Devemos ao Dr. Othon Henry Leonardos o trabalho de coligir dados e informações sobre jazidas auríferas do estado de São Paulo, além das observações de que dispúnhamos.
Valiosa foi sua contribuição, porquanto nossos conhecimentos em relação a esse estado referem-se mais à geologia geral.
Em capítulo especial tratamos incidentemente das formações proterozóicas que encerram, em São Paulo, os vieiros auríferos.
Do relatório de Orville Derby, da Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo, ano de 1888, extraímos as notas abaixo, sobre as minas do Jaraguá, examinadas pelo geólogo Francisco de Paula Oliveira.
"Depois de Eschwege, ninguém mais se lembrou de mencionar, em escrito que chegasse até nós, os trabalhos proseguidos, que foram tão insignificantes em relação aos antigos, que é desculpável uma tal negligência. Só o testemunho de poucas pessoas daquela época nos pode indicar alguns pormenores sobre estas últimas tentativas de extração do ouro.
"Uma das mais importantes foi a de um tal Dom Joaquim Calbot, de origem castelhana, que há mais de trinta anos montou um engenho com dez mãos para socar os botados dos antigos. Existem ainda no lugar denominado lavras de Dom Joaquim a roda, o eixo e sete a oito mãos de ferro-gusa, pertencentes à bateria de pilões. O que era ferro batido foi carregado e mesmo algumas mãos servem de bigorna em casas da vizinhança.
"Dom Joaquim possuía, para os lados do norte da província, uma fazenda e, não podendo estar à testa do serviço, confiou-o a um Sr. João Lafebre, que, auxiliado por cinco escravos, socou bastante pedra para retirar, segundo as tradições, quatro garrafas de ouro em pó; mas, Dom Joaquim, por motivos que ignoramos, desaviu-se com o seu empregado e suspendeu os trabalhos. Nada consta sobre o tempo que esteve em atividade a máquina, mas pelo uso que mostram as mãos e, atendendo à qualidade da rocha que trituraram, não deveria ter excedido de cinco a seis meses de exercício. Dizem que Dom Joaquim sofreu prejuízos e nenhum resultado tirou da experiência.
"Outra lavra, de que há notícia de trabalho moderno, é a denominada do Maganino. Em 1812, um senhor deste nome começou trabalhos perto de um grande pinheiro, que ainda aí existe. Maganino seguia uma linha mais rica e, descuidando-se em abater o volume de terra, que lhe ficava superior, foi forçado a parar o serviço por ter tido a infelicidade de perder cinco escravos, que ficaram enterrados no desmoronamento.
"Além destes, são apontados os serviços do Manquinho, o dos terrenos que foram de Dona Gertrudes Galvão de Lacerda perto do Jaraguá, o do Curupira, um dos mais chegados ao morro, o serviço da Roda d'Água, o do Ribeirão das Paineiras, perto da estrada que de Taipas vai a Parnaíba, e o do mesmo ribeirão na barra com o Juqueri e que foi propriedade de um padre.
"Seria longa, e mesmo sairia fora dos limites desta notícia, uma descrição detalhada de cada uma destas lavras e do modo por que foram trabalhadas, o que reservo para uma memória especial, logo que tiver elementos mais abundantes que mereçam ser publicados. Cumpre-me, porém, dar ideia do modo de ser das jazidas.
"É fato que grande parte da exploração destas lavras foi feita no cascalho, cuja possança muito variável não excedia de 60cm; mas os trabalhos eram dirigidos de tal modo que, para chegar a esta camada, tinham de lavar um volume de terra vermelha de altura que atingia muitas vezes a mais de dez metros.
"A exploração ia além e os micaxistos, que formavam o solo, eram atacados ou por necessidade do trabalho ou por conterem ouro, o que é mais provável, visto haver serviços feitos exclusivamente nesta rocha decomposta.
"O cascalho apresenta muitas vezes pedaços pesando dois a três quilos e é formado quase todo ele de quartzo muito quebradiço, desmanchando-se facilmente em areia, fato que concorreu para dar-lhe a forma arredondada sem ser preciso ter percorrido grande extensão. Este quartzo deve provir dos grossos vieiros que atravessam os micaxistos em diversas direcções e que são ainda encontrados in situperto do morro Uruqueçava ou morro Doce. É bem provável que o ouro estivesse ligado à formação desses vieiros, e vem talvez confirmar esta hipótese a experiência de Dom Joaquim que, triturando o quartzo friável, pôde ainda retirar deles o metal contido.
