quinta-feira, 29 de agosto de 2019

AS MÃES DE MOGI QUE CHORAM SEUS FILHOS

Ex-PM e policial militar acusados de chacinas em Mogi das Cruzes vão a júri nesta quinta.

 

Vanderlei Messias de Barros e Fernando Cardoso Prado de Oliveira voltam ao Fórum Criminal de Mogi das Cruzes, em Braz Cubas. (Foto: Vitoria Mikaelli)

Entre 2013 e 2015, 26 pessoas foram assassinadas em Mogi das Cruzes durante 10 atentados à bala. Hoje, o ex-policial militar Fernando Cardoso Prado de Oliveira e o PM Vanderlei Messias de Barros vão a júri popular por ataques ocorridos entre 2014 e 2015. O juri começa às 10 horas, no Fórum Criminal de Braz Cubas, com previsão de duração de dois dias e expectativa de ouvir 37 testemunhas, além de defesa e acusação.
Os processos foram apensados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. No júri de hoje, Cardoso é acusado pela morte de Reverson Otoni em 4 de abril de 2014, na rua dos Vicentinos, além do assassinato de Renato José Nogueira Neto, na rua Jother Santos Pinto, em 26 de abril de 2014. No mesmo dia, ele também teria matado, segundo a acusação, Rafael Simão de Oliveira Sarchi, na rua Francisco Correa.
O ataque registrado em 8 de julho de 2015 na rua Professor Gumercindo Coelho, que terminou com a morte de Marcus Vinicius dos Santos, Matheus Justino Rodrigues Costa e Thiago Nogueira Novaes e as tentativas de execução de Leonardo Teixeira da Silva e Gabriel Graça Batista foram atribuídos a Cardoso e também a Vanderlei Messias de Barros.
Segundo as investigações da Polícia Civil, a série de ataques teve início após rixa entre um policial e um jovem, que terminou com os dois mortos. Um jovem de nome Caíque teria engravidado uma sobrinha do policial militar Luiz Antonio da Silva, da 2ª Companhia do 17º Batalhão. Durante desentendimento entre os dois, o PM teria matado Caíque. Para vingar a morte, Jackson Benedito de Santana, teria executado o agente no final de 2012.
Segundo o Ministério Público, Cardoso e Messias e outros indivíduos não identificados associaram-se, de maneira armada, para fim específico de cometerem crimes de homicídio. Fernando Cardoso está preso desde o fim de 2016. No ano passado, ele foi “demitido a bem do serviço público” da corporação da Polícia Militar. Já Vanderlei Messias continua como policial militar.
Esse será o terceiro julgamento dos assassinatos em série da cidade. O primeiro foi realizado em outubro de 2018. Cardoso foi ao banco dos réus acusado pela morte de Matheus Aparecido da Silva e pela tentativa de homicídio de Rodrigo Matos de Camargo de Souza.
Os dois amigos foram a júri juntos em fevereiro deste ano, quando responderam pelo assassinato de Rafael Augusto Vieira Muniz e Bruno Fiusa Gorrera, mortos em 24 de setembro de 2014, no Jardim Camila.

Expectativa

A professora Inês Paz também integra o grupo Mães Mogianas. Ela lecionou para a maior parte dos estudantes, milita na defesa deles e na condenação dos acusados e foi responsável pela articulação das mães e familiares das vítimas. O número de vítimas desse julgamento traz uma expectativa para a professora. “Esperamos que ele seja sensível no aspecto de refletir e pensar, que como uma pessoa que está sendo acusada de tantas matanças pode ser inocente? Teremos agora testemunhas presenciais e o advogado assistente e agora o promotor fixo no caso estão juntando todas as provas possíveis para uma boa oratória”, destaca.
Na avaliação de Inês, o promotor do primeiro júri não estava bem preparado para fazer a acusação. Já no segundo, apesar de a promotora ter sido eficiente, ela não era fixa de Mogi. “O promotor José Floriano está bem preparado”, afirma.

Defesa

O advogado Nilton Vivan Nunes faz a defesa dos dois réus. Segundo ele, os clientes são inocentes e não praticaram os delitos. “Não é condenando aleatoriamente qualquer pessoa que vai se fazer justiça. Os verdadeiros culpados devem ser localizados, por meio de um trabalho de investigação correto, e não colocar duas pessoas lá e está tudo certo. A inocência deles vai ficar, mais uma vez, clara e cristalina no julgamento”, ressaltou.

Mãe de vítima busca forças para viver

“Eu preciso de força, que as pessoas rezem por mim, porque realmente é tudo muito forte. Só resisti desde a morte dele porque tenho uma filha que me dá muita força”. A dor é de Regina Aparecida Simão Sarchi, que há pouco mais de quatro anos chorava a morte do filho Rafael Simão, assassinado no dia 24 de abril na rua Francisco Correa.



