicas e históricas entre homens e mulheres, assim como enfatiza uma "superioridade moral e cultural" da classe feminina. Esse movimento não nega as características biológicas das mulheres. Pelo contrário, prega a reconstrução das identidades femininas pautadas nessas características. (CASTELLS, 2000b, p. 232);
d) para Castells (2000b) o movimento mais militante e que mais se desenvolveu na década de 1990, especialmente nos países desenvolvidos, foi o feminismo lesbiano. De caráter separatista, prega a libertação das mulheres da opressão masculina, além de resistir contra a heterossexualidade culturalmente obrigatória. Ao recusar a condição de homem ou mulher, o movimento rejeita igualmente toda a estrutura cultural dominada pelo poder masculino;
e) ao contrário da maioria dos demais movimentos, a multiplicidade de identidades feministas não padroniza o feminismo como um movimento de gênero. Apesar de se constituir de identidades femininas particulares (étnicas, nacionais, etc.), as mais variadas formas de dominação cultural são questionadas. A mulher negra, por exemplo, não questiona apenas a condição feminina na sociedade, mas toda a prostração sofrida pelos negros. (CASTELLS, 2000b), e, por fim,
f) o feminismo pragmático é considerado por Castells (2000b, p. 235) a "mais ampla e profunda corrente das lutas femininas no mundo moderno, especialmente, nos países em desenvolvimento, mas também entre mulheres de classe operária e organizações comunitárias em países industrializados." Esta corrente engloba todos os tipos de lutas da classe feminina, independente de serem conscientemente feministas, ou não. Quando lutam pela família, pelos filhos, por empregos e pela saúde, por exemplo, as mulheres nem sempre estão engajadas em movimentos feministas. Até por isso, suas reivindicações não se colocam necessariamente contra o patriarcalismo, como nas demais manifestações.
Já Walby (1996), analisa o feminismo sob três categorias: o feminismo radical, o socialista e o liberal. Afirma, entretanto, que existem outras perspectivas, às quais chama de subcategorias.
Dentro da concepção feminista radical, predomina a idéia de desigualdade de gênero, com a concepção de que o masculino prevalece sobre o feminino. Gênero é um conceito que analisa a divisão sexual da sociedade de forma mais ampla do que simplesmente a relação biológica homem-mulher. Nos estudos acerca das mulheres, este conceito geralmente é utilizado no lugar do termo sexo, pois este se relaciona com os corpos sexuados e acaba não enquadrando outros papéis, como os transexuais. Quando se trabalha com o termo gênero considera-se aspectos sócio-culturais. Assim, o foco de análise deste segmento feminista é a violência masculina e o abuso sexual sofrido pelas mulheres. Outras formas de desigualdade social não são relevantes para o feminismo radical. (WALBY, 1996). O feminismo socialista também analisa as desigualdades das relações de gênero, mas ligadas à estrutura de classe do capitalismo. Assim, as relações de trabalho, enfocando o papel da mulher, é um dos focos de exame desta categoria feminista. (WALBY, 1996).
Na contramão do feminismo socialista, o movimento de concepção liberal não condena as relações de classe e atém-se mais às questões de educação e participação política. Por outro lado, também luta pela igualdade das mulheres defendendo, inclusive, o direito de escolha em relação a ter filhos, ou não. (WALBY, 1996).”

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ROSEMERI LEANE KNEBEL: "TRABALHO E MATERNIDADE: DESAFIOS PARA A MULHER NA CONTEMPORANEIDADE". (Dissertação apresentada em cumprimento parcial aos requisitos para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais Aplicadas, na área de concentração História, Cultura e Cidadania, na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientação: Professora DOUTORA DIVANIR EULÁLIA NARÉSSI MUNHOZ). Ponta Grossa, 2009.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Escrito ou postado por: Iba Mendes

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