A história da fundação de nossa cidade é tão bela e cheia de lances heroicos que, em confronto, ultrapassa tudo quanto se tem escrito a respeito da fundação de São Paulo de Piratininga.
Por isso, depois de conhecidos os tópicos do decreto 20.348, o clamor de todos os sãomiguelenses era, e com muita razão, o que serve de epígrafe:- “Não queremos retroceder”.
Obtida a nossa independência do “jugo” itapetiningano em 01 de abril de 1889, pela lei 86 da mesma data, o novo município caracterizou-se pela altivez com que, por muitos anos, soube manter-se, numa atitude digna, promovendo a sua prosperidade a golpes de audácia, tal como fez no período anterior, quando teve de enfrentar a luta formidável movida pela edilidade da terra de Venâncio Aires contra as suas aspirações liberticidas.
Por espaço de quase dois anos o povo desta terra lançou mão de recursos de todo gênero, legais e até absurdos para obter o seu ideal.
Entre eles figuram alguns dignos de serem agora lembrados e são os seguintes:
Os são-miguelenses precisavam de uma informação da Câmara de Itapetininga sobre o número de prédios existentes no perímetro urbano da freguesia e o número aproximado dos habitantes do distrito.
Para esse fim, mandou-se um emissário à sede, levando a petição e o questionário a ser preenchido.
Apresentados os “papéis” à Câmara em plena sessão, esta, depois de uma discussão em que mais se tratou de ridicularizar o “povoado” do que de atender ao pedido dos seus habitantes, negou a informação e indeferiu o requerimento.
Ali mesmo, tendo tudo presenciado, o nosso emissário, de posse dos papéis menosprezados, num ímpeto que bem traduziu o ideal de rebeldia de um “povo oprimido”,picou-os em dezenas de pedaços, atirando-os “por sobre as cabeças estupefatas dos nobres edis”.Assim procedendo, o nosso emissário “riscou o recinto da Câmara com as rosetas de suas enormes chinelas e saiu praguejando injúrias e maldições”.
Indignado com tal procedimento, o povo da freguesia procurou obter a proteção de Campos Sales, deputado republicano, endereçando-lhe uma fogosa representação.
Campos Sales prometeu patrocinar a causa e pediu que se fizesse um abaixo-assinado monstro, a fim de ser por ele apresentado à Assembléia provincial.
O abaixo-assinado remetido a Campos Sales foi subscrito por todos os habitantes de São Miguel Arcanjo, tanto pelos homens, mulheres e crianças, como pelos mortos e os que ainda estavam por nascer.
Com este documento, Campos Sales, no penúltimo dia de encerramento do Congresso, em dezembro de 1888, prevalecendo-se da acumulação de serviços, passou o blefe nos itapetininganos, obtendo a elevação de nossa freguesia a município independente.
Não se pode imaginar a grande satisfação que se apoderou do povo, com a sua independência realizada e em via de estabelecer o domínio municipal quase absoluto, para poder aplicar com parcimônia proveitosa, os vastos rendimentos fiscais na grandeza de sua própria terra, tão necessitada de melhoramentos de ética administrativa e de estética prática para a formação da grande metrópole ideada para um futuro embora remoto.
O nosso céu, como que colaborando com a alegria imensa provocada pelo feliz acontecimento, parecia radiantemente belo naquele dia de festas da vitória.
Os semblantes, tanto dos homens, como das mulheres e crianças, de carrancudos que eram pelas constantes investidas falhas transformaram-se em semblantes joviais, onde se notava a exteriorização completa dos mais íntimos sentimentos de felicidade.
Entretanto, nos horizontes do porvir, notava-se ainda uma tênue mancha, precursora de tempestade próxima.
É que não estava tudo feito e, para se chegar ao fim da obra gloriosa, teríamos de transpor duríssimos penhascos pontiagudos e de difícil acesso.
Itapetininga informou ao governo que São Miguel não possuía sequer um edifício ou sala particular onde pudesse ser instalada a Câmara, isto é, o seu Governo Municipal.
Já tínhamos algumas casas regularmente construídas e outras que se encontravam em estado adiantado de construção, com comodidades amplas, como, por exemplo, a casa de Evaristo Arantes de Noronha, pai de Thomaz Mário, Agobardo e senhora Maria Marieta, membros da importantíssima família Noronha, oriunda de Minas Gerais e de nobre hierarquia portuguesa, bem conhecida na história.
Mas para que se instalasse o Governo Municipal em uma casa particular, por melhor que fosse, seria preciso que a índole do povo são-miguelense fosse de outra têmpera e que esse povo não zelasse bastante do seu brio.
Não!
- A Câmara teria de funcionar em prédio próprio, diziam os próceres da situação, custe o que custar! -
Não havia, entretanto, onde lançar mão à busca de recursos para o fim desejado, porque as rendas municipais ainda seriam arrecadadas por Itapetininga enquanto aqui não houvesse governo constituído.
Como último recurso, aventou-se a idéia de promover uma subscrição popular, obtendo-se assim, o capital necessário para a construção do edifício.
O Governo Provincial havia, há tempos, adquirido, pela importância de cento e poucos mil réis, o prédio que servia então de cadeia pública. Um aumento lateral, acrescentado naquele, rigorosamente feito de acordo com todas as leis da estética, parecia resolver o grave problema e, se isto foi pensado, não demorou também a ser posto em prática com fervoroso entusiasmo.
A circunscrição correu o pessoal da Vila e este, acudindo ao pedido, não se fez rogar para contribuir com o seu apoio pecuniário. Em poucos dias a subscrição alcançava a importante soma de 600$000, julgada bastante, segundo o orçamento de hábil empreiteiro para a construção do edifício.
Em poucos meses as obras ficaram prontas.
O edifício citado foi construído na Rua do Comércio, nele funcionando a Câmara Municipal do triênio que se findou em 1913.
(Relatada pelo Major Luiz Válio, conforme pesquisas em periódicos da época).
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