sábado, 27 de julho de 2019

Prisão de supostos hackers está baseada em possível clonagem de celulares, não em invasão de aplicativo


Por Redação Ucho.Info/
24 de julho de 2019.


Diferentemente do que afirmam alguns exaltados e radicais, o UCHO.INFO não defende os verdadeiros responsáveis pela invasão dos celulares de autoridades envolvidas na investigação e no julgamento dos casos da Operação Lava-Jato. Nosso papel, enquanto órgão de imprensa, é defender a lógica investigativa e o Estado Democrático de Direito, sob pena de, assim não agindo, colaborar para o vale-tudo a partir da organização do Estado.
Deflagrada pela Polícia Federal para chegar aos verdadeiros culpados, a Operação Spoofing prendeu na terça-feira (23) quatro suspeitos de envolvimento no caso, o que não significa que sejam culpados. De tal modo, é preciso cautela com a apresentação dos suspeitos, para que esses não sejam julgados com antecipação pelo tribunal da opinião pública, já que o País vive um momento em que o radicalismo dita o tomo do cotidiano.
Se os suspeitos usaram a técnica do “spoofing” para clonar os celulares do ex-juiz Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol, entre outras autoridades, que sejam responsabilizados por seus atos de acordo cm a lei. O spoofing consiste no aproveitamento de falhas no protocolo da internet para, assumindo a identidade cibernética de terceira pessoa, acessar ou manipular o conteúdo do que é enviado através da rede.
Portanto, é prematuro afirmar que os suspeitos presos são responsáveis por acessar as mensagens trocadas entre Moro e Dallagnol através do aplicativo Telegram, as quais foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil e demonstram, sem qualquer dívida, que houve flagrante violação da lei por parte das autoridades na condução de investigações e julgamentos. Isso significa que, fosse o Brasil um país sério e respeitador da legislação vigente, a Lava-Jato deveria ser anulada, pelo menos no âmbito dos julgamentos.
Para uma análise isenta é preciso considerar que o Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba afirmou, por meio de nota divulgada em 1º de julho, que “as evidências dão conta de um ataque hacker criminoso sobre contas de aplicativos e não sobre o aparelho celular”. Pois bem, se as evidências apontavam para um ataque nas contas de aplicativos, a aludida invasão dos celulares não ocorreu.
Também é importante levar em conta que o ministro Sérgio Moro (Justiça) declarou em depoimento em comissão do Senado, que apagou as mensagens por ser um contumaz comprador de “celulares baratos”. De tal modo, a permanência das mensagens nos servidores do Telegram dependia da existência dos diálogos em pelo menos um dos celulares usados pelos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato.
Na mesma nota divulgada pelo MPF em Curitiba, a força-tarefa informou que, com base em manifestações da própria PF e da PGR, as mensagens haviam sido apagadas, o que dispensaria perícia nos equipamentos. Se as vítimas do suposto ataque reclamavam da autenticidade das mensagens divulgadas pelo The Intercept, o mais coerente seria entregar os celulares para a necessária perícia.
O objetivo da Operação Spoofing é obter provas relacionadas à invasão de contas do aplicativo Telegram utilizadas por autoridades, entre elas o ministro Sérgio Moro, o desembargador Abel Gomes (TRF-2), o juiz federal Flávio Lucas (da 18ª Vara Federal do RJ) e os delegados federais Rafael Fernandes e Flávio Vieitez Reus. O nome do procurador Deltan Dallagnol não foi mencionado nos mandados judiciais de prisão e de busca e apreensão, pois o caso envolvendo o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato está sendo investigado pela PF na capital paranaense.
Não há, por enquanto, qualquer indício de relação direta entre o spoofing que atingiu os celulares e o acesso às mensagens do Telegram. Na realidade, o que existe é a suspeita de que os detidos na operação da PF tenham alguma participação na invasão da conta de Sérgio Moro no Telegram.
Ora, se o ponto de partida da ação criminosa foi o celular do ministro da Justiça, que afirmou ter o hábito de apagar mensagens de aplicativos, a reinstalação do Telegram na linha de celular clonada proporcionaria acesso a um arquivo de mensagens vazio. O que não deixa de configurar crime.
A recomendação da PF, segundo o procurador Deltan Dallagnol afirmou em artigo, foi para apagar as mensagens dos celulares após a constatação do spoofing. Mesmo assim, os equipamentos deveriam passar por perícia, pois após a eliminação das mensagens o aparelho mantém registro dos diálogos na “memória cache”.
Vale ressaltar que não se tem acesso ao conteúdo das mensagens por meio da “memória cache”, mas pode-se confirmar os horários de envio e recebimento. O que provaria a autenticidade dos arquivos divulgados pelo The Intercept.
Há várias modalidades de spoofing: e-mail, IP, DNS, SMS e chamadas. O que se sabe até o momento, de acordo com relatos das vítimas, é que elas receberam chamadas telefônicas dos próprios números. Isso é spoofing de chamada (quando o hacker realiza chamadas se passando por um número conhecido da vítima ou o próprio número), o que não obrigatoriamente significa que houve invasão de contas de aplicativos.
O mais importante na esteira desse escândalo é reconhecer a necessidade de se analisar o caso como um todo e com a devida imparcialidade. Houve a prática de crime por parte dos que clonaram os celulares e dos que acessaram os diálogos trocados no Instagram, mas também houve inconteste desrespeito à lei por parte das autoridades, que, considerando os cargos que ocupam ou ocupavam, tinham conhecimento do ilícito.
Estivesse realmente interessado em esclarecer o caso, o ministro Sérgio Moro teria solicitado afastamento do cargo, pois causa estranheza o fato de a vítima comandar o órgão investigador. Afinal, a PF está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Da forma como a investigação está sendo levada adiante, a suspeita sempre existirá, em que pese reconhecer o brilhante trabalho da PF ao longo dos anos.

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