"Não é esse, porém, o modo mais geral de ser do ouro nesta formação. Uma boa parte está espalhada na grande massa da rocha em pequenas veias em todas as direções e que cortam os micaxistos formando uma espécie d
e stockwerck. Tive ocasião de seguir uma destas linhas em pequena extensão, tirando provas com a bateia. Era formada de quartzo em pequenos fragmentos ligados por uma argila amarelada, contendo magnetita e bióxido de manganês. O ouro apresenta-se em grãos quase microscópicos com uma cor amarela brilhante e sem forma definida. Estas veias são numerosas e têm uma possança que não excede de três a quatro centímetros. Torna-se, pois, necessário lavar uma grande porção de terra estéril superior aos micaxistos para poder aproveitar o ouro encerrado nessas pequenas linhas.
"Era isso que determinava o processo de exploração todo característico desta região e que só pôde ser comparado com os de São Gonçalo da Campanha e Apiaí.
"Percorrendo-se as lavras, nota-se que, à medida que nos aproximamos do Jaraguá, diminui a quantidade de micaxistos e a rocha torna-se um verdadeiro quartzito que facilmente se desagrega. A lavra de Dom Joaquim e a do Curupira já se acham nesta última classe, enquanto as do Manquinho, das Palmeiras, etc, estão em uma rocha mais argilosa e micácea. Tudo nos leva a crer que esta formação pertence ao horizonte geológico dos micaxistos e quartzitos micáceos.
"Existe ainda na zona uma extensão mais ou menos considerável de cascalho virgem deixado pelos antigos mineiros, quer por causa da importância sempre crescente do desmonte ou dificuldades na obtenção de águas altas, quer por empobrecimento do depósito aurífero ou por outro motivo ignorado. Estudando a região exclusivamente debaixo do ponto de vista científico, não me achei autorizado a fazer pesquisas demoradas sobre a extensão, riqueza e facilidades para o trabalho, pelos métodos modernos, destes depósitos. Limito-me, portanto,
a notar a sua existência, chamando assim para ela a atenção dos que procuram depósitos auríferos para explorações industriais, aos quais compete proceder às pesquisas referidas. Parece-me, porém, que deva ser antes nos filões da rocha do que nos restos de aluviões que há de basear-se a mineração futura desta região, caso a indústria mineira aí torne a se estabelecer.
"Para o modo de ser do ouro, verificado por mim, isto é, em filões pequenos e irregulares disseminados em uma grande massa de terra, só processos muito aperfeiçoados e uma extração em grande escala e a preço ínfimo poderão dar resultados vantajosos.
"Sobre a existência de vieiros de maior possança e riqueza nada vi que justifique uma opinião, mas, por outro lado, nada há verificado que torne descabida pesquisas com o intuito de descobri-los."
Foi no estado de São Paulo que, em meados do século XVI, se descobriram as primeiras minas de ouro do Brasil. Confirmaram estes achados missivas do Bispo Sardinha e do Padre Anchieta, datadas respectivamente de 1552 e 1554. As jazidas auríferas são verificadas nas expedições de 1560 e 1562, do provedor Braz Cubas e seu auxiliar Luiz Martins.
Segundo Eschwege, "as primeiras notícias de interesse do governo pela lavra de ouro no estado de São Paulo encontram-se no decreto de 15 de agosto de 1603. Mas a lei ficou sem execução durante meio século, e somente em 1662 passou a vigorar em São Paulo, reforçada depois pelo decreto de 4 de outubro de 1659, onde o governador do Rio de Janeiro, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, incumbiu ao Capitão-Mor de São Vicente, Antonio Ribeiro Moraes, de inspecionar as lavras de ouro e fazer executar o dito decreto. Mais tarde, em 1660, visitou o mesmo governador pessoalmente as lavras
auríferas, assim como no ano de 1682 o mestre-de-campo, Duarte Teixeira Chaves, governador do Rio de Janeiro, que se responsabilizou pela administração das minas. Em 1697, por ordem do rei D. Pedro II, Arthur de Sá Menezes veio examinar também as minas paulistas".
