Em 1963 quando tinha 23 anos, mudei-me para a Chácara Inglesa, em Pirituba, e pegava o trem de subúrbio da S.P.R. todos os dias cedo.
Certa manhã, vi um ajuntamento perto da linha do trem, na altura da passagem de nível. Umas vinte pessoas. Umas batendo palmas. Outras gritando palavras de incentivo. Outras se esborrachando de tanto rir.
Curioso, fui ver do que se tratava; quase não acreditei no que vi: um jovem de boa aparência, uns 20 anos, forte, cabelos pretos e curtos, de uns 1,70 de altura, com enorme rabo de cavalo preso por um cinturão de boiadeiro, calçando botas curtas pretas com ferraduras nos calcanhares, na cabeça uma 'cabeçada' (rédea simples, igual a usada nos cavalos, adaptada para o rosto humano, que não continha freio nem bridão).
As tiras de couro preto da rédea se estendiam sobre os ombros e caiam nas costas.
E, o mais assustador: tinha uma sela nas costas, adaptada ao tamanho dele.
Ele fazia um tropel no macadame, naqueles paralelepípedos com tanta força que saiam faíscas!
Parecia uma espécie de dança em que sapateava as ferraduras, fazendo barulho com ritmo...
Os braços dele balançavam como se fossem as patas de um cavalo, embora ele estivesse de pé.
Como se tivesse no galope, de vez em quando dava saltos e mandava coices no ar, coices com muita energia e, rápido, tornava à posição em pé.
Não sei como não caía!
E depois dos coices e animado pelos apupos de pessoas de má índole, dava relinchos e mais relinchos sem esquecer daqueles sons próprios de cavalos, como que querendo 'conversar'...
Essa foi a primeira vez que o vi.
Quando cheguei, ele estava dando o seu show há muitos minutos.
Fiquei por lá e tive que ir embora, muito pensativo, me perguntando 'o que seria aquilo'...
Não fui embora antes que tivesse visto o cavalo escolher uma pessoa para montar nele.
Ninguém quis montar e, pelo que entendi, o Cavalo ficou irritado e passou a mostrar toda a sua fúria, desencadeando uma sucessão de coices, relinchos e patadas no macadame, arrancando mais e mais faíscas.
A partir desse dia, sempre via o Homem Cavalo de Pirituba, Homem Cavalo da Lapa, da Inajá, de Osasco, etc.
Falavam muitas coisas.
Uma: que era filho de um Tenente Coronel de um daqueles muitos quartéis do Exercito de Osasco. Diziam também que a vida da mãe dele era andar por onde o cavalo andava a fim de pagar dívidas que ele fazia com alimentação, nos bares, nos restaurantes, etc. E que o rapaz ficara assim porque o pai dele era muito exigente na disciplina do filho. Apertou tanto que a porca espanou e o filho ficou estrambelhado das idéias.
Eu o vi por toda parte: perambulando em Pirituba, no trem (sentava-se, ajeitava cuidadosamente o rabo saindo pelo seu lado esquerdo).
Quando não estava possesso, era super educado, ficava olhando para todas as pessoas, nos olhos, esperando delas o carinho de um gesto.
Bastava dar tchauzinho para ele que ele respondia, educadamente.
Dava a impressão que ele queria que todo mundo acenasse para ele.
Era visivelmente carente e precisava ficar no centro do picadeiro, sempre esperando os aplausos.
Não sei dizer se ainda está vivo. Se estiver, com certeza terá mais de 70 anos.
Eis um resumo de fatos verídicos, que presenciei e assino em baixo.
Texto de Milton T. Prudêncio, meu mais novo amigo virtual.
Escrito em 23/10/2011.
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