A formação artística de Lula Cardoso Ayres se inicia cedo, aos 12 anos, trabalhando como ajudante do artista alemão Heinrich Moser no Recife, com quem adquire os primeiros conhecimentos das técnicas artísticas.
Viaja por Paris por um ano, e ao retornar, em 1926, aprimora sua formação estudando com Carlos Chambelland, e dessa experiência recorda dos exercícios de desenho com modelos de gesso, que lhe conferem o domínio dos meios-tons na representação dos volumes.
Sua inserção profissional no meio das artes se dá inicialmente através da ilustração, atividade que exerce com intensidade nos anos 1930 no Rio de Janeiro, e retoma na década de 1940 no Recife. Em sua produção gráfica carioca, que frequentemente retrata a figura feminina e as novas conquistas da modernidade, nota-se a influência do art déco.
Em 1931, produz a ambientação para o espetáculo O Espelho de Próspero, sendo responsável pela criação dos painéis, escolha dos móveis e decoração. O partido não realista e subjetivo de sua cenografia, uma ousadia para os padrões da época, desperta o interesse de teatrólogos como Paschoal Carlos Magno e Renato Viana, que publicam comentários elogiosos a respeito do artista na imprensa. Outro trabalho que realiza nesse campo é a pintura de um grande painel para o carnaval do Clube Internacional do Recife, em 1941, em que retrata cenas do maracatu, do cortejo de reis e outras folias populares.
Em seu processo de pesquisa artística, Ayres começa a realizar fotografias sobre diversos aspectos da vida das populações rurais. No decorrer dos anos 1930 e 1940, intensifica o interesse antropológico por modos de vida e rituais, em parte estimulado pela convivência com o poeta Ascenso Ferreira e o sociólogo Gilberto Freyre. Produz grande quantidade de fotografias e também diversos desenhos de manifestações como o bumba meu boi, o maracatu, o carnaval, os rituais do candomblé e de populações indígenas. Parte das fotografias hoje integra o acervo do Museu do Homem do Nordeste.
De sua vivência no interior de Pernambuco, se interessa acima de tudo pela cerâmica popular. Ao tomar contato com essa produção, procura transferir para o desenho e a pintura as cores e formas das esculturas de barro. Os primeiros desenhos realizados buscando representar a forma e a constituição dos bonecos de barro datam de 1940. Para o crítico Clarival do Prado Valladares, autor de um cuidadoso estudo sobre o artista, a descoberta da cerâmica popular orienta grandemente a produção de Ayres, e é o caminho pelo qual ele se aproxima do cubismo sintético. Tal referência à cerâmica pode ser notada nas formas maciças da figura humana, nos volumes arredondados da vegetação e na estaticidade dos bichos em trabalhos como os óleos sobre tela Representação do Bumba-Meu-Boi e Noivado no Copiar e nas aquarelas Bolo de Noiva e Passeio a Cavalo, todos de 1943.
Em um conjunto de trabalhos, produzidos entre 1945 e 1946, Ayres explora as fantasmagorias e assombrações. Tal universo, que remete as narrativas e crenças populares do Recife, aparece em obras como Capela Mal Assombrada, Sofá Mal-Assombrado, Vestindo a Noiva e Enterro, entre outras.
Sua produção pictórica, de meados ao fim dos anos 1940, é marcada por telas com temática social, representando figuras e paisagens regionais, como Retirantes, Meninas Pedindo Esmola, Cego Violeiro, todas de 1947, presentes na retrospectiva do Itamaraty realizada na década de 1970, ressaltando essa faceta do artista. Figuras do carnaval recifense, do frevo, do maracatu, do bumba meu boi, e cortadores de cana são frequentemente retratadas em suas pinturas.
No início da década de 1950, sua produção caminha para o abstracionismo, mas sem abrir mão totalmente da figuração. Tal mudança de linguagem explica-se em parte pelo impacto, reconhecido pelo artista, da realização das primeiras Bienais de São Paulo. As telas Ex-Votos e Três Ex-Votos, elaboradas em 1951, são exemplos da solução particular explorada pelo artista nessa fase, que trabalha sobre a figura, pretendendo chegar a sua síntese. Em trabalhos em têmpera, como Dançarinas ou Pássaro Vermelho, ambos de 1952, as cores ganham relevância sobre o desenho. Em telas como Rei e Rainha do Maracatu, de 1959, o artista alcança a síntese das figuras por meio da esquematização geométrica. Ayres volta ao tema em Rainha do Maracatu, de 1972, óleo sobre tela pertencente ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, com um tratamento mais figurativo.
No decorrer da década seguinte, Ayres pinta novamente figuras femininas misteriosas, em telas como Vulto na Porta e Mulheres com Manto, produzidas em 1964. Nos anos 1970, dedica-se principalmente a pintar a figura feminina da mulata e da morena, em telas como Cabeça de Mulata, de 1970, na qual a mulher é retratada com olhos vazados e volumosos cabelos compridos.
A partir de meados dos anos 1970, produz diversas pinturas em que surgem bichos imaginários usando tinta acrílica. Nesses trabalhos, emprega cores fortes e contrastantes e largos contornos em preto que dão forma a bichos, como pássaros, emas, bois e outros seres inventados.
A grande maioria de seus trabalhos pode ser vista no Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres, em Jaboatão de Guararapes, Pernambuco. Criado em 1993 por iniciativa da família, o instituto tem no acervo mais de 300 obras do artista, entre pinturas, desenhos, fotografias, ilustrações e trabalhos gráficos, estudos e projetos de suas cenografias e murais.
Fonte: Itaú Cultural.
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