Para o refino do ouro obtido no estado de São Paulo, foi construída na Vila de Iguape uma casa de fundição; depois edificada uma outra em Taubaté, para a fundição do ouro proveniente do território de Minas Gerais; e ainda mais tarde construíram uma terceira na cidade de São Paulo.
O decrescimento da mineração em São Paulo foi consequência da emigração dos bandeirantes paulistas para os distritos mais ricos de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso; e também porque o desenvolvimento das vilas próximas do litoral tornava a agricultura mais rendosa que o trabalho nas lavras.
Esquecida inteiramente a mineração, somente nestes últimos tempos vêm sendo redescobertas as aluviões auríferas abandonadas pelos antigos, e os vieiros ainda intactos, que estão a merecer cuidadosas pesquisas.
A indústria extrativa do ouro havia sido inteiramente abandonada, em São Paulo, em vista dos resultados obtidos nos distritos mais ricos de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso.
Nestes últimos tempos, graças à baixa cambial, novo interesse foi despertado e pesquisas oficiais, assim como particulares, têm sido realizadas sobre aluviões e vieiros auríferos.
Othon H. Leonardos nos forneceu os dados que em seguida resumiremos sobre os depósitos paulistas.
As notas que seguem, relatadas em ordem geográfica, são o resumo desse estudo inicial.
Município de Iguape
As principais ocorrências de minérios auríferos se encontram no distrito de Juquiá, nos afluentes do Rio São Lourenço-Juquiá, que descem da Serra de Paranapiacaba.
Ao longo da serra predominam as formações filíticas da Série de São Roque (Algonquiano). A rocha matriz do ouro é sempre o quartzo de vieiro, com pirita e afrisita, e mais raramente galena.
Este trecho da Serra de Paranapiacaba é quase desabitado e desconhecido.
Entre as localidades onde se tem descoberto minério aurífero citaremos: cabeceiras do Rio São Lourenço, não longe de Juquitiba, nos limites dos municípios de Iguape e Itapecerica. Vieiros de quartzo aurífero.
Todos os córregos das cabeceiras do Rio Verde, nos limites dos municípios de Iguape e São Miguel Arcanjo, são auríferos. A região, inteiramente desabitada, écoberta por densíssima floresta. Por toda a parte, pelas encostas abruptas da serra, encontram-se blocos de quartzo de vieiro. Na maioria das vezes o quartzo é branco-leitoso e estéril; mas de quando em vez ele se mostra piritoso e aurífero.
Os córregos denominados Ouro Fino, Ouro Preto, Lavrinhas, Fartura, etc. relembram nos nomes as antigas minerações dos jesuítas.
Um dos afluentes mais ricos do Rio Verde é o Ribeirão Cruzeiro ou Pedro Vaz. Principalmente no trecho em que atravessa as terras de Dona Maria Isabel Carvalho Quartim, consta que as aluviões são bastante produtoras.
Cortando o córrego Quebra Cabeça, no sítio do Sr. Luiz Valio, encontramos um vieiro de quartzo com muita pirita e afrisita, mas relativamente pobre em ouro (um a dois gramas por tonelada). A presença de alguns cristais de feldspato no minério indicava estar-se nas proximidades da zona pegmatítica.
No córrego dos Moços, afluente do Rio Verde, em terras do engenheiro David MacKnight, corre um vieiro de quartzo com turmalina e afrisita bastante rico em ouro. No mesmo córrego tem sido encontrada a cassiterita. No rio Ipiranga, afluente do Juquiá, têm sido verificados cascalhos auríferos, sendo especialmente famosas as aluviões do afluente Travessão. Estas jazidas, que se acham em terras do Sr. Guilherme Christofle, foram estudadas pelo engenheiro Theodoro Knecht. O ouro provem de vieiros de quartzo com pirita e afrisita, encaixados no granito. As lavras antigas dos jesuítas começavam a três quilômetros a montante do Salto, e se estendiam às cabeceiras do Rio Travessão, num comprimento de cerca de seis quilômetros. O volume de aluviões auríferas é, na opinião do Dr. Knecht, assaz considerável. Igualmente aurífera é a zona compreendida entre Sete Barras e o Ribeirão da Serra, especialmente o Ribeirão Laranjeiras.
Fonte: Brasiliana Eletrônica.
Obra: As minas do Brasil e sua legislação (1938)
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