DOR Regina Aparecida é mãe de Rafael Simão, morto há 4 anos. (Foto: arquivo)

Hoje, ela se junta a outras mães na busca por justiça, no julgamento do ex-policial militar Fernando Cardoso Prado de Oliveira e do policial militar Vanderlei Messias de Barros, acusados dos crimes. O júri popular começa às 10 horas e está previsto para durar dois dias. Apenas Cardoso é acusado pela morte de Rafael.
No dia da morte do filho, Regina não estava em casa. Na sexta-feira que antecedeu o ataque, ela havia viajado ao interior do Estado para cuidar de um tio que havia sofrido AVC. Estavam em Sorocaba quando a mãe de uma das suas netas ligou avisando que o filho havia sido baleado.
“Não me deram detalhes, só disseram que ele estava na rua e foi atingido por um disparo. Só quando cheguei aqui soube que estava morto. O meu filho levou 10 tiros enquanto voltava para casa. Ele tinha ido na casa de um amigo falar sobre os detalhes de uma festa que iam à noite e morreu comendo chocolate”, relembra Regina.
Rafael tinha 21 anos e deixou duas filhas, hoje com cinco e nove anos. Ambas ajudam Regina a seguir junto com a filha Juliane Simão Sarchi, de 19 anos. Ela também integra o grupo Mães Mogianas, formado por algumas das 26 mulheres que perderam filhos nos ataques realizados entre 2013 e 2015 na cidade. “Percebemos que outras pessoas também estão passando pela mesma situação. Vamos unidas, uma dando força para a outra. Eu participei dos dois primeiros júris, foi muito difícil para mim, mas agora vai ser ainda pior, porque será o do meu filho”, enfatiza.

Série de crimes matou 26 homens entre 2013 e 2015

Eliane José

Um levantamento feito pelo Grupo Mães Mogianas junto ao Ministério Público e aos familiares de vítimas de chacinas e assassinatos ocorridos entre 15 de novembro de 2013 e 8 de julho de 2015 aponta que 34 homens foram mortos em bairros periféricos de Mogi das Cruzes, sendo que 26 morreram da mesma maneira: vítimas de atiradores que utilizavam veículos populares e motos (em alguns casos). Eles desciam dos veículos e atiravam várias vezes nas vítimas (veja a lista).
A maioria era jovem, tinha entre 17 e 23 anos, sendo um deles, 14 anos, Breno Santos Vale, que sonhava ser policial militar e tinha saído de casa para conseguir falar no celular com o pai, e um outro 15 anos, Marcos Vinicius dos Santos.
As chacinas aconteceram em sete bairros: São João, Caputera, Jardim Camila, Vila Natal, Vila da Prata, Jundiapeba e Jardim Universo.
Após os primeiros casos, nesses bairros, os boatos começaram a ligar as mortes a um grupo de extermínio, uma tese sustentada pelo MP. Após pressão popular, investigações apontaram para a participação de dois policiais – mas os sobreviventes relataram que havia mais atiradores nas cenas dos crimes. Com as primeiras absolvições dos policiais acusados pelo Ministério Público, a pergunta repetida pelas mães, conforme reforça a professora Inês Paz é: “Quem matou nossos filhos?”.
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Bairro Data Vítimas *
São João 15/11/13
04/04/2014 Felipe Buono Ferreira
Matheus Aparecida da Silva
Rodrigo Martos de Camargo Souza*
Weber Bono Mendonça*
Reverson Otono Gonçalves

Jardim Camila 26/04/14 Rafael Simão Oliveira Sarchi
Vila da Prata
 26/04/14 Renato José Nogueira Neto
Lucas Vinicius Garcia *

Jardim Camila 24/04/14 
Rafael Augusto Vieira Muniz
Bruno Fiuza Gorrega
Wellington Ludin Dias *

Vila Natal 21/11/14 
Thiago Donizete Rodrigues
Rafael Hliberto da Silva
Luiz Fernando Mello Santana
Edson Moreira
Flavio Antonio de Lima *

Jundiapeba 24/12/14 Fabiano Diogo Caetano
Jundiapeba 01/01/15 Diego Martos

Caputera 24/01/15 
Christian Silveira Filho
Ivan Marcos dos Santos Souza
Lucas Tomas de Abreu
Marcio da Silva Pinto *
Robson José Antonio Martins *

Jundiapeba 24/01/15 Celso Gomes
Breno Santos Valle

Caputera 27/04/15 
José Dias Figueiredo Júnior
Paulo Reinaldo Rodrigues Miranda

Jundiapeba 27/05/15 Diego de Souza Gomes
Aleimar José da Silva

Jardim Universo 08/07/15
Marcos Vinicius dos Santos
Mateus Justino Costa
Thiago Nogueira Novaes
Gabriel Graça Batista *
Reinaldo Santos Melo

* Sobreviventes das chacinas

Fonte: Grupo Mães Mogianas

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